Dos vários equívocos cometidos por quem pretende tratar do tema comunicação pública, um em especial me chamou a atenção. De autoria da senadora Kátia Abreu (também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil), o artigo “Obsessão por censura” foi publicado na edição de sábado (10/11) do jornal A Tribuna (ES). Já no início do texto, a senadora afirma que “nada conspira mais contra a democracia que a relativização de seus valores – entre eles (e sobretudo), a liberdade de imprensa”. E afirma que, no Brasil, “o controle social da mídia é uma proposta obsessiva do PT”.
Ouso dizer que atentado à liberdade e à democracia é ter uma cadeira no Senado Federal ocupada por alguém que demonstra, com suas afirmações, desconhecer o que diz a Constituição sobre a comunicação pública, a regulação da mídia e a radiodifusão. Kátia Abreu parece convencida de que “o único controle democrático sobre a mídia é o que está previsto no Código Penal”. Seria uma forma de dizer que os preceitos constitucionais não servem de nada? Incoerente ainda me pareceu a tentativa de reduzir os crimes da mídia a apenas três – injúria, calúnia e difamação.
Kátia Abreu demonstra, ao afirmar que o monopólio das TVs no Brasil e em outros países da América Latina “é uma lenda”, não conhecer minimamente como é regido o sistema de radiodifusão em países de tradição democrática, como Alemanha, França, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, para citar apenas alguns. Talvez, a senadora não os considere democráticos.
Manifestantes e baderneiros
Um estudo da Unesco, publicado em fevereiro de 2011 (disponível aqui), aborda o ambiente regulatório da radiodifusão a partir da análise de como ela ocorre em 10 países democráticos: África do Sul, Alemanha, Canadá, Chile, França, Estados Unidos, Jamaica, Malásia, Reino Unido e Tailândia. O relatório, organizado em sete linhas temáticas, aborda, entre outros temas, autoridades reguladoras independentes, licenciamento (outorga de concessões), regulação de conteúdo, obrigações positivas de conteúdo, emissoras públicas e emissoras comunitárias.
Em todos os países alvo do estudo da Unesco há um denominador comum: a existência de um órgão regulador para a radiodifusão e a não aceitação dos monopólios de grupos empresariais. Além disso, cumprem-se preceitos constitucionais que dizem respeito à diversidade, à prioridade cultural, à regionalização e ao controle social da programação. Liberdade de imprensa naqueles países não rima com monopólio de empresas, com supressão de regionalismos e com retransmissão de canais em nível nacional.
Engana-se a senadora quando diz que na Argentina, na Venezuela e no Chile a regulação é uma “triste realidade”. Pareceu-me importante compreender a lógica da senadora, pois acho pouco provável que ela considere da mesma forma a regulação que ocorre em países europeus ou nos Estados Unidos. A lógica deve ser a mesma usada pela imprensa ao qualificar estudantes gregos como manifestantes e os brasileiros – que ousam fazer uma passeata contra o aumento das passagens, por exemplo – como baderneiros.
Liberdade e direitos fundamentais
Os países da América Latina que lutam por democratizar o acesso aos meios e garantir pluralidade para os conteúdos, bem como sua regulação, não seguem uma receita de gente ignorante, de petistas obsessivos – como qualifica a senadora em seu artigo – ou de quem quer cercear a liberdade de expressão e atentar contra a democracia. Quem luta pela democratização dos meios, inspira-se em modelos democráticos, nos quais concessões de rádio e televisão não são convertidas em moeda de troca. A inspiração vem de uma tradição que considera normal concessões serem renovadas a cada quatro ou cinco anos, e não a cada 15, de forma automática, como ocorre no Brasil.
Quanto ao monopólio dos grandes grupos, a senadora poderia tentar responder ou informar aos milhares de brasileiros que assistem de Norte a Sul deste país à programação nacional da Rede Globo quantas concessões aquela empresa de comunicação possui. Nos Estados Unidos, cada grupo de televisão pode cobrir no máximo 35% do total de domicílios do país. Se a senadora e seus colegas congressistas fizerem uma conta simples irão perceber que se a “obsessão do PT” vingar, a Rede Globo terá de reduzir drasticamente sua participação em empresas. Só as cinco emissoras conhecidas como cabeça-de-rede – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Belo Horizonte – cobrem 27,7%.
Quando se fala em regulação não se trata de cercear o acesso ou a produção de informação; trata-se de regular um recurso público finito, o espectro eletromagnético. Ao contrário dos que pregam que a “regulação da mídia” é uma obsessão do PT, essas medidas, presentes em países democráticos e com tradição de liberdade, visam justamente à proteção da liberdade e dos direitos fundamentais. Acreditar no contrário, soa como uma obsessão pela ignorância.
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[Marcilene Forechi é jornalista e professora da Universidade Vila Velha (ES)]