Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Controvérsias e conflitos entre imprensa e Casa Branca

A assessoria de imprensa da Casa Branca virou notícia, o que quase sempre significa uma má notícia. Em artigointitulado “Obama, o manipulador de fantoches”, o site Politico diz que o governo democrata cada vez mais manipula a mídia americana. Segundo o site, a Casa Branca estaria utilizando as mídias sociais e novas formas de tecnologia para desviar da imprensa e ampliar seu poder direto de comunicação.

Este tipo de comportamento não é algo novo, mas talvez seja mais importante do que se pensa, pois tem o potencial de tornar os governantes menos francos e menos dignos de confiança. O jornalista e fundador do Projeto para Excelência no Jornalismo, Tom Rosenstiel, analisa o fenômeno em artigo publicado no site do Instituto Poynter.

Presidentes reclamam de repórteres desde sempre – Thomas Jefferson se queixou da libertinagem na imprensa em 1809. E muitos presidentes se utilizaram da tecnologia de sua época para passar por cima dos jornais, desde Franklin Roosevelt falando diretamente aos americanos via rádio na década de 30, até Bill Clinton utilizando satélites para ser entrevistado por repórteres de TV locais.

A professora Martha Kumar, do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Towson, que por décadas estudou comunicação presidencial, lembra quando Dwight Eisenhower violou a proibição que não permitia câmeras de TV em coletivas de imprensa. O secretário de imprensa do presidente escreveu em seu diário: “Para o inferno com os repórteres parciais. Nós iremos diretamente à população”.

Veículos menores

Agora, o que o artigo do Politico sugere é que Obama está deixando de lado a mídia tradicional e favorecendo as mídias sociais e a divulgação direta de imagens do fotógrafo oficial da Casa Branca (um cargo que existe há meio século). Os números, no entanto, dizem o contrário. Obama concedeu 674 entrevistas em seu primeiro mandato, o maior número entre todos os presidentes contabilizados, segundo os registros de Kumar.

A questão é que a maioria dessas entrevistas foi dada a repórteres de emissoras de televisão locais (uma especialidade da era Clinton, mas que também foi experimentada por Ronald Reagan e pelos dois Bush). Como o jornalista Michael Calderone, especializado em cobertura de mídia e política, apontou, Obama não concede uma entrevista para o New York Times desde 2010 e para o Washington Post desde 2009. Suas entrevistas para a grande mídia são, em geral, concedidas ao programa 60 minutes, da rede CBS, onde lhe é oferecido mais tempo e mais audiência (cerca de 11 milhões de telespectadores).

Rosenstiel defende que Obama, criticado por “ignorar” a grande imprensa, não está evitando questões difíceis e procurando perguntas leves de jornalistas inexperientes de jornais menores do interior. O fato é que, em um ambiente midiático saturado, o presidente consegue mais audiência através dessas entrevistas.

Kumar explica: em uma semana de fevereiro, Obama concedeu entrevistas a oito emissoras de TV locais. Com a fala do presidente, estas emissoras – como por exemplo a KFOR, de Oklahoma – possuem 10 minutos de conteúdo que será retransmitido durante vários dias, com pedaços em cada um de seus programas jornalísticos. Isso impactará mais aquele mercado do que qualquer entrevista em um jornalão nacional.

Propaganda e mensagem

Na administração clássica da cobertura política, existem duas abordagens básicas. De um lado está o “Modelo Conduto”, em que os líderes utilizam a imprensa como veículo de suas mensagens. O outro modelo é o “Constituinte”, em que oficiais tentam persuadir repórteres de que seu ponto de vista é justo.

Políticos republicanos, historicamente, tendem a seguir o modelo conduto, e os democratas, o constituinte. Todos os presidentes, no entanto, fazem uso dos dois modelos. Só que, hoje, o modelo constituinte perde um pouco sua relevância diante das novas tecnologias, que permitem aos líderes enviar mensagens diretamente a seu público. Além disso, é mais fácil e eficiente mirar na mídia local, e isso direciona os oficiais cada vez mais para o modelo conduto.

“Quando eu estava no cargo, [as mensagens diretas] seriam consideradas propaganda governamental”, diz Ari Fleischer, primeiro porta-voz de George W. Bush. “Mas esta parece ser uma noção antiquada agora”.

Discussão tecnológica

As mídias sociais, no entanto, somam, mas não ofuscam a velha mídia, que dificilmente se tornou irrelevante. Existem limitações para o uso de mídia social: quem te segue no Facebook ou no Twitter são pessoas que já concordam com você. Desta forma, a internet permanece sendo uma ferramenta ótima para organização, mas não para persuasão. “A equipe de Obama utilizou a tecnologia eficientemente para organizar sua campanha, mas ainda não descobriu como governar se utilizando dessa ferramenta”, observa Kumar.

Mais importante é o significado sobre honestidade e o governo, perdido dentro da discussão tecnológica. É isso que preocupa dois antigos secretários de imprensa. “Uma das consequências mais perigosas para a estratégia midiática de Obama é que isso permite que o presidente e outros oficiais acreditem que podem falar e até enganar com impunidade”, diz Marlin Fitzwater, porta-voz de George H. W. Bush e Ronald Reagan.

Fitzwater diz que não acredita que o presidente faria declarações como “não temos um problema de gastos” ou “nós somos a administração mais transparente da história” se “acreditasse que seria pessoalmente questionado sobre suas intenções”.

Mike McCurry, antigo porta-voz de Bill Clinton, compartilha a preocupação de que respeitar a imprensa é uma forma de respeitar o direito do público de ter conhecimento. “Ambos os lados dessa relação de confronto sofrem quando não existe certa confiança básica”.

Ilusões perigosas

Em outras palavras, diz Rosenstiel, é uma ilusão perigosa para os oficiais do governo acreditar que podem passar por cima da imprensa que os cobre diariamente. Também é uma ilusão para a imprensa pensar que ela é a única controladora de informação. O maior prejudicado com estas ilusões é o público.

Um presidente não pode ignorar a relevância da comunicação no espaço digital, mas será menos eficiente se não se expuser aos questionamentos da imprensa. É preciso ter em mente que os correspondentes que acompanham a Casa Branca estão respondendo a uma preocupação pública e fazendo perguntas que as comunidades querem ouvir. Precisamente porque são um tipo de “adversário”, esses repórteres são capazes de oferecer um senso de realidade para a maior fraqueza de todos os líderes: a tentação de só ouvir aqueles com quem concordam.