Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

José Queirós

“Ima­gino que uma parte dos lei­to­res do PÚBLICO possa olhar para Pedro Pas­sos Coe­lho e Paulo Por­tas como mari­o­ne­tas de Angela Mer­kel. Estou certo de que outros con­si­de­ra­rão essa visão desa­de­quada, cari­ca­tu­ral e, em alguns casos, ofen­siva. E que outros, ainda, não terão opi­nião defi­nida ou jul­ga­rão que não faz sen­tido for­mu­lar nes­ses ter­mos uma posi­ção crí­tica à polí­tica seguida pelos actu­ais gover­nan­tes por­tu­gue­ses. Todos terão visto, porém, essa pers­pec­tiva repre­sen­tada com des­ta­que na capa doPÚBLICO da pas­sada segunda-feira: a metade supe­rior da pri­meira página era ocu­pada por uma ima­gem em que os líde­res do PSD e do CDS são figu­ra­dos como títe­res mani­pu­la­dos pela chan­ce­ler alemã com os cor­déis de um qual­quer tea­tro de bonifrates.

Sem qual­quer legenda ou expli­ca­ção, enci­mando uma man­chete rela­ci­o­nada com a rápida pas­sa­gem de Angela Mer­kel por Lis­boa nessa data, a ima­gem pode ser à pri­meira vista con­fun­dida com uma ilus­tra­ção ou car­toon da res­pon­sa­bi­li­dade edi­to­rial do PÚBLICO, e assim inter­pre­tada como uma decla­ra­ção de que o jor­nal con­si­dera os actu­ais gover­nan­tes meros fan­to­ches de um poder estrangeiro.

Olhando com mais aten­ção, percebe-se que se trata de uma foto­gra­fia (de um car­taz?), mas a ausên­cia de infor­ma­ção que a iden­ti­fi­que e enqua­dre con­ti­nua a per­mi­tir a lei­tura de que o PÚBLICO quis sim­ples­mente dizer aos seus lei­to­res, pela ima­gem e não pela pala­vra, que Pas­sos e Por­tas são mari­o­ne­tas sem ideias próprias.

Por pri­má­ria que possa ser, essa seria uma decla­ra­ção (polí­tica) tão legí­tima como qual­quer outra, e nada deve impe­dir um jor­nal de afir­mar, se o enten­der e se for o caso, as suas pró­prias posi­ções e esco­lhas polí­ti­cas e ide­o­ló­gi­cas. Julgo até que seria útil que essas vozes exis­tis­sem com trans­pa­rên­cia na imprensa por­tu­guesa, a bem do debate público.

Sucede, porém, que não é esse o con­trato do PÚBLICO com os seus lei­to­res. Ao recla­mar para si pró­prio, como sem­pre recla­mou, uma dis­tin­ção clara entre infor­ma­ção e opi­nião, reser­vando para esta 'espa­ços cla­ra­mente demar­ca­dos', como se lê no seu Livro de Estilo, este jor­nal assumiu-se como um pro­jecto inde­pen­dente de grande infor­ma­ção. Não o fez por acaso, mas para ser­vir um uni­verso de lei­to­res que quer for­mar a sua pró­pria opi­nião a par­tir de uma infor­ma­ção inde­pen­dente, rigo­rosa e fiável.

É ver­dade que a opi­nião, tal como a aná­lise e a inter­pre­ta­ção, é igual­mente indis­pen­sá­vel num pro­jecto edi­to­rial como este, como é ver­dade que não há fron­tei­ras abso­lu­tas entre essas cate­go­rias e a pró­pria infor­ma­ção. Ainda assim, o estilo e a iden­ti­dade do jor­nal exi­gem a mais clara demar­ca­ção pos­sí­vel, para que não seja posto em causa o seu valor mais pre­ci­oso, que é a con­fi­ança dos que o lêem. Aju­dará a com­pre­en­der isto recor­dar que, mesmo em perío­dos em que o peso da opi­nião edi­to­rial do PÚBLICO sobre temas fun­da­men­tais da actu­a­li­dade se reve­lou alta­mente divi­sivo para o corpo dos seus lei­to­res, foram sem­pre sal­va­guar­da­dos, no essen­cial, os valo­res do rigor e da isen­ção informativa.

Neste qua­dro, a ima­gem que domi­nava a capa da edi­ção do pas­sado dia 12 teria todo o cabi­mento, como ilus­tra­ção, num espaço de opi­nião. Rimava até, embora com tra­ços de cari­ca­tura, com parte do que se escre­veu no edi­to­rial dessa data. Como foto­gra­fia que é, teria tam­bém lugar — desde que legen­dada e con­tex­tu­a­li­zada —numa página infor­ma­tiva. Na pri­meira página, porém, sem o apoio de qual­quer expli­ca­ção ou enqua­dra­mento, e inde­pen­den­te­mente das inten­ções, julgo que fun­ci­o­nou prin­ci­pal­mente como uma decla­ra­ção edi­to­rial. Sem palavras.

Não tendo obtido em tempo útil qual­quer escla­re­ci­mento ou comen­tá­rio da direc­ção edi­to­rial a este res­peito, e espe­rando que ele possa ainda vir a ser pres­tado, mani­festo a minha per­ple­xi­dade por uma esco­lha que me parece esba­ter, sem van­ta­gem para a sal­va­guarda de uma per­cep­ção ade­quada da ima­gem doPÚBLICO, a dis­tin­ção entre o que é do domí­nio da infor­ma­ção e da inter­pre­ta­ção jor­na­lís­tica, por um lado, e da pura opi­nião, por outro.

Ainda a falsa 'ten­ta­tiva de agres­são' a Miguel Relvas

Na minha cró­nica ante­rior, cri­ti­quei a publi­ca­ção apres­sada na edi­ção online do PÚBLICO, na noite do pas­sado dia 6, de uma notí­cia que se veri­fi­cou não ser ver­da­deira, e que por isso foi cor­ri­gida no dia seguinte. Afirmava-se, nesse texto entre­tanto reti­rado do site do jor­nal, que 'um jor­na­lista' (pos­te­ri­or­mente iden­ti­fi­cado como sendo o ex-redactor do PÚBLICO Nuno Fer­reira) 'terá ten­tado agre­dir o minis­tro Miguel Rel­vas', na cidade da Horta, nos Açores.

Defendi nesse texto, mais uma vez, 'a neces­si­dade de serem repen­sa­dos os pro­ce­di­men­tos de vali­da­ção das notí­cias colo­ca­das na Inter­net'. Insisti na impor­tân­cia de se pro­cu­rar 'garan­tir o con­tra­di­tó­rio', 'veri­fi­car os fac­tos e bus­car a ver­dade', regras ele­men­ta­res do jor­na­lismo digno desse nome. A pro­pó­sito do facto de a pri­meira peça do PÚBLICO sobre o caso ter tido por ponto de par­tida uma notí­cia da edi­çãoonline do Expresso, cujo teor o edi­tor Luci­ano Alva­rez me expli­cou ter sido con­fir­mado 'na ínte­gra' pelo gabi­nete do minis­tro, ques­ti­o­nei ainda qual 'a cre­di­bi­li­dade isenta de dúvi­das' que deverá mere­cer a este jor­nal 'um gabi­nete gover­na­men­tal cuja rela­ção pecu­liar com a ver­dade já pôde experimentar'.

Esta obser­va­ção foi con­si­de­rada 'grave' pelo gabi­nete do ministro-adjunto e dos Assun­tos Par­la­men­ta­res, numa carta que me diri­giu e em que sugere que eu esta­ria a reco­men­dar aos jor­na­lis­tas do PÚBLICO que dei­xas­sem de con­tac­tar esse gabi­nete, ou de ouvir a sua ver­são sobre acon­te­ci­men­tos que envol­vam Miguel Relvas.

Na impos­si­bi­li­dade de o trans­cre­ver aqui inte­gral­mente, esse docu­mento, que os lei­to­res inte­res­sa­dos têm direito a conhe­cer, poderá ser con­sul­tado no blo­gue do pro­ve­dor do lei­tor, aces­sí­vel atra­vés da página de aber­tura da edi­ção online do PÚBLICO. Aí encon­tra­rão tam­bém a minha res­posta, em que refuto afir­ma­ções e suges­tões cons­tan­tes dessa carta. Nela rea­firmo, tam­bém, como já aqui escrevi a pro­pó­sito de outro epi­só­dio lamen­tá­vel, que não julgo que o ministro-adjunto e dos Assun­tos Par­la­men­ta­res e o seu gabi­nete devam ser vis­tos como exem­plos de fia­bi­li­dade, cre­di­bi­li­dade e transparência.

Apro­veito para fazer uma rec­ti­fi­ca­ção. Numa pas­sa­gem do texto sobre a 'his­tó­ria inven­tada' da 'agres­são' a Rel­vas na Horta, escrevi que o jor­na­lista Tolen­tino de Nóbrega, a quem fora pedida cola­bo­ra­ção para escla­re­cer o que ali se pas­sara, 'se encon­trava nos Aço­res', o que não cor­res­ponde à ver­dade e terá resul­tado de mau enten­di­mento do que me foi dito, por via tele­fó­nica, por um res­pon­sá­vel edi­to­rial doPÚBLICO. O jor­na­lista encontrava-se na Madeira e, segundo me foi pos­te­ri­or­mente expli­cado, essa cola­bo­ra­ção foi-lhe pedida, de facto, por ser quem habi­tu­al­mente noti­cia as ques­tões rela­ci­o­na­das com os Aço­res e estar a acom­pa­nhar, nesse dia, atra­vés da tele­vi­são, a ceri­mó­nia da tomada de posse do novo governo regi­o­nal, na qual Miguel Rel­vas esteve pre­sente. Pelo erro, as minhas des­cul­pas a Tolen­tino de Nóbrega, ao PÚBLICO e aos leitores.”