“Imagino que uma parte dos leitores do PÚBLICO possa olhar para Pedro Passos Coelho e Paulo Portas como marionetas de Angela Merkel. Estou certo de que outros considerarão essa visão desadequada, caricatural e, em alguns casos, ofensiva. E que outros, ainda, não terão opinião definida ou julgarão que não faz sentido formular nesses termos uma posição crítica à política seguida pelos actuais governantes portugueses. Todos terão visto, porém, essa perspectiva representada com destaque na capa doPÚBLICO da passada segunda-feira: a metade superior da primeira página era ocupada por uma imagem em que os líderes do PSD e do CDS são figurados como títeres manipulados pela chanceler alemã com os cordéis de um qualquer teatro de bonifrates.
Sem qualquer legenda ou explicação, encimando uma manchete relacionada com a rápida passagem de Angela Merkel por Lisboa nessa data, a imagem pode ser à primeira vista confundida com uma ilustração ou cartoon da responsabilidade editorial do PÚBLICO, e assim interpretada como uma declaração de que o jornal considera os actuais governantes meros fantoches de um poder estrangeiro.
Olhando com mais atenção, percebe-se que se trata de uma fotografia (de um cartaz?), mas a ausência de informação que a identifique e enquadre continua a permitir a leitura de que o PÚBLICO quis simplesmente dizer aos seus leitores, pela imagem e não pela palavra, que Passos e Portas são marionetas sem ideias próprias.
Por primária que possa ser, essa seria uma declaração (política) tão legítima como qualquer outra, e nada deve impedir um jornal de afirmar, se o entender e se for o caso, as suas próprias posições e escolhas políticas e ideológicas. Julgo até que seria útil que essas vozes existissem com transparência na imprensa portuguesa, a bem do debate público.
Sucede, porém, que não é esse o contrato do PÚBLICO com os seus leitores. Ao reclamar para si próprio, como sempre reclamou, uma distinção clara entre informação e opinião, reservando para esta 'espaços claramente demarcados', como se lê no seu Livro de Estilo, este jornal assumiu-se como um projecto independente de grande informação. Não o fez por acaso, mas para servir um universo de leitores que quer formar a sua própria opinião a partir de uma informação independente, rigorosa e fiável.
É verdade que a opinião, tal como a análise e a interpretação, é igualmente indispensável num projecto editorial como este, como é verdade que não há fronteiras absolutas entre essas categorias e a própria informação. Ainda assim, o estilo e a identidade do jornal exigem a mais clara demarcação possível, para que não seja posto em causa o seu valor mais precioso, que é a confiança dos que o lêem. Ajudará a compreender isto recordar que, mesmo em períodos em que o peso da opinião editorial do PÚBLICO sobre temas fundamentais da actualidade se revelou altamente divisivo para o corpo dos seus leitores, foram sempre salvaguardados, no essencial, os valores do rigor e da isenção informativa.
Neste quadro, a imagem que dominava a capa da edição do passado dia 12 teria todo o cabimento, como ilustração, num espaço de opinião. Rimava até, embora com traços de caricatura, com parte do que se escreveu no editorial dessa data. Como fotografia que é, teria também lugar — desde que legendada e contextualizada —numa página informativa. Na primeira página, porém, sem o apoio de qualquer explicação ou enquadramento, e independentemente das intenções, julgo que funcionou principalmente como uma declaração editorial. Sem palavras.
Não tendo obtido em tempo útil qualquer esclarecimento ou comentário da direcção editorial a este respeito, e esperando que ele possa ainda vir a ser prestado, manifesto a minha perplexidade por uma escolha que me parece esbater, sem vantagem para a salvaguarda de uma percepção adequada da imagem doPÚBLICO, a distinção entre o que é do domínio da informação e da interpretação jornalística, por um lado, e da pura opinião, por outro.
Ainda a falsa 'tentativa de agressão' a Miguel Relvas
Na minha crónica anterior, critiquei a publicação apressada na edição online do PÚBLICO, na noite do passado dia 6, de uma notícia que se verificou não ser verdadeira, e que por isso foi corrigida no dia seguinte. Afirmava-se, nesse texto entretanto retirado do site do jornal, que 'um jornalista' (posteriormente identificado como sendo o ex-redactor do PÚBLICO Nuno Ferreira) 'terá tentado agredir o ministro Miguel Relvas', na cidade da Horta, nos Açores.
Defendi nesse texto, mais uma vez, 'a necessidade de serem repensados os procedimentos de validação das notícias colocadas na Internet'. Insisti na importância de se procurar 'garantir o contraditório', 'verificar os factos e buscar a verdade', regras elementares do jornalismo digno desse nome. A propósito do facto de a primeira peça do PÚBLICO sobre o caso ter tido por ponto de partida uma notícia da ediçãoonline do Expresso, cujo teor o editor Luciano Alvarez me explicou ter sido confirmado 'na íntegra' pelo gabinete do ministro, questionei ainda qual 'a credibilidade isenta de dúvidas' que deverá merecer a este jornal 'um gabinete governamental cuja relação peculiar com a verdade já pôde experimentar'.
Esta observação foi considerada 'grave' pelo gabinete do ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, numa carta que me dirigiu e em que sugere que eu estaria a recomendar aos jornalistas do PÚBLICO que deixassem de contactar esse gabinete, ou de ouvir a sua versão sobre acontecimentos que envolvam Miguel Relvas.
Na impossibilidade de o transcrever aqui integralmente, esse documento, que os leitores interessados têm direito a conhecer, poderá ser consultado no blogue do provedor do leitor, acessível através da página de abertura da edição online do PÚBLICO. Aí encontrarão também a minha resposta, em que refuto afirmações e sugestões constantes dessa carta. Nela reafirmo, também, como já aqui escrevi a propósito de outro episódio lamentável, que não julgo que o ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares e o seu gabinete devam ser vistos como exemplos de fiabilidade, credibilidade e transparência.
Aproveito para fazer uma rectificação. Numa passagem do texto sobre a 'história inventada' da 'agressão' a Relvas na Horta, escrevi que o jornalista Tolentino de Nóbrega, a quem fora pedida colaboração para esclarecer o que ali se passara, 'se encontrava nos Açores', o que não corresponde à verdade e terá resultado de mau entendimento do que me foi dito, por via telefónica, por um responsável editorial doPÚBLICO. O jornalista encontrava-se na Madeira e, segundo me foi posteriormente explicado, essa colaboração foi-lhe pedida, de facto, por ser quem habitualmente noticia as questões relacionadas com os Açores e estar a acompanhar, nesse dia, através da televisão, a cerimónia da tomada de posse do novo governo regional, na qual Miguel Relvas esteve presente. Pelo erro, as minhas desculpas a Tolentino de Nóbrega, ao PÚBLICO e aos leitores.”