Ele começou sua carreira jornalística cobrindo futebol. Não, não era um especialista em táticas, nem um frio observador do jogo – ao contrário, passional como poucos, festejou um gol do seu Palmeiras na tribuna da imprensa e por pouco não apanhou da torcida adversária (chegou à conclusão de que futebol não era com ele e mudou de setor). Passou para a cobertura da indústria automobilística. Não, não se interessou por bielas e correias dentadas: continuou entendendo de automóvel aquilo que todos os que têm carro entendem. Ampliou seu foco para a economia. Fez um sucesso estrondoso, sem nunca tentar entender de economia mais do que os especialistas: seu grande trabalho foi traduzir para os consumidores de informação, pelos jornais, rádio, tevê, aquilo que os economistas pensavam do assunto. Joelmir Beting fez sucesso por exercer a profissão de jornalista.
Acrescente-se a isso o talento, claro: Joelmir percebeu que, para o grande público não especializado, nem especialmente interessado em economia, não bastava traduzir o economês para o português. Seu texto privilegiado, seu talento para a criação de bordões, ajudou-o a divulgar o que acontecia no hermético mundo econômico. Quando a Daimler-Benz testou um Mercedes com motor a metano, gás extraído da decomposição de material orgânico, criou a frase “um carro de luxo movido a lixo”. Quando se iniciou o Proálcool, com a produção de motores movidos a álcool hidratado, foi dele o bordão “água no álcool em vez de álcool na gasolina”. Nem sempre o entendimento era de alta precisão, mas não há dúvida de que deixava o público mais bem informado sobre o tema. Chamaram-no de Chacrinha da economia e ele se divertiu com isso.
Joelmir tinha muito de italiano – levado pelo forte temperamento de sua esposa, a matriarca Lucila Zioni Beting. Um de seus filhos chamava-se Gianfranco, seu time era o Palmeiras, no casamento de seu filho Mauro a tarantella correu solta. Mas Joelmir descendia de austríacos. E seu rigor profissional nada tinha da informalidade atribuída popularmente aos italianos e seus descendentes: na TV, Joelmir era o primeiro a transmitir a “deixa” (última frase de seu comentário, para que o diretor soubesse a hora exata de focalizar outro apresentador) e o tempo preciso de seu comentário. Nos jornais, nunca se soube de coluna do Joelmir entregue depois do horário – isso simplesmente não existia.
Este colunista trabalhou alguns anos com Joelmir, embora nunca tivesse realizado seu objetivo de ficar a seu lado no rádio. Normalmente, Joelmir era o astro, embora nunca se comportasse como astro. Era gentil, brincalhão, sempre de bom humor. Num meio como o jornalístico, onde inventam defeitos se não os encontram, foi uma das raríssimas pessoas a alcançar sucesso sem provocar inveja e a circular por diversos empregos sem criar um só inimigo.
Adeus, Joelmir. E, cético embora (por exemplo, só festejei a queda do Palmeiras para a segunda divisão depois que não havia possibilidade matemática de virada), tenho uma certeza: como no caso de Irene, a personagem do poema de Manuel Bandeira, Joelmir entrou no céu sem precisar pedir licença.
O ódio e o preço do ódio
Um grande portal noticioso, ligado a uma rede de TV, foi condenado a pagar R$ 50 mil de indenização ao jornalista William Waack, da Rede Globo. Motivo: transcreveu a falsa informação segundo a qual Waack era informante do governo americano e da CIA, serviço secreto dos Estados Unidos. De onde surgiu a besteira? Waack, como qualquer jornalista de alto nível, mantém encontros com diplomatas, para conversar sobre as relações de seus países com o Brasil e trocar ideias sobre questões internacionais. Foi então acusado por um pequeno blog de ser espião. O grande portal copiou a notícia do pequeno blog. Ridículos, os dois: Waack é jornalista sério, de reputação estabelecida, respeitado pelos colegas e pelo público. Os dois acusadores foram processados. O pequeno blog se retratou, admitiu que a notícia era mentirosa e fez um acordo que incluiu a publicação de um desmentido. O grande portal, mesmo sabendo que a acusação era falsa, resolveu bancá-la, tentando afetar a Globo e desmoralizar o jornalista concorrente. Foi então condenado a pagar a indenização por danos morais.
Muitas vezes, o jogo é combinado: a notícia falsa sai num veículo sem importância, sem repercussão, para ser reproduzida num meio de grande visibilidade, que depois se defenderá dizendo que apenas acreditou no que já estava publicado. Com a decisão da Justiça, no caso de William Waack, esse tipo de jogada fica mais arriscado.
Alô, imprensa!
Em 15 de novembro, foi apreendido com um grupo de narcotraficantes uma lista de computador contendo mais de 500 nomes, minuciosamente investigados, com endereço residencial, comercial, telefones, celulares. Os escolhidos pelos bandidos são famílias libanesas e chinesas, ou seus descendentes, A área coberta envolve o Vale do Paraíba, onde há cidades de porte como São José dos Campos e Taubaté; o Litoral Norte, onde ficam Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião, e praias utilizadas por pessoas de posses; Alto Tietê, onde está Mogi das Cruzes. Um da lista já foi assassinado; dois outros foram assaltados, sendo que um deles, durante o assalto, sofreu espancamento e torturas. Há inquérito policial, tudo. E nada é secreto.
Alguém poderia explicar a este colunista por que a imprensa ainda não noticiou o fato? Será que, se souberem que Pindamonhangaba, cidade natal do governador Geraldo Alckmin, que lá iniciou sua carreira política, divulgarão algo?
Um amigo a menos
Célio Franco oscilou por toda a sua vida profissional entre duas vertentes: o jornalismo e a publicidade. Fez sucesso em ambas: comandou uma grande e vitoriosa reformulação no Diário do Grande ABC, no início da década de 1990, foi colaborador de Playboy, repórter de O Estado de S.Paulo, fez sucesso como assessor de imprensa de empresas e campanhas eleitorais. Foi diretor de marketing e publicidade do Diário de Guarulhos, criou a revista Circuito ABC, criou o caderno Circuito Guarulhos. Inflexível, como jornalista criou inimigos em todas as vertentes políticas; mas, no trato pessoal, era simpaticíssimo, amigo dos amigos.
Morreu cedo, no dia 22, aos 55 anos, no auge de uma crise de depressão.
Já faz falta.
Dúvidas pertinentes
Aguda observadora da situação, leitora assídua desta coluna, de cultura muito acima da média, Sílvia Jafet faz algumas perguntas que pedem resposta (e o colunista, infelizmente, não pode responder, porque esta é uma coluna de família e não de famiglia):
“Há um projeto que torna crime o enriquecimento ilícito de políticos. Ora, ilícito já não é um dos sinônimos de crime? E só agora vira crime?
“Outra: governo pensa em impedir novos contratos com a Delta.
“Pensa?”
O grande Vampeta
Um dos gatos deste colunista atende (ou não atende, depende de sua disposição) pelo nome de Vampeta. É um nome perfeito: basta dizê-lo e todos sabem que se trata de um gato preto, esperto, moleque, inteligente, ágil, sem-vergonha, pronto a desfrutar as boas coisas da vida.
Pois o padrinho do gato Vampeta estará, dentro de poucos dias, exposto ao público. Personagem interessantíssimo, este Marcos André Batista Santos, o craque Vampeta: foi campeão do mundo em 2002, tomou todas na volta da Seleção ao Brasil, subiu a rampa do Palácio do Planalto, para ser recebido pelo presidente Fernando Henrique, virando cambalhotas. Cansou de ser campeão pelo Corinthians, apelidou os adversários são-paulinos de “bambis”, disse que como o Flamengo “fingia que pagava”, ele fingia que jogava. Posou nu para o G-Magazine, revista dirigida ao público gay (e fez tanto sucesso na foto, enfiado nas redes, como fazia nos campos). Não permitiu que o único cinema de sua cidade natal, Nazaré das Farinhas (BA), fosse fechado: fez questão de comprá-lo para que continuasse aberto.
O livro Memórias do Velho Vamp, do jornalista Celso Unzelte, será lançado na sexta-feira (7/12), a partir das 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP. “Poderia ter saído antes”, diz o autor Unzelte, um dos grandes conhecedores da história e das histórias do futebol. “Mas eu, enquanto tentava transcrever alguns dos depoimentos dele, não conseguia parar de rir.”
Vampeta começou a carreira no Vitória, de Salvador, passou pelo PSV Eindhoven da Holanda (onde jogou com Ronaldo Fenômeno), Fluminense, Paris St. Germain, Corinthians, Flamengo. No Corinthians se consagrou como ídolo da torcida e torcedor, que comparece assiduamente aos jogos do time.
Memórias do Velho Vamp, diz a editora, “é uma homenagem à molecagem, palavra que melhor descreve quem é o Vampeta, aquele grandalhão irreverente amado por todas as torcidas do país, que marcou sua história no futebol brasileiro sempre com um grande sorriso no rosto”.
O grande Tom
Outro livro de primeira sai agora, dia 4, a partir das 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP: Histórias de canções de Tom Jobim, de Wagner Homem e Luiz Roberto Oliveira. Com brinde: show com as músicas de Tom. E trailer: trechos do show podem ser vistos aqui: http://www.youtube.com/historiasdecancoes
Confissões jornalísticas
Fazer bobagens todo mundo faz – é da regra do jogo. Contar as bobagens, tudo bem: é divertido, também é da regra do jogo. Mas contar as bobagens orgulhando-se delas é coisa nova.
Uma das maiores rádios do país apresenta uma série de vinhetas divulgando o trabalho de seus jornalistas. Uma delas informa que a correspondente em Nova York estava tomando café da manhã e vendo TV, sem som, naquele famoso 11 de setembro em que houve o atentado contra as Torres Gêmeas. Suas palavras: “Vi o avião bater na torre. Continuei tomando café. Quando o segundo avião bateu aumentei o volume. Saí para a rua e consegui um táxi – coisa muuuuito difícil em Nova York. Trabalhei nem sei quanto, 18, 20 horas seguidas”.
Eles se orgulham disso! Ainda bem que eram duas torres. Se fosse uma só, provavelmente a empresa ficaria sem reportagem. Quem manda esses terroristas cometerem atentados bem na hora do breakfast?
Como…
De um grande jornal impresso:
** “(…) os times não estão apenas classificados como também já sabem que ficarão em nas posições atuais independente dos próximos resultados (…)”
Isso é que é firmeza: não só ficam em posições como também nas referidas.
…é…
De um grande jornal impresso:
** “Suzuki SX4 subiu de R$ 69.980 para R$ 65.990”
Deve ser aquilo que os economistas chamam de crescimento negativo. Mas, na revenda, não tem conversa mole, não: o preço que subiu para baixo volta a reduzir-se para cima. Ou, em bom português, pague e não bufe.
…mesmo?
Do portal noticioso de um grande jornal:
** “Henrique é operado e não só volta ao Santos em 2013”
O que significa que um dia ele volta, sabe-se lá se neste ano ou no próximo.
A não notícia
Os meios de comunicação estão a cada dia mais requintados na questão do TCR – traduzindo a sigla, em evitar a responsabilidade pelas notícias. Aquela história do sujeito que aparece morto com 18 punhaladas nas costas e foi supostamente assassinado. A de agora é ainda melhor:
** “Justiça manda transferir susposto líder de quadrilha após fraudes”
Já não assumem nem o suposto: até mudam a palavra para ficar mais longe da informação.
E eu com isso?
Escândalo, hoje, parece aquela bonequinha russa, a matriochka: você abre um, aparece outro, e dentro tem outro ainda. A diferença é que, na matriochka, cada bonequinha é menor que a anterior. No escandalochka, cada escândalo que aparece é maior que o de antes, forte, saudável e bem nutrido. Escapemos, então: vamos para a única área da imprensa que ainda não se transformou em reportagem policial. Frufru!
** “Mariah Carey grava cerimônia de Natal com decotão”
** “Rotina de Miss Bumbum é puxada, diz candidata”
** “Melissa Joan Hart diz que detesta estar grávida”
** “Soltinha em festa, Claudia Alencar mostra os seios e beija lutadora de MMA”
** “Grávida? Paris Hilton aparece com barriguinha”
** “Foto! Carlinhos Brown ganha bolo surpresa de aniversário”
** “Justin Bieber revela que foi difícil ler a biografia de sua mãe”
** “Ticiane Pinheiro fica morena e vira apresentadora da Record”
** “McConaughey sente dor muscular”
** “De barriga da fora, Adriana Esteves caminha pela orla da praia no Rio”
** “Leonardo DiCaprio quer investir em obras de arte”
** “De minishort, Paloma Bernardi estuda falas de Salve Jorge no aeroporto”
** “Owen Wilson descansa em sacada de hotel no Rio de Janeiro”
** “Em banheiro, Sabrina Sato aparece com toalha amarrada na cabeça”
** “Luciano Camargo e Flávia levam as filhas ao circo em São Paulo”
O grande título
Há semanas em que surgem títulos mais caprichados. Por exemplo, com certeza há gente assistindo a muitas entrevistas do técnico Tite e assumindo sua maneira de falar. Uma delícia!
** “Diretor da (…) aborda construtabilidade em evento inédito no Brasil”
Outro título vale por vários aspectos: o que se entende por preço popular, por exemplo. E saber que os veículos também cuidam da aparência das clientes.
** “Cabeleireiro de Dilma e Toyota lançam salão 'popular' com corte de cabelo a R$ 80”
Sim, Toyota – não o artista, não algum cavalheiro com esse nome, não alguma senhora assim chamada. É o braço de investimentos da fábrica de veículos. E, a propósito, embora este colunista devesse ter desconto no corte de cabelos, por falta de material, não o tem – e nunca chegou a pagar esse preço.
Mas, por falar em carro, veja que coisa magnífica:
** “Esportivo, Passat muda nome para CC e ganha ‘traje de gala’”
Traje de gala são aquelas modificações em que os cromados passam a ser pintados na cor do carro e aquilo que era pintado na cor do carro para a ser cromado. A curiosidade é o nome CC: desde os tempos do velho sabonete Lifebuoy, CC significava “cheiro de corpo”. E exigia um bom sabonete para removê-lo.
Há um título daqueles quase indecifráveis:
** “Negócio de investigado pela PF começa a sair do papel em ilha”
Vamos colaborar com o caro leitor: trata-se da Ilha de Cabras, caso levantado na Operação Porto Seguro da Polícia Federal.
Todos os títulos acima são bons. E há um melhor ainda:
** “Demitidos da Webjet ameaçam greve nas férias”
Como é uma greve de demitidos?
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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados]