Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Era da informação ou da afirmação?

Quando você busca notícias, o que o atrai: a opinião favorável ao seu ponto de vista ou aquela visão contrária? Se você é idealista da direita política, vai amar a revista Veja e odiar a CartaCapital? O inverso acontece se você é partidário da esquerda? Acaba sendo mais fácil (não é necessário pensar) elogiar o que você concorda sobre determinado escopo do que ouvir o outro lado da questão e ponderar/respeitar o pensamento oposto.

Esse dilema é fácil de resolver, pois ao invés do que comumente se propaga, vivemos na era da afirmação, e não da informação. Tempos em que se escorar naquilo que nos conforta e vai de encontro ao que acreditamos é mais válido do que basicamente nos informar.

Sim, existem pessoas que pensam diferente.

Nos Estados Unidos, o debate sobre postura contestadora do normal ferve após o renomado (e premiado) jornalista esportivo Bob Costas (rede NBC) ter cometido a “ousadia” de cruzar a linha da sua especialidade e fazer um comentário sociopolítico. Costas reacendeu a discussão acerca da cultura de armas entre os cidadãos americanos, mas para tanto usou um gancho esportivo.

Comentários raivosos

Em 1º de dezembro deste ano, num sábado, uma tragédia fez a NFL, liga profissional de futebol americano, balançar. Jovan Belcher, atleta do Kansas City Chiefs, assassinou sua namorada e, minutos depois, cometeu suicídio dentro das dependências do clube, em frente ao diretor e treinador. No dia seguinte, no horário mais nobre da NFL (transmissão de um único jogo no horário nobre em TV aberta-NBC), a emissora permite que no intervalo das partidas, dentro de 90 segundos, Costas comente sobre o que entender ser necessário. O crime ocorrido foi sua escolha e, mesmo em pouco tempo, conseguiu deixar explícita sua opinião ao citar trecho de uma coluna escrita por Jason Whitlock (Fox Sports), ex-jogador de futebol americano. Eis o trecho lido no ar:

“Nossa atual cultura de armas”, Whitlock escreveu, “garante que mais e mais brigas domésticas acabem em tragédia. Armas não aumentam nossa segurança. Elas exacerbam nossas falhas. Tentando-nos para que argumentos sejam combatidos e nos incentiva ao confronto ao invés de evitá-lo. Nos próximos dias as ações de Jovan Belcher serão analisadas, quem sabe? Mas aqui”, Whitlock escreveu, “está o que eu acredito: se Belcher não possuísse uma arma, ele e Kassandra Perkins (sua namorada) estariam vivos hoje.”

Rapidamente, na onda imediatista da internet, surgiram comentários raivosos contra Bob Costas, que se estenderam durante toda a semana. Muitos diziam que ele era antiamericano por ser contrário ao uso de armas, já que a Constituição dos Estados Unidos permite que os cidadãos do país usem armas (baseado na chamada Segunda Emenda da Constituição de 1776).

É importante respeitar o outro

Costas não se pronunciou na segunda (3/12), entretanto sabiamente, após refrescar o assunto, na terça (4) escolheu um dos programas esportivos mais populares no rádio dos EUA, o Dan Patrick Show (da NBC Sports), para explicar mais detalhadamente o que foi dito naqueles 90 segundos no domingo à noite. Costas admitiu que não foi o melhor espaço para opinar sobre um tema tão complexo, mas não mudou sua opinião entregue aos telespectadores via texto de outro autor.

Na quarta (5/12) foi a vez de aparecer na televisão no programa do ultraconservador Bill O’Reilly (na Fox News), que explicitamente é a favor do porte legal de armas. Costas se comportou bem e deixou claro que não é contra o direito constituído “pelos pais fundadores” (como gostam de dizer lá na Fox News), porém enfatizou que é preciso fazer algo para rever a cultura de armas que os EUA têm. Ambos os posicionamentos de Costas, em larga medida, foram válidos visto que conseguiu explicar os motivos para o comentário feito e reforçar sua opinião. O detalhe é que esta não foi tratada com respeito justamente por quem tem visão contrária. Os que são a favor do porte de armas chegaram a pedir que a NBC demitisse Costas…

Há essa dificuldade em ouvir o que outros acham sobre aquilo que defendemos com tanta paixão e fervor. Não que o morno seja o ideal; pelo contrário. É bom que existam posições fortes e corroboradas por argumentos sólidos. Entretanto é importante respeitar o que o outro entende ser o correto. É fundamental receber a informação mais completa, e não apenas consumir a afirmação daquilo que se acredita.

***

[João da Paz é jornalista, São Paulo, SP]