Os sertões – reportagem escrita pelo jornalista, sociólogo e escritor Euclides da Cunha (1866-1919) e publicada em O Estado de S.Paulo, em 1902, foi certamente um marco na história do jornalismo brasileiro e das relações do jornalismo com a literatura. Euclides da Cunha era um simples repórter de geral, especializado em cobertura de eventos políticos, mas com uma percepção social tão extraordinária que logo ele ganhou o título de sociólogo.
Talvez por isso tenha sido designado pela direção do jornal paulista para cobrir a então chamada Guerra dos Canudos – um conflito sócio-político-religioso em que seu líder principal, o religioso Antonio Conselheiro, representava uma ameaça aos donos do poder, à monarquia ou ao que havia sobrado dela depois da Proclamação da República, que mandou o exército brasileiro invadir Canudos para evitar a manobra nacionalista-separatista: Antonio Conselheiro queria separar os brasileiros do litoral dos do sertão.
Ao chegar ao interior da Bahia, onde ficava Canudos, Euclides logo traçou uma visão etnográfica do local e das pessoas, da época, dos hábitos e costumes. Porém procurou aprofundar seu olhar sobre esse tipo de sociedade, ao traçar, nas primeiras matérias, uma visão panorâmica contextualizada com a sociedade brasileira. Construía um painel de sua complexidade a ponto de a reportagem transformar-se, ao final, por si só num romance social.
Questão de cidadania
Com isso, Euclides da Cunha inaugurava um tipo de romance realismo/super-realismo, cujo estilo, mais tarde, nem o naturalismo de Aluisio Azevedo (1857-1913), com seu O Cortiço, viria abalar. Da mesma forma, nem as aventuras de Lampião pelos sertões relatadas por alguns autores, como Nertan Macedo, nem as fantasias religiosas de Padre Cícero a ocupar o imaginário popular, alcançariam os pés de Os sertões.
Ao promover a reforma do seu jornal, os Mesquita deixaram de lado o passado e o presente do caderno de cultura, como se ele não tivesse sido inspirado por grandes nomes, como o do próprio Euclides da Cunha.
A operação denunciada por Alberto Dines neste Observatório (ver “Quem matou o ‘Sabático’?”), montada para ocultar a manobra anticultural estapafúrdia, não merece apenas o repúdio do segmento literário brasileiro, mas de todas as pessoas preocupadas com a cidadania neste país.
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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor