É um fato reconhecido que a agenda da grande mídia nacional é marcada pelas pautas ditadas pelas agências de notícias internacionais, ignorando qualquer tipo de notícia ou evento que aconteça nas proximidades, mas está chegado ao ponto no qual desconsidera (ou ignora) os eventos, notícias ou fatos internacionais nos quais o Brasil é ator de destaque. Se as agências internacionais desconsideram o Brasil, a mídia nacional acompanha.
Entre 31 de outubro e 3 de novembro, aconteceu o II Simpósio Global em Pesquisa dos Sistema de Saúde em Pequim, China, organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo a primeira sessão plenária sob o tema “Lições dos Brics” (sigla que identifica Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Infelizmente, a cobertura deste evento, segundo a nossa procura utilizando o Google, foi nula ou quase nula, destacando-se, como uma exceção, a notícia veiculada pelo portal de notícias R7, do grupo Record, o qual, da mesma forma que outros portais, limitou-se a copiar o texto produzido pela agência EFE, com a sua sede central na Espanha.
Dito material é um resumo extremo, no qual se transmitem em forma “tweeteriana” as declarações oficialistas dos representantes dos Brics: a moderadora do painel Anne Mills, professora da Escola de Higiene e de Medicina Tropical de Londres; o professor Wang Longde, da Universidade de Zhejiang, China; Matsoso Precious, diretora-geral de saúde da África do Sul; o presidente da Fundação de Saúde Pública de Índia, Reddy Srinath e Danishevskiy Kirill, do Instituto de Altos Estudos de Economia da Rússia.
Diagnóstico distante
Nenhum tweet das associações médicas ou de pacientes (não consideramos correto que os usuários do sistema de saúde, público ou privado, sejam denominados “consumidores”) foi considerado. Convém enfatizar que não achamos, de parte da mídia diária massiva nacional, nenhuma análise crítica sobre as mensagens divulgadas no referido simpósio. Porém, grata foi a nossa surpresa na leitura da entrevista publicada por Ciência Hoje On-line em 12/11/2012, e assinada por Sofia Moutinho.
A entrevista não se limita a mostrar os “grandes números” do sistema de saúde público brasileiro, mas também questiona, oportunamente, os dados divulgados pelo representante do Ministério da Saúde, Jailson Correa. O título já mostra uma postura crítica sobre o tema: “SUS para chinês ver”.O mesmo acontece com o subtítulo: “Brasil apresenta seu sistema de saúde de forma positiva e otimista em evento internacional sobre o tema. CH On-line conversa com representante do Ministério da Saúde sobre as falhas do sistema”.
Através das perguntas, Sofia Moutinho deixa claramente expostas as deficiências do sistema de saúde, já que o funcionário simplesmente repete dados quantitativos aparentemente positivos, demonstrando, em várias oportunidades, um diagnóstico sobre SUS muito distante do qual foi apresentado na China.
A pergunta que faltou
O que mais chama a nossa atenção no tratamento desta notícia não é o fato de uma entrevista crítica ser publicada por um jornal amplamente conhecido pela sua qualidade na divulgação científica, mas que esse mesmo material seja desconsiderado pela grande mídia nacional. O tratamento da mídia dado aos problemas do sistema sanitário brasileiro limita-se a mostrar elementos puramente factuais: “Bebê nasce na porta de hospital por falta de leito”; “UTIs lotadas em (você pode escolher a sua cidade)”; “Planos de saúde colapsados”, “Ambulâncias do Samu desativadas em…” e assim por diante. Análise? Nenhuma. Na maioria dessas matérias, os meios de comunicação deixam a ideia de termos muitos problemas porque somos um país grande.
Na entrevista, Sofia Moutinho tenta trazer para o leitor um momento de reflexão sobre a contradição do discurso “oficial”, que nos mostra as maravilhas do SUS, e a realidade que, infelizmente, os cidadãos e cidadãs deste país conhecemos.
Moutinho só esqueceu de fazer uma última pergunta: “Jailson Correa, de acordo com os dados oficiais, o SUS é um sistema extraordinário. Quando foi a última vez que o senhor, ou sua família, procurou atendimento nas unidades deste sistema?”
Creio que podemos imaginar a resposta.
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[Lisandro Diego Giraldez Álvarez é químico, doutor em Fisiologia pela Universidad de Buenos Aires, Argentina, pós-doutor em Neurociência pela Universidad Complutense de Madrid, Espanha e Universidade Federal da Bahia e diretor da Agenciencia – Comunicación Científica]