Não faz muito tempo, me queixei aqui da falta de talentos literários na crônica esportiva (“Futebol brasileiro carece de defesa com estilo”) e de como a ausência de um Nelson Rodrigues era proporcional à carência de craques no gramado. Confesso que a interrupção do blog de José Roberto Torero, um dos melhores cronistas em atividade, contribuiu para meu balanço pessimista. Ultimamente, porém, algumas colunas têm resgatado o prazer de um bom texto sobre futebol, ainda que para isto tenha entrado em campo nada menos que Luis Fernando Veríssimo, que usou o pendor criativo herdado do pai para defender a superioridade de Pelé frente a Messi e Maradona na crônica “Sem exagero” (Estadão, 14/03/13): “Volta e meia, vem a discussão. Pelé era mesmo tudo que se diz dele? O Maradona era melhor? O Messi é melhor? Meu testemunho não interessa. Ele reinou quando já havia vídeo tape. Seus feitos estão bem documentados. Você não precisa recorrer à literatura para contar às crianças como era seu futebol – ao contrário das façanhas de gente como Ademir e Zizinho, que ficaram na memória dos velhos em filmes desbotados, nenhuma das duas coisas muito confiáveis. E o grande mérito de Pelé é que ele resiste ao vídeo tape completo. Se tivesse ficado só em filme, só os seus grandes momentos estariam registrados. Já o vídeo tape completo traz tudo: o passe errado, o tombo sentado, a chuteira desamarrada. E Pelé resiste aos detalhes. Ele era bom até amarrando a chuteira.”
Também escritor, Xico Sá foi o autor na Folha (30/03/13) de outro bom momento da crônica esportiva nacional. Em “Estatística como superstição”, ele sapeca: “Digo, sem temer a hipérbole, homem que é homem berra o exagero desde o choro de nascença: a nossa crônica esportiva está matando a possibilidade de sermos nós mesmos em matéria de futiba. Só pensam na Europa e isso contamina tudo. Cadê a mamadeira? Cadê a mãe, velho Édipo, cadê a várzea? Aqui ruminando o meu capinzim mental vos digo: a ideia da vida é Mirassol. Meter seis sem saber quem está do outro lado.” Xico Sá foi um dos responsáveis por fazer dos Saia Justa masculinos programas mais interessantes que os femininos.
Ensaio midiático
Em matéria de textos de jornalistas propriamente ditos há que se destacar os de André Kfouri. A crônica “Eclipse”, no Lance! (14/03/13), foi a melhor sobre o jogo entre Barcelona e Milan da mídia esportiva, escrita com concisão e estilo elegante. Diferente da plataforma deslumbrada que costuma ornamentar as crônicas de vitórias do Barcelona pelos mesmos cronistas que antes já davam o time catalão como decadente pela sucessão de maus resultados. André domina a forma, que talvez deva à mãe. O que o compromete muitas vezes são os conteúdos eurocêntricos, influência do pai.
O tema de Xico Sá tem sido recorrente em minhas análises (“Eurocêntricos em campo”, “Omissão e preconceito”), mas vem sendo ponderado pela contribuição dos internautas. Um deles (Ibsen Marques) assinalou o interesse comercial por detrás deste culto ao futebol europeu. E não é por acaso que uma das bases dos eurocêntricos é a ESPN, que só transmite os campeonatos estrangeiros (a Copa do Brasil ainda não começou). Foi lá que um comentarista afirmou que “à exceção da partida entre Fluminense e Grêmio, o futebol brasileiro não produziu uma única boa partida nos últimos dois meses”. Ainda que as boas partidas na Europa nos últimos meses também se possam contar nos dedos, tivemos bons jogos entre Atlético Mineiro e São Paulo, Corinthians e Tijuana, Corinthians e Palmeiras, Atlético Mineiro e Arsenal de Sarandi, Vasco e Fluminense e, para desmenti-lo ato contínuo, Mirassol e Palmeiras e XV de Piracicaba e Ponte Preta, São Paulo e Corinthians. De modo que o eurocentrismo vem coroado por uma espécie de sabujismo, de agrado do comentarista à emissora que o emprega.
Espinafrar o futebol brasileiro faz parte de um ensaio midiático que os jornalistas classe média neoliberais vêm aprimorando (tudo está muito ruim: a seleção não ganha de ninguém, Dilma está com a popularidade lá em cima, o Corinthians é campeão mundial).Para completar, a CBF perdeu ótima ocasião de entregar a seleção a Guardiola e Felipão esnoba a sugestão de Pelé de usar a base do timão: prefere usar a base do Chelsea, que foi vencido (categoricamente) por esse mesmo Corinthians há coisa de quatro meses.
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Silvia Chiabai é jornalista