“Entre os muitos artigos sobre o papa publicados pela Folha nos últimos dias, um chamou a atenção pelo tom confessional. Na sexta-feira, a colunista Barbara Gancia criticou duramente a renúncia, chamou Bento 16 de ‘arregão’ e declarou que ‘malucos de batina não me afastarão de Cristo por ser gay’.
O tom agressivo da colunista ao se referir a Sua Santidade feriu os sentimentos dos católicos, mas não passou despercebida a ‘saída do armário’. ‘Ela aproveita o ódio à Igreja Católica para revelar sua opção sexual, o que é uma inusitada falta de respeito. A Folha nos deve desculpas’, criticou o bancário aposentado Paulo de Tarso Santos, 68.
A homossexualidade de Barbara não era propriamente um segredo, mas isso nunca tinha ido parar na ‘Primeira Página’. ‘Opto por ser fiel a mim, da forma mais digna e transparente possível’, escreveu.
Em janeiro, no feriado do aniversário de São Paulo, o jornal já tinha dado destaque a outra revelação de colunista: Ruy Castro comemorava 25 anos sem beber. ‘Acordado, bebia um mínimo de dois litros de vodca por dia, só em casa’, contou Ruy, que mostrou todo o seu talento de escritor ao descrever, em apenas cinco parágrafos, o calvário de um dependente químico (http://folha.com/no1220180).
Por que expor-se? ‘No Brasil, não há exemplos públicos de pessoas que se assumem, como fez o ator Michael J. Fox, quando contou sofrer do mal de Parkinson’, diz Barbara.
Como Ruy, ela teve problema com alcoolismo e não esconde isso do público. ‘É uma forma de ajudar outras pessoas a se sentirem mais aceitas’, defende.
Ruy Castro concorda. ‘A repercussão daquela coluna foi enorme. Recebi muita mensagem, inclusive de gente que bebe demais e precisa de coragem para começar um tratamento’, conta.
O colunista já escreveu também sobre o câncer que teve na língua. ‘Acho que ajudou pacientes que encaravam a doença como sinônimo de condenação à morte.’
Ambos esperaram anos até abordarem publicamente esses temas. Ruy Castro terminou primeiro a biografia do jogador Garrincha, que era alcoólatra, porque não queria que interpretassem passagens do livro a partir da história do autor.
O empurrão para Barbara foi o seu trabalho em uma fundação sobre dislexia (ela tem um afilhado com o problema). ‘Procuramos muito alguém famoso que assumisse ser disléxico e não conseguimos. Percebi que faltam modelos no Brasil.’
O único receio de Barbara é ter sua imagem reduzida ao fato de ser gay. ‘Não quero ter apenas essa dimensão. Tenho outros defeitos’, brinca. Deve ter mesmo, mas covardia não é um deles.
Os mistérios da igreja
Como o meteorito que rasgou o céu da Rússia, a renúncia do papa despencou sobre as Redações em meio ao ziriguidum da segunda-feira de Carnaval.
A mobilização na Folha foi rápida. Em pouco tempo, jornalistas do primeiro time foram enviados a Roma, vários infográficos foram criados para explicar a sucessão e 15 artigos já foram publicados.
Mesmo assim, parece mais fácil entender o mistério da Santíssima Trindade do que compreender o que aconteceu na Igreja Católica. Como não há uma cobertura sistemática de religião e a situação da renúncia é quase inédita (a última ocorreu há quase 600 anos), pululam teorias conspiratórias em que mal se entende quais são os lados em disputa.
Outro problema é a insistência na tríade ‘pedofilia, camisinha, homossexualidade’, como se fosse fundamental na escolha do novo papa. Mesmo algumas análises sobre o legado de Bento 16 parecem meras compilações do que saiu na imprensa nos últimos anos. O jornal precisa fazer um esforço para entender a lógica interna da Igreja.”