Reconhece esse cara? Ele é um “mentiroso”, “idiota”, “simpatizante terrorista”, “enganador”, uma “desgraça”, um “louco insano liberal”, ele está “na folha de pagamento da Irmandade Muçulmana” e “na folha de pagamento de neonazistas europeus”. Ele é “louco”. Mas espere. Esse pobre cara é também “um ignorante, inútil, pedaço de merda que odeia judeus”, cujo “ódio pode ser visto em seus olhos”. “Urina de porco esteja nele no inferno”, é uma das maldições dirigidas a ele.
Ele diz “mentira em cima de mentira, todas elas direta ou indiretamente destinadas à destruição de Israel”. E ele recebeu a seguinte mensagem: “Os islâmicos cortadores de gargantas com quem você simpatiza, cortariam seu pescoço de lápis de orelha a orelha com prazer, só porque você não se curva ao pedófilo sanguinário [sic] profeta deles.” E agora uma pista. Nesta mesma lista de sujeira virtual – enviado em apenas dois dias – um escritor anônimo acrescenta: “Poderia Robert Fisk ser o próximo?”
Pessoas doentes
Meu pecado – e acima, acreditem, é o fim limpo do abuso – foi escrever um artigo na semana passada sobre o Oriente Médio em 2013. Agora, nos velhos tempos, quando alguém recheava sua caixa de correio com algo abusivo, você iria à delegacia, em dois toques, esfregando cartas de tinta verde no rosto do sargento na delegacia. Comportamento ameaçador, pelo menos. Mas, agora, apenas reclamar sobre esse tipo de material incendiário marca-o como o excêntrico. “É por causa do seu perfil”, um amigo me disse. Então é isso que eu mereço? Eu sempre disse que se você é repórter do Oriente Médio, você tem que encarar os gravetos e as pedras. Às vezes, literalmente.
Mas algo está errado aqui. Certamente não é para isso que a internet serve? Em todo o mundo agora, o anonimato – a ruína de todo o Editor de jornal – é aceito por cyber-jornalismo, o mais odioso, mais compreensível. Eu já desisti de vários debates em programas de rádio no meio da transmissão por causa da recusa absoluta das âncoras de explicar por que eles não vão desafiar os tweeters ou escritores de emails, às vezes violentamente nomeados. Sites e blogs e salas de chats nunca foram destinados a cobrir as crueldades semelhantes à Breivik, dessas pessoas doentes.
O ex-diplomata dos EUA, Christopher Hill, um homem cujas opiniões normalmente me fazem estremecer – ele foi embaixador no Iraque, especial ao Kosovo e um negociador de Dayton – observou esses perigos. “O acesso instantâneo à informação não significa acesso imediato ao conhecimento, muito menos à sabedoria”, escreveu ele recentemente. “No passado, a informação foi integrada com a experiência. Hoje, ela é integrada com a emoção… A tecnologia digital tem desempenhado um papel importante “na promoção dessa atmosfera de maus modos, viciosos ataques pessoais, intolerância, desrespeito… Bullying agora é virtual”.
Pouco antes do Natal, um ministro de Estado irlandês, Shane McEntee, cometeu suicídio depois de receber uma porção de desagravos online. No seu funeral, o seu irmão Gerry foi aplaudido quando atacou a mídia social: “Que vergonha de vocês, vocês covardes que lhe enviaram mensagens horríveis no site e em texto, que vergonha de vocês.” Shane McEntee tinha sido particularmente condenado por defender cortes no programa de governo para cuidados a crianças especiais da Irlanda e, de qualquer maneira, eu não tenho certeza de que e-mails anônimos matam.
Jornais perseguem pessoas também, mas, pelo menos, editores têm um endereço.
O vice primeiro ministro da Irlanda já falou de nova legislação contra o abuso na internet – complicado isso, quando os ex-oficiais da IRA sentam em Dáil Eireann e o abuso pode funcionar nos dois sentidos. O governo francês também está considerando novas regras para evitar comentários racistas, antissemitas e homofóbicos no Twitter. Hashtags racistas e anti Judias foram removidas na França, em outubro, mas o Twitter agora alega que não pode revelar suas identidades reais – em outras palavras, os culpados – desde que foram arquivadas na Califórnia, desta forma, as leis francesas não se aplicam.
Então me deixe ir agora ao jornalista irlandês John Waters, que no ano passado reclamou do “veneno desproporcional de comentários online” e a maneira que blogueiros recorrem a “formas de comunicação pré-civilizadas”. Em uma paródia do estilo cyber, ele escreveu que preferiria que o criador do Twitter fosse preso e sua empresa fechada. Então, ele acrescentou – deliberadamente, na língua e gramática das mensagens repulsivas que todos recebem: “Queria q eles queimassem o fundador do Twitter em óleo e deixassem sua carcaça na rua p os urubus.”
Veneno
E o que aconteceu? Um representante do Twitter ligou para um empregado do jornal de Waters – de um telefone fixo – para reclamar que sua última frase “passou de um certo limite”. Que limite em especial, eu me pergunto? E quando Waters – um homem com quem não estou muitas vezes de acordo – depois queria entrar em contato com o Twitter para remover uma postagem difamatória, ele descobriu que só poderia fazê-lo… por se inscrever ao Twitter! Não, não somos Luditas, disse Waters. Mas algo era necessário “para frear o clima tóxico e sem lei em andamento na web”. Por que pseudônimos são autorizados a apresentar-se como participantes de um debate democrático?
Eu concordo. Salas de chat e seções de comentários em jornais online, muitas vezes afirmam ter um “moderador” – uma expressão covarde, uma vez que sugere que o abusado e do abusador são igualmente culpados ou inocentes – que pode remover o material “inadequado”. Isto é um pouco como dizer que Hitler poderia, por vezes, fazer
comentários “inapropriados”. De fato, com a leitura de um livro durante o Natal sobre a ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha, descobri que muitas ameaças do NSDAP (Partido Nazista) nos anos trinta hoje parecem insultos da internet.
Então o que fazer? Comentários on-line são muitas vezes factualmente errados, mas o anonimato permite aos escritores usar uma linguagem vulgar e abusiva para apoiar as suas mentiras. Eles rodam muitas vezes no que tem sido chamado de “teste de qualidade” – aplicada com rigor, por exemplo, quando os editores de jornais se recusam a publicar cartas sem um nome e alguma forma de endereço. Estamos falando de comentário verificável.
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[Robert Fisk é correspondente do Oriente Médio para o jornal The Independent e autor de muitos livros sobre a região, incluindo A Grande Guerra pela Civilização: A Conquista do Oriente Médio]