Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fugir dos impostos e trabalhar na Sibéria

O ator francês Gérard Depardieu e o presidente Vladimir Putin trocaram elogios e cumprimentos junto à mídia internacional. O Último Segundo (13/01), do iG, postou artigo em que Putin elogiou o francês e disse gostar de sua “essência hooligan”, enquanto passeava no resort russo de Sochi, cidade-sede das Olimpíadas de Inverno de 2014. O presidente empenhou-se pessoalmente para que os jogos fossem realizados nessa cidade. A visita de Depardieu ajudou Putin a promover a futura sede dos jogos e o seu regime, que assusta o Ocidente, mas não o povo russo.

Putin também acredita que os adversários de sua política não têm alternativas reais. Ele provavelmente referia-se a Garry Kasparov, o ex-mestre mundial de xadrez que tentou organizar uma coalizão anti-Putin em 2007 e teve que enfrentar a força do presidente russo. O New York Times publicou matéria sobre o assunto, na época (13/12/2007):

“Desde o início, sua campanha encontrou muitos problemas. Não lhe foi permitido acesso à mídia estatal; um de seus organizadores políticos foi forçado a uma internação em um asilo de loucos; e o Sr. Kasparov e dezenas de seus seguidores foram presos durante protestos de rua na primavera.”

Táticas da KGB, a misturar intimidação e burocracia para impedir atos de oposição. Kasparov também foi impedido de alugar um salão para mais de 500 pessoas – uma exigência eleitoral na Rússia. Proprietários de prédios foram intimidados e negaram-se a enfrentar o regime do presidente. Kasparov não teve a menor chance para competir com o oficial e ex-presidente interino da KGB, dentro de um processo eleitoral manipulado e corrompido. A aceitação de Depardieu, que primeiro ameaçou mudar-se para a Bélgica, não é de espantar. O ator é um opositor do Partido Socialista francês e defensor de Nicolas Sarkozy.

Cristianismo com força total

Depardieu, na noite de domingo (13/1), afirmou gostar muito de Putin, que o ex-líder da KGB era “um ativista político muito forte” e que ele personificava o “caráter complexo e fascinante da Rússia”. O ator francês é acusado de deixar o país para não pagar os impostos para milionários que o presidente François Hollande quer implantar no país. Depardieu também está obrigado a comparecer a tribunal por dirigir sua motocicleta – e envolver-se numa colisão – com mais de três vezes do que a quantidade permitida de álcool no sangue.

No mesmo dia, o jornal O Globo informou que o ator francês também fez coro com a turma de Putin e condenou o grupo punk feminino Pussy Riot, que protestou contra o governo dentro de uma igreja ortodoxa russa:“Se essas garotas tivessem entrado em uma mesquita, por exemplo, não teriam saído de lá vivas. Mesmo no mundo católico, teria sido horrível. Mas quando eu digo essas coisas na França, dizem que sou um idiota”, disse o ator apátrida. É o que ele é – embora afirme ser um cidadão “europeu sem fronteiras”, como lhe ensinou seu pai um dia, contou o ator.

O protesto das meninas foi na realidade um tiro no pé. O povo russo, em sua maioria não o apoiou. Nesse país, cristianismo e civilização sempre andaram juntos. Reprimida por 70 anos pelo regime comunista, voltou com força total quando este desabou. Criticar a igreja, ou fazer manifestação dentro de um templo apavora e assusta a gente russa, que anda satisfeita, em sua maioria, com os bons momentos que a administração trouxe para a população do país. Junto com toda corrupção e descasos com a democracia verdadeira.

“Estado mafioso virtual”

De qualquer forma, a atitude de Depardieu significou mais uma derrota para o presidente Hollande, acredita O Globo (17/12/2012). O presidente tem recebido críticas à direita e à esquerda do espectro político. Sua popularidade anda baixa (entre 37% e 38%, segundo o Instituto Ifop, informou o jornal carioca). A turma mais abastada não gostou nem um pouco do “imposto às grandes fortunas”. E a esquerda do país acha sua atuação muito acanhada, tímida. E cheia de concessões.

A verdade simples é que nenhum rico aceita uma taxação de 75% sobre suas fortunas em nome do bem-estar social. Mesmo nos países nórdicos, onde a universalização do Estado social completou-se de forma mais consensual, a fuga de artistas do fisco não é novidade na imprensa: Ingmar Bergman, famoso diretor de cinema sueco, acabou nos jornais a explicar por que fugiu do fisco de seu país em janeiro de 1976, quando foi preso e acusado de evasão de divisas. Na Inglaterra, os Rolling Stones, no início dos anos 1970, fizeram a mesma coisa.

A melhor e mais crítica reportagem sobre a fuga de Depardieu dos impostos veio do diário lusitano Público (4/1), que afirmou que a atitude ao ator francês desagradou o país onde nasceu “e a oposição do país que o quer acolher”. Pura verdade. Os opositores de Putin foram os principais prejudicados nesta operação de “amparo” russo a um ator que renegou a própria nacionalidade. Sai vencedor o regime corrupto de Vladimir Putin, acusado pelo WikiLeaks de “Estado mafioso virtual”.

Oferta de trabalho

O jornal português revelou também a afeição e apoio de Depardieu ao presidente da Chechênia, Ramzan Kadirov, conhecido violador dos direitos humanos e conhecido por “assassinar e torturar seus opositores”, informou o jornal português.

Se Depardieu quer mesmo ficar na Rússia, oferta de trabalho ele já recebeu. O Diário de Notícias (9/1), de Portugal, por meio da agência Lusa, informou que o Grande Teatro Dramático de Tiumen, na Sibéria do Sul, ofereceu “assumir as despesas de arrendamento de uma casa para o ator no centro da cidade, com pouco mais de 600 mil habitantes”. O salário não é grandes coisas: cerca de 400 euros (um pouco mais que mil reais, ao câmbio de 13/1). Mas poderá subir para 600 euros, ou cerca de R$ 1.300,00 reais.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]