Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O ‘fakebruxo’ no condomínio das famosidades

Os grandes veículos de comunicação se tornaram, nas últimas décadas, um condomínio de famosidades. Passe aqui o neologismo esquisito com a seguinte justificativa: “celebridade” remete a pessoas e fatos que façam jus a algum tipo de celebração. Mas também o que importa hoje em dia o significado das palavras, não é mesmo?

A superexposição na mídia, crescentemente, ganha o status de capital simbólico, numa economia em que a velha produção e venda de objetos palpáveis fica em segundo ou terceiro plano. Nada de novo sob o sol: a Igreja, na sua empresa de conquistar corações e mentes desde que ganhou o primeiro oponente de peso, ainda no século XVI, nada mais fazia do que mobilizar um pesado arsenal retórico-estético, a cargo de semioticistas avant la lettre como Anchieta e Vieira. E, se se olhar bem, mesmo, os primeiros apóstolos de Jesus foram os inventores da propaganda.

O que é novo é a intensidade do fenômeno. No Brasil, laboratório privilegiado da indústria cultural no capitalismo “tardio”, a constituição do condomínio de famosidades passou a implicar, desde há uns 20 e poucos anos, a inexistência prática de todo e qualquer produto simbólico ou marca artística – e mesmo política – não sancionada ou pelo menos tolerada pela junta “civiltar” (quem ainda se lembra de Não verás país nenhum?) formada por meia dúzia de veículos impressos e redes de TV, à qual se juntam como meros agregados e/ou êmulos os demais meios de comunicação acima do “traço” de audiência. Mesmo Lula só se tornou palatável aos condôminos após beijar a mão do “Doutor Roberto”.  Tudo o que aspire a tornar-se capital simbólico, sejam poetas, cantores ou políticos, precisa ser crismado pelo condomínio de famosidades.

O fenômeno Paulo Coelho é uma expressão legítima desse processo que nos deu também, entre outros ícones, os pastores neopentecostais que vão se tornando, sorrateiramente, uma clara ameaça à democracia, e Xuxa, cujo efeito sobre o desempenho intelectual de uma geração inteira ainda está por ser devidamente aquilatado – bom assunto para sociólogos sem assunto e pedagogos que não conseguem se libertar do fantasma de Paulo Freire.

Tom Jobim errou

A maestro se enganou: o Brasil é, sim, para amadores, a não ser que se considere somente um aspecto do profissionalismo. Quem faz um produto, na economia do mundo concreto, precisa fazê-lo bem feito, mas isso não basta: é necessário também ser eficiente em sua colocação no mercado. No tipo de mercado de que estamos falando, ser profissional só se torna importante quando chega a hora de embalar e divulgar o produto; quando este é propriamente fabricado, qualquer candango serve como mão-de-obra, não lhe sendo necessária especialização de nenhum tipo. Ainda somos Terceiro Mundo no que mais importa; nossa população semialfabetizada ou majoritariamente analfabeta funcional é um oceano à flor do qual flutuam quase desconsideráveis (para efeito estatístico) exceções.

A canção popular é a melhor metonímia do processo, e por ela passou e passa, historicamente falando, o grande mérito de Paulo Coelho como escritor. Seu golpe de vista admirável não foi dar asas à obsessão juvenil de ser um autor famoso, mas ter compreendido que a lógica vigente no mercado fonográfico acabaria chegando à literatura. Golpe de vista que nasceu de um golpe de sorte, o qual atendia pelo apelido de Raulzito. Fernando Morais conta, na biografia O mago, que Coelho não passava do editor subempregado de uma revista amalucada, A pomba, quando lhe bateu à porta o almofadinha Raul Seixas, executivo de uma multinacional do disco também por obra e graça do acaso: Jerry Adriani havia levado Raulzito para o Rio de Janeiro por conta de um incidente racista (os detalhes não cabem aqui) ocorrido em Salvador.

Sem conhecer Coelho, o cantor já estava envolvido pela pregação esotérico-demono-ufológica dos artigos de A Pomba e pediu ao editor que lhe escrevesse letras de música. Coelho não deu bola, e Raul insistiu, presenteando-o com uma letra de sua própria e exclusiva autoria, cuja gravação fez o escritor hoje famoso ver, pela primeira vez, cair em sua conta bancária dinheiro de verdade. O resto da história é relativamente conhecido, mas quem nela mergulhar perceberá como essa parceria tão bem-sucedida: a) representa um trampolim cuja falta talvez implicasse a inexistência de Coelho como escritor; b) mostra como a vida cultural no Brasil dos anos 70, aliás nem tão diferente da atual, era movida pelo acaso das afinidades eletivas, pelo instituto do pistolão e pelo jabaculê.

O negócio da literatura

A literatura é sempre – mesmo que apenas potencialmente – um negócio. Até o mais modesto poeta da província, daqueles que rimam noite com açoite, se pudesse viveria do que escreve, e isso seria menos penoso que trabalhar como motoboy ou ajudante de caminhoneiro. Porém, a literatura não é só negócio; se o fosse, Graciliano Ramos seria um perfeito exemplo de fracasso: viveu na pindaíba e mesmo assim escreveu a melhor ficção brasileira depois de Machado de Assis e antes de Guimarães Rosa. Graciliano começou a vida como comerciante em Palmeira dos Índios, Alagoas, mas não tinha alma de negociante. Ao contrário, o comunista Jorge Amado teve um tino mercantil muito apurado, além do charme pessoal necessário à penetração no que, em sua época, constituía o embrião do atual condomínio de famosidades. E no entanto a prolixa obra do baiano não contém uma linha que possa ser comparada ao estilo e à densidade existencial do velho Graça.

É nessa bitola, procurando compreender a literatura também como negócio, que deve trafegar quem pretenda estudar o fenômeno Paulo Coelho. Isso dentro da literatura, claro, pois há outros domínios nos quais ele pode e deve ser estudado. Por exemplo, segundo a apropriada sugestão feita pelo professor Fernando Antônio Pinheiro – em artigo publicado no caderno “Ilustríssima” (20/1/2013, p. 4 e 5), da Folha de S. Paulo –, a sociologia do consumo. Aderindo a ao ilustríssimo articulista, indico dois caminhos: a) investigar a coincidência do sucesso de vendas do escritor com o crescimento do número de adeptos das igrejas neopentecostais; b) pesquisar a diferença entre comprar e ler um livro. Fernando Morais informa na biografia de Coelho que, quando da mudança deste da pequeníssima editora Eco para a bem estruturada Rocco, uma das cláusulas do contrato, exigência do escritor, foi que a primeira edição de O alquimista na nova casa saísse antes do Natal, a fim de que o livro pudesse concorrer na lista dos presentes natalinos. Mais tarde, um dos motivos da saída de Coelho da Rocco foi o fato de esta não se dispor a bancar uma caríssima campanha publicitária para promover sua mais recente obra.

A primeira lição de Paulo Coelho, deixada transparente em seus dois sucessos iniciais – sendo que O alquimista até hoje responde por cerca de um terço das vendas mundiais do escritor –, lá pelo final dos anos 1980, é a da persistência. Sim, porque, considerados à luz da tradição literária brasileira, tanto O diário de um mago como O alquimista são dois livros muitíssimo fracos; perderiam feio para Eu e o governador, de Adelaide Carraro, em termos de linguagem e estrutura narrativa. Do ponto de vista literário, somente em Onze minutos e O monte cinco Paulo Coelho poderia ser comparado a um Jorge Amado, que reconhecidamente nunca foi um prodígio estilístico ou narrativo.

Ocorre que o escritor carioca, o qual vinha militando na edição de antologias literárias do tipo pagou, entrou – elas foram sua segunda galinha dos ovos de ouro, depois das letras de música –, percebeu que a literatura não era um negócio sério. Talvez isso o tenha encorajado a finalmente lançar-se no mercado literário, a consciência de que a qualidade do texto não era um problema a ser considerado. “É igualzinho à música!” Pesquise alguém nos sebos o quanto de porcaria se publicou no Brasil naquela época, e verá que O diário de um mago está no padrão, é um livro bem representativo do que poderíamos chamar de terceiro escalão da literatura brasileira dos anos 80.

Também não esqueçamos que o americano Carlos Castañeda, cuja novela Uma estranha realidade é o evidente modelo de O diário…, fazia grande sucesso naquele momento. Por sinal a primeira reportagem em O Globo badalando Coelho intitulou-se “O Castañeda de Copacabana”. Essa reportagem marca a entrada triunfal do escritor no condomínio de famosidades. E qual era a matéria-prima de Castañeda senão um pseudomisticismo açucarado e consolador, que fazia coincidir a busca do “verdadeiro eu” com o uso de substâncias alucinógenas, nas quais o brasileiro embarcou com força, levando o discípulo Raulzito na vazante?

Nem por isso deixa de ser comovente, do ponto de vista da solidariedade humana, o périplo de Coelho e sua quinta ou sexta mulher (perdi a conta), Christina Oiticica, pelas portas de cinemas e teatros do Rio de Janeiro, a distribuir panfletos para divulgar O diário de um mago. Persistência, pois. Sem ela não teria havido o primeiro sucesso.

A segunda lição é especificamente mercadológica. Como executivo de duas multinacionais do disco, o escritor tinha tido a lúcida sacada de que, para tocar em todas as rádios e ganhar muito dinheiro como cantor, no Brasil pelo menos, não era mais necessário cantar bem, e muito menos tocar passavelmente um instrumento musical. Por isso ele ajudou a inventar alguns factoides musicais famosos até hoje. Tivesse o tipo físico adequado e uma voz menos anasalada, o próprio Coelho poderia ter-se lançado como cantor e obtido sucesso; afinal, contava com alguma popularidade por contágio, advinda da parceria com Raul.

A sacada do escritor foi perceber que um fanhoso literário apresenta defeitos menos perceptíveis que um fanhoso musical e que o resto era uma questão de persistência e propaganda. Simples assim: ele intuiu que seria possível fazer a complacência transitar do negócio musical para o literário. Infelizmente, um quarto de século depois não há esperanças de que o gênio mercantil do escritor transite para o plano especificamente literário. Ninguém se transforma em Joyce da noite para o dia, mesmo considerando a opinião de Coelho de que Ulysses é um livro cujo enredo pode ser resumido numa única frase. E a Bíblia, não? Deus criou o mundo, arrependeu-se, destruiu as criaturas e depois mudou de ideia mais algumas vezes…

Um quarto de século! Pensando bem, esse período abrange toda a vida de boa parte dos leitores do escritor. Pensando melhor ainda, boa parte dos jornalistas em atividade, tanto no Brasil como no restante do mundo, ainda não chegaram aos 30 anos. Talvez isso ajude a explicar por que, no falso panegírico com que se inicia a biografia feita por Fernando Morais, aonde vai Paulo Coelho, encontra sempre dezenas de repórteres brandindo livros e pedindo autógrafos. Jornalista pedindo autógrafo, em princípio, deveria ser considerado uma contradição em termos; afinal, não cabe a eles noticiar fatos, incluindo os culturais?

Nem entremos na discussão sobre a qualidade do jornalismo contemporâneo. Fica apenas formulada a pergunta: que maturidade e aptidão para a leitura crítica do mundo deve ser atribuída a jornalistas que abordam o entrevistado na condição de fãs? O escritor acompanhado por Morais num feérico e glamuroso périplo europeu, o qual inclui encontros com magnatas, políticos e nobres, acha um tempinho para rever a última viúva do Doutor Roberto, não por acaso dona da mesma Globo que mandou Glória Maria viajar com Coelho pela ferrovia Transiberiana, fato fantasticamente fantasiado no “Fantástico”. O significativo encontro tupínico-europeu induz a pergunta: é Tostines porque é fresquinho ou é fresquinho porque é Tostines? Quer dizer, Paulo Coelho ficou amigo dos Marinho (like Jorge Amado) devido ao sucesso como escritor ou deve parte desse sucesso à capacidade de infiltrar-se, via chaminé, nos grandes conglomerados da mídia, primeiro brasileira e depois norte-americana e europeia?

Apesar de todo esse sucesso, o escritor popstar não deixou de ser perseguido por um daqueles insetos que os deuses gregos mandavam para enlouquecer pobres humanos com mania de se achar um pouco acima de sua condição. O moscardo que não dá sossego a Paulo Coelho se chama crítica literária. Mesmo que a biografia de Morais se encerre com um “apesar da opinião dos críticos”, continuam alguns irredutíveis gauleses a não reconhecer o império do mercado sobre os fatos literários. O próprio Coelho, em seu romance O zahir, gastou páginas e páginas tentando ao mesmo tempo negar o valor da crítica e, paradoxalmente, deixando entrever que a valoriza por demais. Sua entrada na ABL, sancionada pelo voto secreto de 33 acadêmicos e cuja crônica um dia será feita com riqueza de detalhes, não foi capaz de aplacar a carência de elogios que não venham do condomínio de famosidades.

Uma estranha sociologia

Devagar, no entanto, a unanimidade a que parece aspirar Coelho vai tentando insinuar-se pelo campo da crítica literária. Aqui e acolá, surge um ou outro nome “de peso” já disposto a atestar as qualidades literárias da obra paulocoelhana. Às vezes por vias transversas, como foi o caso do sociólogo uspiano Fernando Antônio Pinheiro, anteriormente citado, curiosamente num momento em que o mais recente livro de Coelho, comparado aos anos dourados em que ele ostentou até três títulos simultaneamente na lista dos mais vendidos de Veja, é um relativo fracasso de bilheteria, assim como os dois que o antecederam. Um deles, por sinal, foi reconhecido pelo próprio autor como fiasco.

Entre os vários equívocos do professor Pinheiro, um merece atenção especial. Trata-se do pressuposto de que a recepção “mais favorável” à obra coelhesca em alguns países europeus se deva ao fato de eles contarem com um “campo literário (…) mais maduro”. Não, não! Além de ao aparato publicitário que já foi capaz de fechar uma rua na cidade italiana de Bolonha em noite de lançamento, parte da tal recepção deve-se à qualidade das traduções, que não correspondem inteiramente ao texto das obras originais. O “campo literário” brasileiro é tão maduro que já produziu Sérgio Milliet, Augusto Meyer, Antonio Candido e Benedito Nunes, dos quais (e de outros de semelhante quilate) descende direta ou indiretamente boa parte da crítica em atividade, principalmente na academia.

É que o pretenso defensor de uma análise sociológica da obra paulocoelhana parece ignorar um dado fundamental: a incompetência gramatical do escritor brasileiro mais vendido é virtualmente intraduzível. Daí porque seus primeiros tradutores espanhóis, por exemplo, devem ter melhorado, dando até uns toques na carpintaria narrativa, os livros que tanto sucesso fizeram por lá. Digam o que disserem da combalida cultura europeia, nem os mais simplórios leitores de lá aceitariam um equivalente exato da quase humorística escrita de O diário de um mago. E aqui está outro tópico, embora não muito sociológico, que vale a pena estudar: a contribuição milionária de todos os acertos dada pelos tradutores ao sucesso internacional de Paulo Coelho.

No mais, o articulista recolhe opiniões “de peso” de dois críticos que, infelizmente, estão mortos e não podem defender-se do que talvez considerassem malversação de seus argumentos. Além disso, o professor Pinheiro nem mesmo demonstra ter lido a obra de Coelho. Se tivesse cumprido essa tarefa elementar, dificilmente deixaria de perceber, com todo o seu instrumental sociológico (praticamente invisível, aliás, no referido artigo), que o nicho social da obra de Coelho é o mesmo do neopentecostalismo, ainda que os livros do escritor se situem um pouco acima da “movida” evangélica na escala do letramento e da alfabetização.

Pinheiro parece misturar propositadamente os domínios. Dizendo não pretender avaliar os livros do autor, ele no entanto contrabandeia para dentro de seu arrazoado opiniões e dados cuja colagem claramente visa desqualificar o “campo” dos estudos literários. Com isso, avalia positivamente, ainda que na contramão, os números da vendagem paulocoelhana, atribuindo-lhes sub-repticiamente um valor especificamente literário.

O alvo da detração foi parcamente compulsado pela retórica do articulista, ou então ele teria percebido que os escritores brasileiros mais comparáveis a Paulo Coelho não são José Mauro de Vasconcelos e Malba Tahan, mas Adelaide Carraro e Jorge Amado. O baiano, por exemplo, celebrou em narrativas de estrutura folhetinesca uma aspiração coletiva, do mesmo modo como Coelho faz com as carências espirituais, além de coincidir com Carraro na folclorização do erotismo. Se entendesse um pouquinho de literatura, o professor Pinheiro poderia ter dito que o romance Onze minutos, mesmo sendo bem ruinzinho, pode em alguns aspectos ser considerado bem melhor que Mar morto, uma das obras mais representativas do estilo de Amado. O que ainda é muito pouco para fazer de Paulo Coelho um escritor respeitável contra o pano de fundo da ficção brasileira de Teixeira e Sousa e Macedo a, digamos, Carlos Sussekind e Ivan Angelo.

Numa coisa o professor Pinheiro está certo: o prisma mercadológico é de fato o melhor para analisar a obra paulocoelhana. Mas disso já falamos. Torcendo a visada sociológica em direção ao “campo literário”, como o articulista parece ter pretendido fazer, alguém poderia demonstrar como Coelho, ao perceber desde As valkírias uma tendência ao esgotamento, em si e nos outros, da veia esotérico-ocultista, empreendeu uma curva temática que resulta, em Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei, naquele bizarro cruzamento de mariolatria e consumismo sexual depois recalibrado em Onze minutos, o qual remete à glorificação da puta em que consistem certos romances de Jorge Amado. Há uma ligação segura, passível de análise por meio da invocada sociologia do consumo, entre essa guinada temática e a prospecção intuitiva do mercado, na qual o “mago” se havia mostrado um mestre antes de viajar na maionésica convicção de, em virtude da vendagem de seus livros, fazer jus ao reconhecimento como “vanguarda” (isso foi dito por ele numa entrevista à Veja, citada aqui de  memória).

Mas no fundo a intenção do articulista não parece ter sido análise sociológica nenhuma. O que ele parece ter pretendido foi uma ingerência na seara literária com o argumento risível de que um autor que venda tanto não pode ser analisado “apenas” literariamente. Nesse caso, deveríamos esperar que o autor de O alquimista deixasse de advogar, de maneira tão insistente e obtendo incompreensíveis holofotes para suas falas nesse sentido, o reconhecimento especificamente literário das próprias obras, a ponto de comparar-se a Joyce, pobre homem que arruinou a vida e infernizou um monte de gente para produzir apenas duas estonteantes obras-primas. Um anúncio desse destempero de Coelho é ingrediente fundamental no estofo de O zahir, autolouvação catártica dirigida inequivocamente ao “campo literário” que o articulista propõe seja aggiornatto, tenha seu relógio acertado pela lógica do mercado, talvez pela ideologia da famosidade.

Quem tem inveja?

A falta de argumentos decentes é sintoma amiúde observável entre os que, no mundo letrado, arvoram-se em defensores de Paulo Coelho como escritor. Nem falemos do típico leitor paulocoelhista, pois os próprios livros do autor advogam o desprestígio do intelecto em proveito da “voz do coração” e outras imponderabilidades. Entre os argumentos que tais advogados encontram, seguramente um dos mais invocados é: “os críticos têm inveja” do sucesso de Coelho. Mas um olhar mais detido talvez revele algo muito surpreendente; quem realmente inveja o escritor são justamente aqueles que concorrem alegremente para sua badalação.

Um exemplo. Está um telespectador desprevenido vendo o telejornal “Bom dia, Brasil”, da Globo. Isso em 31 de agosto de 2012. Fechando a edição, uns dez minutos de entrevista com Paulo Coelho, que na época lançava o Manuscrito encontrado em Accra. Ao falar (apenas de passagem) do livro mais recente do autor, Chico Pinheiro disse (ou melhor, recitou, pois a isso normalmente se reduz um apresentador de telejornal) que, apesar de ter sido lançado havia um mês, ele estava na lista dos mais vendidos. Um texto mais isento diria que, depois de um mês de presença no mercado, o livro estava na rabeira da lista dos mais vendidos.

Afinal, faz parte da obrigação de um jornalista levantar dados sobre os fatos que reporta. E qualquer pessoa bem informada sabe que, quando de fato vendia muito, Paulo Coelho chegou a ter, e por várias semanas, três livros simultaneamente no topo da lista da Veja. Ao contrário, o Manuscrito encontrado em Accra estivera em sétimo lugar na Veja da semana anterior, havia caído para nono, ficaria mais uma semana em oitavo e desapareceria de vez da lista. Três semanas, muito longe dos primeiros lugares (e durante meses) de outrora. A reportagem ficou parecendo não ter exatamente uma notícia como foco.

Não apenas pelo não-dito, mas também pelo dito, essa matéria atesta o tipo de tratamento dispensado pela grande mídia aos que logram entrar na maçonaria do sucesso: uma espécie de bajulação simbiótica. Isso porque, ao mesmo tempo em que promove o entrevistado, o veículo confirma para o público a imagem de que “todas as celebridades estão aqui”. Os quase dez minutos da reportagem em questão nada disseram sobre o livro. Ficaram o tempo todo badalando o escritor, mostrando seus teréns milionários, seus hábitos refinados e tudo o que em sua vida pudesse ser pinçado como signo de glamour. Essa, sim, parece uma inequívoca manifestação de inveja. Será a famosa “inveja boa”?

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Eloésio Paulo é professor da Universidade Federal de Alfenas (MG) e autor do livro Os 10 pecados de Paulo Coelho