O desenvolvimento da TV aberta no Brasil enquanto negócio vai se dar a partir do final da década de 1960, quando passa o rádio no recebimento do bolo publicitário e também há uma mudança, primeiro a partir da TV Excelsior e depois com a TV Globo, na maneira de gerenciamento do que virá a ser a principal indústria cultural do país. Durante estes 50 anos, as grandes alterações técnicas deste meio de comunicação são bastante pontuais, com grande destaque para a transmissão em cores, a partir de 1972. De lá para cá, o que vimos foi um aperfeiçoamento destas transmissões, com a ampliação do uso de elementos digitais, ligados ao desenvolvimento da informática e também ao grande avanço tecnológico das últimas décadas, com casos como a transmissão em alta qualidade (HDTV) – utilizada pela primeira vez na Copa do Mundo da Fifa, em 1998.
As novas formas de concorrência promovidas pelo avanço de outros meios de comunicação, com a entrada de atores com mais recursos financeiros na produção e na distribuição do audiovisual, com destaque para o Serviço de Acesso Condicionado (TV fechada) e para as diferentes formas de divulgação promovida pela internet, forçaram um novo e grande avanço para a principal indústria cultural do país.
A definição do padrão digital da TV aberta, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) – tendo como base o padrão japonês –, pode gerar importantes mudanças. A primeira coisa é o aumento de qualidade das transmissões televisivas; a segunda é a possibilidade de ver televisão a partir de mídias móveis com a mesma qualidade de transmissão; por fim, os aplicativos que podem ser utilizados durante um programa. O negócio televisivo tende a criar novos produtos, agora pensando numa convergência de mídias a partir do audiovisual – lembrando que o telespectador cada vez mais vê televisão conectado à internet através de um computador ou de uma TV conectada, que permite a utilização do próprio aparelho para o acesso à rede.
Plataforma de exibição
As empresas já se movimentam nesta direção, ainda que o padrão digital enfrente vários obstáculos de agentes de mercado para se desenvolver no país, o que gera o avanço sobre outros modelos de negócio, caso da internet, smartphones e tablets, com possibilidade de novas “telas” a serem mostradas em paralelo à transmissão gratuita. Em setembro, as Organizações Globo, maior grupo comunicacional brasileiro, lançaram o Globo TV+, aplicativo de vídeo on demand, que permite ao usuário escolher o que ver na programação da emissora ou em seus arquivos. Por enquanto o serviço, de pagamento mensal, funciona apenas para Minas Gerais, mas demonstra a tentativa do grupo de concorrer, dentre outros, com o Netflix, na América Latina desde o ano passado, neste tipo de serviço.
A rede Esporte Interativo, presente em 10 estados brasileiros via UHF e especializada em transmissão esportiva, foi a primeira no mundo a realizar uma transmissão pela mídia social Facebook, de forma gratuita. Este ano, resolveu cobrar pelo conteúdo disponibilizado, criando o serviço EI+Plus, em que o telespectador pode assinar o acesso ao canal pela internet, de forma que pode ver um evento ao vivo, repetir um lance nesta mesma partida em qualquer momento, independentemente do editor de imagens. Além disso, tem acesso a todo o conteúdo veiculado pela TV Esporte Interativo a qualquer momento.
No contrato de aquisição do serviço há a preocupação para novas mídias a serem criadas, descrevendo que esta seria uma plataforma de exibição “via qualquer sistema digital de transferências de dados e/ou conteúdos, em qualquer tecnologia existente ou que no futuro venha a ser desenvolvida, incluindo, sem limitação, a internet, telefonia móvel, aparelhos móveis (tablets, palms etc.), OTT (over the top), IPTV, TV Conectada, ou qualquer outro aparelho e/ou aplicativo existente ou que no futuro seja desenvolvido, e que permita a transmissão de conteúdo audiovisual, ao vivo, em delay e/ou sob demanda.
Síntese da pluralidade
Outro exemplo, agora vindo da internet, é o que já está sendo realizado pelo portal Terra (Telefonica, da Espanha), que realizou a transmissão dos Jogos Olímpicos, Jogos Pan-Americanos e mostra uma série de campeonatos internacionais de forma gratuita pela internet. Neste novo modelo de produção de audiovisual, você tem um rol de opções de partidas/competições ao vivo, às vezes até com o direito de escolher se quer assistir com ou sem narração, e assistir outro evento numa janela menor ainda na mesma tela. Apresenta-se também um padrão tecno-estético que permite a discussão do público com comentários publicados na tela principal e a visualização dos melhores momentos da partida em andamento ou de gols de outros jogos.
Estes exemplos conformam dois conceitos ligados à Economia Política da Comunicação desenvolvida no Brasil e que representam as modificações na indústria cultural nas duas últimas décadas: a Fase da Multiplicidade da Oferta e a PluriTV.
O primeiro compreende as características da Fase da Multiplicidade da Oferta de bens simbólicos, já que há a presença de mais atores produzindo cada vez mais produtos simbólicos, com o avanço sobre outras formas de negócio, desde agentes midiáticos a empresas antes extra-mídia (caso das empresas de telecomunicações e de informática), com a televisão aberta sendo obrigada a concorrer e convergir com outros meios de comunicação e também de produzir mecanismos para atender aos anseios de um público cada vez mais segmentado.
O segundo conceito é mais recente e ainda com muitas possibilidades de estudo: a PluriTV. Brittos e Simões (2011, p. 64) denominam essa “nova TV” como a síntese da ideia de pluralidade de formas na cadeia de valores da televisão, tanto pelos aspectos técnicos quanto pelos simbólicos, a partir de uma maior diversidade no ato de produzir e consumir a mídia TV, em que a “PluriTV surge a partir de cruzamentos de meios e de inovações, no que tange ao audiovisual televisivo, em que a questão da convergência tecnológica aparece em destaque, embora não seja a única”.
Ainda assim, apesar de se tratar de uma mudança na produção de audiovisual, as mudanças nos padrões de produção, que passaram a existir e terão ainda mais aprofundamento em curto prazo, não representam uma abertura de espaços para a produção de conteúdos alternativos e/ou contra hegemônicos nestes novos espaços. Pelo contrário, dá-se a entender que é uma adaptação aos novos tempos de disputa mercadológica, que tendem a, no mínimo, reformular as barreiras político-institucionais estabelecidas na liderança do oligopólio midiático.
Referência bibliográfica
BRITTOS, Valério Cruz; SIMÕES, Denis Gerson. Para entender a TV Digital: tecnologia, economia e sociedade no século XXI. São Paulo: Intercom, 2011.
***
[Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos]