Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Psiquiatra

Hoje fui a uma psiquiatra. Levei debaixo do braço a Folha de 7 de janeiro com meu artigo intitulado “Vício”. Pedi que ela lesse. Então perguntei se é realmente possível se viciar em computador, smartphones, games, internet, essas coisas. Ela disse que sim.

Eu não sabia se sentia alívio ou pavor. Se é possível se viciar em internet, com certeza eu me viciei, pensei. Desde 1995 usando internet o dia inteiro, como não me viciar?

Se é uma doença, deve haver tratamento e cura, conjecturei. Mas, se não fosse doença, o que seria essa mania de fazer a ronda noite e dia entre SMSs, e-mails, Facebook, Twitter, Instagram, websites?

Nem todos os hábitos são manias, ponderei comigo mesma. Nem todas as manias são doenças, pensei.

Os mais vendidos

Mas o uso intensivo de internet não é necessariamente um vício ou uma dependência, a médica então me explicou. Para se tornar dependência, a pessoa precisa ter um fator que desencadeie o processo. Ela acha que eu não tenho esse fator.

Se uma pessoa tem uma compulsão, ela pode ter compulsão por internet também.

A médica explicou que é fácil substituir uma compulsão por outra. Ou uma dependência por outra.

Não, eu não tenho compulsões, fora a internet. Minto. Tenho sim. Tenho compulsão em fotografar. Por isso às vezes passo meses longe de uma câmera. Quando eu começo é difícil parar. É como jogar Sudoku. Outra compulsão controlada! Também fui viciada em tabaco, mas parei sozinha. Três vezes.

Aí a médica me falou de uma pesquisa que fizeram com macacos e ingestão de álcool. Notaram que parte dos macacos se tornava alcoólatra e já começava a beber logo cedo. Outra parte preferia bebidas adocicadas e costumava beber mais tarde, como numa “happy hour”.

Então há indivíduos mais sujeitos a compulsão do que outros. Ambos podem estar expostos aos mesmos fatores. Mas a reação de uns vai ser diferente da reação de outros.

Outro fator que pode levar ao vício da internet é a depressão, me explicou a médica.

Uma pessoa deprimida pode gastar mais tempo em redes sociais do que uma pessoa não deprimida. Eu uso cada vez menos redes sociais. É um treino que estou fazendo.

Pensei que não devemos confundir tristeza com depressão, embora eu mesma não saiba distinguir muito bem. E quem falou que todos precisamos ser felizes? Em que lei está isso? O problema é que hoje parece que todo mundo ficou deprimido. Antidepressivos estão entre os remédios mais vendidos do planeta.

Consumo de tempo

Tenho uma amiga que é totalmente contra remédios. Só toma amarrada. Eu não sou contra remédios. Mas que me dá um certo medo de fazer parte de uma sociedade de dopados, isso dá.

Então a psiquiatra me contou de quando ela entrou no Facebook, depois de longa relutância.

Fez duas centenas de amigos e logo se viu compelida a dar parabéns a cada vez que lia uma notificação de aniversário.

Isso começou a consumir um tempo danado. Até que sua filha, que tem 16 anos, avisou: “Mãe, não precisa dar parabéns pra todo mundo!”. Ufa, que alívio!

A psiquiatra acha que eu não sou viciada em internet.

Mas eu sei que sou.

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[Marion Strecker é jornalista, colunista da Folha de S.Paulo]