Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Análise das variáveis inseridas no contexto da sociedade de consumo

Com o avanço das faixas de organização da sociedade humana, é natural estabelecerem-se interseções de elementos componentes dessa ordem. A partir disso, o presente artigo oportunamente procura explorar os questionamentos acerca da sociedade de consumo reunidos no documentário Surplus, tais como são nele apresentados, visando à observação dos agentes que medeiam o processo de consolidação e difusão da cultura de massa. Busca-se, ainda, delinear aspectos patentes à vida moderna sob a óptica da conceituação teórica, uma vez transportada para a contextualização necessária a sua consistência, bem como avaliar os discursos comunicativos pertinentes a essa esfera.

1. Introdução

Dirigido pelo italiano Erik Gandini, o documentário Surplus: Terrorized Into Being Consumers (2003) tem uma proposta diferenciada de olhar sobre a contemporaneidade. O excesso que o título da obra sugere – surplus é uma palavra francesa correspondente ao termo latino superávit – se manifesta incisivamente na temática abordada por toda a extensão da filmagem.

Palavras-chave do capitalismo socioeconômico, produção, propaganda e consumo se mesclam na construção do documentário, que adota uma perspectiva nada linear para dar ênfase à complexidade do ciclo de efeitos envolvidos na cadeia do modelo capitalista.

Acima de tudo, Surplus expõe os traços que unem oferta e demanda apontando para os vieses da saturação desse intercâmbio e ocupa-se de apresentar o sistema subjacente que o nutre.

2. Desenvolvimento

2.1. Conceituação

O documentário ilustra uma série de questões importantes e faz crítica ao modelo capitalista da nossa sociedade. Aborda alguns temas como sociedade de consumo e meios de comunicação de massa.

Pode-se definir que comunicação, do latim communicatio (munis: “estar encarregado de”, co: “atividade em conjunto”, tio: “atividade”), designa todo e qualquer tipo de troca de informação, cuja intenção é romper o isolamento (MARTINO, 2001). Segundo Adrian [201-?, p. 2, grifo do autor], “o termo massa está muito bem direcionado a multidões padronizadas e homogêneas, não possui um grupo específico, mas tem significado na sociedade como um todo”.

Assim, pode-se dizer que comunicação de massa é a transmissão de uma informação, através de um veículo, para um grupo homogêneo. Essa interação é feita entre um emissor (E) e um receptor (R). Importa lembrar que, nesse caso, em teoria, a informação segue um caminho de mão única, pois o receptor não emite uma mensagem de volta ao emissor.

Os meios de comunicação de massa (MCMs) exercem uma grande influência nas pessoas, pois interferem no pensamento e nas atitudes dos indivíduos, desde a opinião política até o consumo de fast food, por exemplo. Esse poder às vezes é considerado como prejudicial, já que ocorre uma manipulação por conta do isolamento que existe entre os integrantes da massa.

Os MCMs são fator decisivo para o que chamamos de sociedade de consumo. Estudiosos como Baudrillard (1981) afirma que a sociedade pós-moderna é uma sociedade de consumo. Nela, o indivíduo é encarado como consumidor, por conta do sistema de produção automatizada.

Para Braudrillard (id.) “já não consumimos coisas, mas somente signos”, fazendo referência às marcas e à importância delas no mercado, pois o consumidor está mais interessado no significado do que na funcionalidade do produto. Para Bauman (1998, p. 89) “o dilema sobre o qual se cogita hoje em dia é se é necessário consumir para viver ou se o homem vive para consumir”. Neste trecho, pode ser citada a mídia, que tem seu papel de promover as vendas e convencer o público de que os produtos comercializados são necessários.

Neste contexto, existe a chamada indústria cultural, que tem o papel de agregar valor de consumo aos agentes culturais. As expressões “indústria cultural” e “cultura de massa” foram utilizadas pela primeira vez pelos teóricos da Escola de Frankfurt Theodor Adorno e Max Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento (RÜDIGER, 2001). O termo indica que, ao contrário do que “cultura de massa” sugere, as artes deixam de ser apreciadas e passam a ser consumidas, ou seja, cria-se uma cultura, ao invés de ela se desenvolver espontaneamente na massa.

Depois de explanar esses conceitos, é possível ter um melhor aproveitamento do conteúdo exibido na obra de Erik Gandini e compreender a crítica feita ao capitalismo, tendo uma dimensão dos efeitos causados na sociedade através desse sistema.

2.2. Observação

2.2.1. Sociedade de consumo

Em suas primeiras sequências, Surplus introduz cenas de manifestações e protestos contra o capitalismo, que dão ideia do enfoque aplicado na montagem do documentário. Os revoltosos adotam a subversão do status quo, por meio da oposição ao desenvolvimento tecnológico e industrial.

Para o norte-americano John Zerzan, que é apontado como precursor do movimento anarquista Black Bloc, é reprochável a atual situação, em que o mundo se vê sujeito a padrões de consumo excessivo. Em depoimento no documentário, ele defende o dano à propriedade como estratégia para o desmantelamento da ordem estabelecida e para a instauração de um sistema que legue ao controle dos meios de produção uma condição menos excludente e baseada em privilégios.

A perspectiva de condenação do modelo capitalista se revela no argumento segundo o qual “o desejo de consumir te aterroriza”. Como alegado pelos partidários dessa proposta, a preocupação das oligarquias — uma vez que esse discurso realça o poder de produção centralizado e sua capacidade de gerar um ilusório senso de inclusão da massa no processo de determinação da sociedade de consumo — é assegurar a manutenção dos sistemas conservadores de mercado.

Conferindo à população um caráter de aparente participação na mobilidade do setor comercial, a política de governança inculca matrizes persuasivas de comportamento, fazendo uso de técnicas de comunicação indutora ao inchaço do aglomerado consumidor.

Poder-se-ia afirmar que:

inúmeros fatores levam a tal ânsia por consumir. Certamente, a mídia encabeça a lista. A humanidade se deixa escravizar pelos estereótipos impostos pelos veículos de comunicação, ávidos por acirrar a concorrência e estimular a compra irrefreável (PAGANI, 2010).

Evidentemente, transportadas as concepções e observações originadas da análise comunicacional para a realidade, a questão é menos maniqueísta do que como ora se identificava. Há mais fenômenos influentes no processo de persuasão da audiência.

2.2.2. Publicidade e semiótica

Surgido do latim, com a acepção de disseminar, o termo propaganda inicialmente designava o mecanismo de difusão da fé empregado pelo cristianismo, mas com o passar do tempo o conceito evoluiu para representar diversos instrumentos tanto de manipulação quanto de reforço de concepções e atitudes (SANTOS, 1992, p. 13).

A partir daí, experimentando também seu desenvolvimento a serviço das nações no período da Primeira Guerra Mundial, a propaganda fortaleceu-se como catalisadora do processo de domínio e expansão territoriais e ideológicos.

Nunca como então tinha sido colocada em prática uma tão grande operação de persuasão colectiva, envolvendo o uso de meios de comunicação social numa escala sem paralelo e de uma forma tão coordenada (SANTOS, 1992, p. 16).

Mattelart (1999 apud DALLA COSTA; MACHADO; SIQUEIRA, 2006, p. 14) define que a propaganda consiste no “único meio de suscitar a adesão da massa; além disso, é mais econômica que a violência, a corrupção e outras técnicas de governo desse gênero”. Dessa maneira, mostra-se a dialética entre aliciar uma amostra de público infensa a determinada mensagem e hostilizá-la, atribuindo à percepção desse favorecimento potencial da publicidade a ampliação de sua aplicação por parte não somente dos regimes de governo como também da indústria e das esferas econômico-culturais por ela beneficiadas.

É evidente que, para sustentar a hipótese de uma resposta mecânica, unânime e previsível, é estritamente necessária a alienação dos indivíduos que compõem a massa. Porquanto, todavia, haja fatores externos à “incisão hipodérmica” do conteúdo, como a rede de experiências e permutas interpessoais, que também atuam na formação da opinião, não se pode prescindir do investimento em que a mensagem transmitida encontre consonância com o ambiente do destinatário e sua cadeia de relações.

Respeitado esse grau de identificação do receptor com a mensagem, pode-se-lhe atribuir um papel menos passivo ou determinista diante daquilo a que é exposto. “Persuadir os destinatários é um objetivo possível, se a forma e a organização da mensagem forem adequadas aos fatores pessoais que o destinatário ativa quando interpreta a própria mensagem” (WOLF, 1987 apud DALLA COSTA; MACHADO; SIQUEIRA, 2006, p. 17).

Em dado trecho do documentário, alega-se que a propaganda – especialmente a televisiva – é “a mais poderosa forma de comunicação que os seres humanos jamais haviam inventado”. Isso se deve em grande parte à simbologia do consumo.

Marcas e arquétipos de cultura são signos encarados como produtos, atribuindo valor e significado arbitrário e dirigido à massa. Contra essa passividade mecanicista, Blumer (1969 apud RÜDIGER, 2011) argui que as respostas dos constituintes do público a tais estímulos decorrem de uma interpretação e de “significações que emprestam a eles” (BLUMER, 1969 apud RÜDIGER, 2011, p. 45, grifo nosso).

É importante à análise da semiótica na propaganda saber que

o homem é um ser comunicativo porque tem necessidade de contato social, […] mas, também, porque tem a capacidade de manipular os símbolos para manter ou transformar a realidade social. […] Conforme os interacionistas [da Escola de Chicago], a sociedade é uma estrutura simbólica criada pelo processo da comunicação (RÜDIGER, 2011, p. 45).

Assim, a comunicação molda e sustém hierarquias simbólicas em que a sociedade se fundamenta. Mais que fontes de significação, os símbolos são agentes mantenedores e fixadores de relações de poder. Essa “violência simbólica”, que fabrica signos e os propaga incisivamente, consiste num método para

impor a vigência de um significado às pessoas por meio da colocação de signos, isto é, pela simbolização, com a consequente identificação destas pessoas com o significado afirmado no símbolo (PROSS, 1983 apud RÜDIGER, 2011, p. 47).

Dadas essas constatações, ressalta-se o acondicionamento da captação e transmissão da mensagem através de uma rede social a que o receptor seja capaz de estabelecer conexões simbólicas entre o conteúdo absorvido e a estrutura de significado vigente em seu contexto.

2.2.3. Estandardização e identidade

Surplus traz, de uma maneira muito marcante, a estandardização, utilizando a repetição de diálogos, cenas e trilha sonora para referenciar a produção constante e monótona que os trabalhadores desenvolvem nas empresas que têm faturamento em massa.

Esse conceito foi cunhado como representativo do modelo de organização do empresário Henry Ford para designar um processo de produção que permite a fatura em massa de objetos (FONSECA, 2010). Fazendo uma comparação, os meios de comunicação de massa e o sistema capitalista criaram uma sociedade mecanizada com desejos de consumo padronizados.

O sistema induz as pessoas a sentirem uma falsa necessidade de consumo desenfreado e a terem uma “cultura” padronizada. Isso é possível com a condescendência que existe entre os meios de comunicação, que, através da propaganda, atendem aos interesses das empresas e multinacionais.

Marx faz uma crítica ao sistema capitalista dizendo que mesmo as relações pessoais acabam condicionadas a valores e mercadorias, pois até a força de trabalho é considerada um produto. Para ele, “a principal consequência desse processo é que o trabalhador não se reconhece no produto que fez e, assim, perde a sua identidade enquanto sujeito” (FILOSOFIA).

Simmel (1979) afirma que os problemas mais graves da vida moderna nascem justamente nessa tentativa do indivíduo de preservar sua autonomia e individualidade em face das esmagadoras forças sociais.

Através dessa anonimidade [que a massificação provoca], os interesses de cada parte adquirem um caráter impiedosamente prosaico; e os egoísmos econômicos intelectualmente calculistas […] não precisam temer qualquer falha devida aos imponderáveis das relações pessoais (SIMMEL, 1979 apud RETONDAR, 2007).

Ilustrando um perfil da pós-modernidade, Amorim (1968) põe em evidência o paradoxo entre a liberdade do ser humano e sua coisificação: ao passo que a civilização contemporânea se vê detentora de um potencial promissor, os indivíduos que a compõem se acham relegados à padronização, ao formarem um aglomerado uniforme a que se chama “massa”, atrelados à mesmice, em detrimento da individualidade.

Bittencourt (2010) também critica o nivelamento cultural, a que nomeia “ditadura da massificação”. O direcionamento de seu pensamento coincide com o eixo de condução do famoso poema Eu, etiqueta, cuja reprodução por completo é justa:

Em minha calça está grudado um nome

Que não é meu nome de batismo ou de cartório.

Um nome… estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida / que jamais pus na boca, nesta vida.

Em minha camiseta, a marca de cigarro / que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produtos / que nunca experimentei

mas são comunicadas a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido / de alguma coisa não provada

por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata e cinto e escova e pente, / meu copo, minha xícara,

minha toalha de banho e sabonete, / meu isso, meu aquilo.

Desde a cabeça ao bico dos sapatos, / são mensagens, / letras falantes,

gritos visuais, / ordens de uso, abuso, reincidências,

costume, hábito, premência, / indispensabilidade,

e fazem de mim homem–anúncio itinerante, / escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda. / É duro andar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade, / trocá-la por mil, açambarcando

todas as marcas registradas, / todos os logotipos do mercado.

Com que inocência. Demito-me de ser / eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim mesmo, / ser pensante sentinte e solitário

com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio / ora vulgar ora bizarro.

Em língua nacional ou em qualquer língua / (qualquer, principalmente)

e nisto me comprazo, tiro glória / de minha anulação.

Não sou — vê lá — anúncio contratado.

Para anunciar, para vender / em bares festas praias pérgulas piscinas,

e bem à vista exibo esta etiqueta / global no corpo que desiste

de ser veste e sandália de uma essência / tão viva, independente,

que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora / meu gosto e a capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam / e cada gesto, cada olhar,

cada vinco da roupa / sou gravado de forma universal,

saio da estamparia, não de casa, / da vitrine me tiram, recolocam,

objeto pulsante mas objeto / que se oferece como signo de outros

objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso / de ser não eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem. / Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é Coisa. / Eu sou a Coisa, coisamente (ANDRADE, 1984).

Curioso ponto a destacar nessa influência do marketing no comércio é que a China, no início deste ano, proibiu propaganda de bolsas e relógios de grife, além de outros produtos caros, em meios televisivos e radiofônicos. Condizente com sua conduta intervencionista na individualidade, o país adotou a medida como contenção da ostentação causada pelo consumo desenfreado. Estima-se que os chineses respondam por um décimo do comércio mundial de artigos de luxo, e esse número não para de crescer (BOM DIA BRASIL, 2013).

2.2.4. Desigualdade e distribuição

Há, portanto, verificadas as condições atuais da cultura de mercado, uma crise de fronteiras de toda categoria, com a globalização. A homogeneização se concretiza em oposição ao individualismo.

Essa perspectiva de liberdade de expressão pode levar à aparente sensação de autonomia e autossuficiência, mas essa noção está sujeita ao rótulo de liberdade virtual.

Lévy (1997 apud BITTENCOURT, [2012?]) afirma que “é virtual aquilo que existe apenas em potência e não em ato”. Sob esse ponto de vista, o indivíduo sofre um bombardeio de informações que vêm de toda parte a ponto de acreditar ter liberdade. Supondo-a, todavia, virtual, é consenso que esse potencial de escolha está latente, com um grau de manifestação inversamente proporcional à postura de apassivamento da audiência.

Atualizando o conceito para a sociedade em rede moderna, Castells e Cardoso (2006) alegam que a “comunicação socializante [avança] para lá do sistema de mass media que caracterizava a sociedade industrial”, porém “não representa o mundo de liberdade entoada pelos profetas da ideologia libertária […]. Ela [a sociedade em rede] é constituída simultaneamente por um sistema oligopolista de negócios multimédia [sic]”.

Betto (2009, p. 38) insinua que o equilíbrio seria “reunir a justiça social predominante no socialismo com a liberdade individual vigente no capitalismo”. Com relação a essa antitética comparação, a manifestação daqueles que estão fora da elite detentora do oligopólio comunicativo é “um pingo de água submergido pela onda avassaladora dos meios”.

Os padrões de consumo também vêm sendo alterados. Mais pessoas têm ampliado seu poder de compra e, consequentemente, tido acesso a produtos variados. “A ascensão dos países emergentes é um fato. O Banco Mundial prevê que os 400 milhões da ‘classe média’ global de 2005 serão 1 bilhão em 2030” (ARNT, 2011).

Graças à irregularidade da distribuição desse consumo, é estabelecido o conceito de “pegada ecológica”, segundo o qual “os cálculos indicam que o consumo global ultrapassou a capacidade de regeneração do planeta em 1987 e, se continuarmos no ritmo atual, em 2050 a humanidade precisará de dois planetas” A pegada ecológica de um cidadão estadunidense equivale à de 250 etíopes. Dados como esse, indicativos do fato de 80% do consumo estar concentrado em 20% da população, evidenciam a má distribuição do poder econômico (id.).

Com os alertas de superpopulação prevista para em breve, é válido conscientizar-se de que “recursos para sustentar 9 bilhões [de pessoas na Terra] existem, desde que mais bem distribuídos. Impossível, mesmo, é generalizar o hiperconsumo dos privilegiados” (id.).

2.2.5. Distanciamento versus aproximação

Os meios de comunicação servem, em princípio, para aproximar as pessoas. Exemplo disso era a necessidade que o Império Romano viu de instituir o Cursus Publicus para apropinquar extremos de um vasto território (MELO, [20–?]). Mas, ao mesmo tempo em que encurta distâncias, produz um abismo na convivência e nas relações. Não raro é ver uma família com todos os seus integrantes ocupando cômodos diferentes da casa, usando algum aparelho tecnológico, como um computador ou celular, e assistindo a sua própria programação na TV.

A pesquisadora Elisabeth Noelle-Neumann, que desenvolveu a hipótese da espiral do silêncio, observou em seus estudos que, quando os televisores chegaram aos lares, o grau de interesse por política aumentou, enquanto as conversas entre marido e mulher, a respeito do emprego de ambos, diminuíram (HOHLFELDT, 1998). Essa tendência a apreender a generalização em detrimento da pessoalidade é consequência da atomização da massa e do isolamento de seus membros.

O próprio avanço da tecnologia faz com que as pessoas acreditem que serão felizes e realizadas comprando determinado produto. Desde diversão, facilidade e comodidade, até a realização de desejos sexuais – como mostrado em Surplus, na fabricação em série de bonecas eróticas – são esperadas de objetos. Neste caso, a conclusão é que os indivíduos possuem mais contato com os outros, mas sentem-se sozinhos, pois o ambiente desse contato é quase sempre virtualizado.

3. Considerações finais

Concluída a observação dos variados aspectos do mundo atual explorados no documentário, fica franca a relevância dos media na instalação de um modelo de sociedade massificada.

São inúmeras as consequências do capitalismo econômico, quer nas práticas comunicativas, quer nas permutas de socialização, e – particularmente – na constituição de uma opinião forte e convincente.

O consumismo está presente no estilo de vida impingido à audiência pela propaganda – não somente no sentido comercial, mas também como difusora de ideologias e concepções.

Igualmente intenso é o poder simbólico das instituições e marcas, capazes de engolfar a massa numa série de movimentos socioculturais que sói favorecer os interesses das oligarquias que detêm o direcionamento midiático.

Outro efeito direto desse sistema é o forjamento de uma identidade padronizada; da mesma forma que o alienamento é premissa para que se estabeleça mais eficientemente a manipulação da parcela dos receptores responsável por endossar a mensagem dos meios, a identidade individual é preterida sob a definição – em parte mascarando um engodo – de subversão.

Cumpre, além disso, salientar a desigualdade na distribuição da expressão no contingente da sociedade por parte de diferentes grupos. O fenômeno sociológico da universalização é prejudicial para a análise imparcial do conjunto cultural, uma vez que abstrai dados e os generaliza, o que provoca facilmente má interpretação da realidade que rodeia o público.

Por fim, convém deixar explícita a necessidade indubitável de que se repensem matrizes comportamentais nocivas à real liberdade, a fim de que o futuro proporcione um ambiente mais incentivador à evolução sem menosprezar valores sociais de justiça e conscientização do poder da autonomia.

Quanto a isso, existem três tipos de pessoas: há os pessimistas, que creem piamente – e de suas ideias não os demovem argumentos nenhuns – na incapacidade humana de mudar o mundo; há quem brade ser o futuro “uma astronave que tentamos pilotar”; e há, ainda, – e graças a estes a civilização não soçobra – aqueles que tem veemência de que, sim, detemos o manche capaz de conduzi-la a um pouso seguro. Ou a um buraco-negro (PAGANI, 2010).

Compete, pois, a todos, individual e coletivamente, definir o destino a que a sociedade chegará. E esse poder não é utópico. Basta despertá-lo do estado abstruso em que se encontra, graças à negligência que lhe é assaz comumente atribuída.

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[Lana Correa Pinheiro e Lucas Medeiros Pagani são estudantes de Jornalismo, Lages, SC]