Essa história – ou crime, como garante a promotoria – do ex-goleiro Bruno tem tudo o que a mídia sensacionalista gosta. Uma jovem bonita, um atleta famoso, um filho ilegítimo, prisões (dele e dos comparsas), testemunhas mortas e, até hoje, um corpo que a polícia não conseguiu localizar. O de Eliza Samudio.
Só faltava uma coisa: transformar a vítima em culpada. E, se a estratégia da defesa funcionar, isso vai acabar acontecendo. Não será a primeira vez que a defesa de matadores de mulheres apela para esse recurso.
Tudo começou nos anos 1970, quando Doca Street matou a socialite Angela Diniz. Segundo a defesa, Doca Street matou Angela por ter sido traído e precisava “defender a honra” . Saiu livre do primeiro julgamento, mas houve recurso e ele acabou condenado e cumprindo pena.
O julgamento de Doca Street marcou época e abriu um precedente. Toda vez que um marido ou namorado matava a ex, os advogados apelavam para a defesa da honra, ou seja, culpavam a vítima. Quando não dava para acusar a mulher de traição, a defesa pelo menos fazia o possível para destruir a imagem da vítima, por seu comportamento sexual ou até mesmo pelo comportamento profissional, como no triste caso da jornalista Sandra Gomide, morta pelo colega Pimenta Neves.
Apenas uma estudante
As diferenças do caso do goleiro Bruno: o corpo não foi encontrado e o acusado não admite o crime. Não dá, portanto, para falar em “defesa da honra”. Mas dá para transformar a vítima em bandida que, segundo a defesa, estaria bem viva, vivendo no Leste europeu e fazendo filmes pornôs: recurso que está sendo usado explorando a irresponsabilidade das redes sociais, onde a história dá um enorme ibope. Como nas redes sociais vale tudo, inclusive mostrar uma mulher nua de costas, dizendo que se trata da vítima, deve ter muita gente achando que Eliza está mesmo viva, escondendo-se por pura vingança.
As redes sociais podem não ter influência na grande imprensa, mas fazem um grande estrago na opinião pública.
No começo dessa história, Eliza Samúdio era apenas uma estudante, como retratou o jornal O Estado de S.Paulo (27/6/2010):
“A estudanteEliza Samudio, de 25 anos, já havia registrado o goleiro Bruno Fernandes por ameaças, no dia 14 de outubro de 2009. O caso chegou a ser encaminhado para a 1ª Vara de Família da Justiça do Rio, mas não teve prosseguimento porque Eliza não compareceu às audiências. Dois meses antes, ela havia procurado a imprensa para informar que estava grávida de três meses do atleta. Em depoimento na Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá, zona oeste do Rio, Eliza disse em outubro que Bruno havia a procurado na véspera, por volta das 2h, para conversar. Ela aceitou entrar no carro do goleiro, que estava acompanhado de três amigos de Contagem.”
Um mês depois, Eliza aparecia num retrato mais completo, publicado pela Folha de S.Paulo ( 12/07/2010):
“Aos 12 anos, a garota Eliza Samudio deu os primeiros passos rumo a dois grandes sonhos. Tornou-se goleira de futsal da escola onde estudava, em Foz do Iguaçu (PR), e iniciou um curso de modelo. Foi nessa época que revelou ao pai, Luís Carlos Samudio, suas duas principais metas: 1) tornar-se uma top modelo 2) conhecer os jogadores do São Paulo, time para o qual torcia. ‘Ela queria brilhar nas passarelas’, diz ele. Sem conseguir aliar as paixões, aceitou atuar em dois filmes pornôs. Por conta de seu trabalho como recepcionista, Eliza viajava com frequência. Foi para Portugal – onde disse ter trocado beijos com o atacante português Cristiano Ronaldo – e para o Rio, onde morou por um período.”
Histórias delirantes
Dois anos depois do seu desaparecimento, todo mundo tem uma imagem feita sobre a jovem que deixou um filho – disputado pelos avós – e se tornou parte de uma das histórias mais sórdidas de um julgamento no Brasil. Em matéria de preconceito, foi um prato cheio para a mídia: uma mulher de comportamento sexual condenável, um atleta famoso e um suposto homossexual enciumado.
Do que interessa mesmo pouco se fala: uma pessoa foi morta, o corpo não foi encontrado e os advogados ficam inventando histórias mirabolantes para tentar livrar seu cliente. Mas isso, com toda certeza, não é suficiente para vender mais jornais ou mais revistas. Ou para aumentar o ibope dos noticiários de televisão. Bons tempos em que isso era coisa da imprensa marrom.
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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]