Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Episódio traz à tona debate sobre privacidade

A investigação do FBI que derrubou o diretor da CIA, general David Petraeus, e agora complicou o principal comandante americano no Afeganistão, general John Allen, ressalta um perigo que civis vêm há muito tempo alertando: ao monitorar a internet por crimes, espionagem e sabotagem, investigadores do governo inadvertidamente podem invadir a vida privada de americanos.

Na web e, especialmente, em emails, mensagens de texto, posts em redes sociais e fotos online, a vida profissional e pessoal de americanos estão misturadas. Mensagens pessoais estão arquivadas há anos em servidores, disponíveis para serem descobertas por investigadores que podem estar buscando temas completamente não relacionados.

Cadeia de descobertas

No caso em questão, tudo começou com uma socialite da Flórida, Jill Kelley, amiga de Petraeus e Allen. Ela teria recebido diversos emails agressivos anônimos em junho – que seriam de Paula Broadwell, biógrafa e amante de Petraeus, acusando-a de flertar com o general. Jill os levou a um agente do FBI, cuja atitude (ele chegou, inclusive, a lhe enviar fotos sem camisa) eventualmente levou seus chefes a ordenarem que ele se afastasse da investigação. Uma equipe de investigadores no escritório de Tampa, em consulta com promotores, abriu, então, uma investigação sobre “ciberstalking”, que é a perseguição via internet de forma agressiva. Embora essa investigação ainda esteja aberta, é pouco provável que sejam feitas acusações criminais.

Neste meio tempo, entretanto, houve uma cascada de consequências involuntárias. O que começou como algo privado, entre duas mulheres, Jill e Paula, teve incalculáveis custos públicos. A CIA ficou repentinamente sem um diretor permanente – que renunciou após reconhecer seu caso extraconjugal – em um momento de desafios na Síria, Irã e Líbia. O líder de um esforço americano para evitar que o Talibã tome conta do Afeganistão está distraído, no mínimo, por uma investigação sobre seus emails com Jill pelo inspetor-geral do Departamento de Defesa.

Para os defensores de privacidade, o caso serve de alerta. “Deveria ter uma investigação não do comportamento pessoal do general Petraeus e Allen, mas de quais poderes de vigilância o FBI usou para vasculhar suas vidas particulares”, disse Anthony D. Romero, diretor-executivo da ONG União Americana pelas Liberdades Civis. “Este é um exemplo das linhas tênues entre o privado e o público”. Autoridades informaram terem usado apenas métodos ordinários no caso, o que deve ter incluído intimações do grande júri e mandados de busca. Jill deu ao FBI acesso a seu computador e especialistas acabaram descobrindo os emails de Allen, considerados “potencialmente inapropriados”, e decidiram mostrá-los ao Departamento de Defesa. Paralelo ao processo, investigadores tiveram acesso, provavelmente usando um mandado de busca, à conta de email Gmail de Paula, onde encontraram mensagens de Petraeus.

Na opinião de Marc Rotenberg, diretor-executivo do Electronic Privacy Information Center, ONG que defende a privacidade na rede, a cadeia de revelações inesperadas não foi atípica em investigações em computadores. “É uma questão específica com ciberinvestigações. E se o diretor da CIA pode ser pego, todos podem”, disse.

Alguns elogiaram os resultados das investigações, pelo menos em parte. Ao ter um affair extraconjugal (o que é proibido por leis militares), Petraeus ficou vulnerável a chantagens, o que poderia ser algo delicado e perigoso para um funcionário do alto escalão. Em vez do FBI, a agência de inteligência russa ou chinesa poderia ter descoberto os emails entre Paula e o diretor da CIA. Outros, entretanto, alegam que transgressões sexuais têm pouca relevância com o desempenho no trabalho. “A maior parte dos americanos se surpreendeu com a renúncia de Petraeus”, comentou Romero. Informações de Scott Shane [The New York Times, 14/11/12].