Uma celebridade internacional desembarcou do navio RMS Alcântara no porto do Rio de Janeiro em agosto de 1936. Vários jornalistas se amontoaram para registrar as palavras e as primeiras imagens de um dos maiores escritores do século 20 em solo brasileiro.
Apesar da febre que provocou no Brasil, o novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta e biógrafo austríaco Stefan Zweig (1881-1942) ainda é pouco conhecido pelos brasileiros. Muitos reconhecem e repetem o epíteto que Zweig deu ao Brasil em livro, sem saber que é dele a autoria: “um país do futuro”.
Agora, no ano seguinte de terem sido completados 70 anos da morte do escritor, sua obra entra em domínio público, ou seja, qualquer editora poderá traduzir e publicar seus livros sem pagar direitos autorais. Com isso, os brasileiros ganham uma nova chance de explorar os escritos de Stefan Zweig.
A Zahar lança a biografia Maria Antonieta, livro que desde 1981 não recebe nova edição no Brasil.
Outros dois volumes estão para sair pela editora: Mundo Insone (previsto para este ano), coletânea de ensaios de Zweig, alguns inéditos, e Três Novelas Femininas, que traz “Cartas de uma Desconhecida”, “Medo” e “24 Horas na Vida de uma Mulher” –as duas últimas, editadas ainda pela L&PM.
Já a Rocco lança a quarta edição de Morte no Paraíso – A Tragédia de Stefan Zweig, do jornalista e escritor Alberto Dines. O livro, de 1981, foi ampliado e tem novo prefácio.
A Zahar e a Rocco promovem nesta semana, no Rio e em São Paulo, lançamentos conjuntos e debates sobre os livros.
A L&PM também reedita o livro mais polêmico de Zweig. Quatro anos depois de passar alguns dias no Brasil, Zweig e a mulher, Lotte, fixaram residência em Petrópolis numa pequena casa na rua Gonçalves Dias, 34, onde moraram até fevereiro de 1942, quando se suicidaram.
Um ano antes, Zweig publicou Brasil, um País do Futuro. Por causa da obra, um retrato um tanto ingênuo e otimista do Brasil, foi execrado e tachado de simpatizante de Getúlio Vargas e do Estado Novo (1937-1945).
“O governo brasileiro soube tirar proveito [do livro]. Os opositores do governo atacaram Zweig porque não tinham coragem de enfrentar Vargas ou porque faziam negócios com ele”, explica Dines. “Não foi esse massacre público”, porém, “que fez com que Zweig e Lotte se matassem. Foi a chegada da guerra ao Brasil [o rompimento com o Eixo].”
Zweig, judeu que deixou seu país natal por causa do conflito, era um pacifista nato. Queria estar longe da Europa para ficar distante da guerra. Não queria nem falar sobre ela.
Dines afirma que o suicídio de Zweig era inevitável, mas que a data foi precipitada. O biógrafo diz ter “evidências claras” de que o fator determinante para o suicídio do casal foi o afundamento do navio brasileiro Buarque na costa americana, dias depois do Carnaval de 1942.
“Zweig foi ao Rio no Carnaval e ficou hospedado na casa do [editor Abrahão] Koogan. Na terça, voltou a Petrópolis. E, na sexta [após o naufrágio do Buarque], avisou ao editor que queria encontrá-lo para tratar de negócios, quando passou os direitos de sua obra para Koogan”, conta Dines. “Foi algo planejado.”
Importância
Traduzido para diversas línguas e com inúmeros filmes baseados em sua obra (mais de 40, pelas contas de Dines), Stefan Zweig foi o principal autor a escrever biografias e novelas pelo viés da psicanálise.
Para o americano Benjamin Moser, que assina a biografia de Clarice Lispector e que agora prepara a de Susan Sontag, “seria muito bom que o domínio público despertasse o interesse dos leitores. Zweig é um grande escritor que poucas pessoas leram”. Na França, para onde Moser viaja com frequência, a popularidade dele é enorme.
O suicídio de Zweig, diz Moser, fez dele uma “pessoa um pouco patética”. “Mas acho impressionante a atualidade de O Mundo que Vi. Maria Antonieta é um clássico. Stefan Zweig é um escritor que ainda pode encantar muitas gerações”, afirma o escritor.
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Editora brasileira de Zweig trocou ficção por técnicos
A editora Guanabara, responsável pela publicação da obra completa de Stefan Zweig no Brasil, é hoje uma das maiores editoras de livros de saúde do país.
Fundada no Rio em 1932 por Abrahão Koogan (1912-2000), a Guanabara foi a primeira editora no Brasil a publicar Sigmund Freud e, com a Larousse, trouxe ao Brasil as primeiras enciclopédias.
Amigos, Koogan e Zweig trocaram cartas desde a fundação da editora, mas só em 1935 a Guanabara passou a editar o austríaco.
Hoje, a Guanabara Koogan integra o Grupo Editorial Nacional, holding fundada em 2007.
É uma das maiores editoras de livros da área da saúde, com um catálogo de mais de 800 títulos. Entre eles, hoje não constam livros de ficção.
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Casa de cultura ainda espera ajuda governamental
A casa em que Stefan Zweig e sua mulher, Lotte, viveram em Petrópolis, entre 1940 e 1942, foi comprada em 2006 por um grupo de admiradores do escritor austríaco.
No ano passado, foi inaugurada a Casa Stefan Zweig (CSZ), centro cultural dedicado à memória do escritor e de outros refugiados no Brasil.
Lá estão uma cópia da máscara mortuária de Zweig, feita por um artista de Petrópolis horas depois das descobertas dos corpos, e uma reprodução da carta que Zweig deixou. O projeto, capitaneado pelo jornalista e biógrafo Alberto Dines, não recebeu ainda uma ajuda financeira oficial.
A CSZ foi incluída no edital 15/2012 da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, mas a verba ainda não foi disponibilizada.
“A Casa Stefan Zweig espera receber ainda neste mês a primeira parcela dos R$ 250 mil que permitirão ampliar a oferta cultural na casa”, afirma Kristina Michahelles, tradutora de Zweig e uma das responsáveis pelo local.
A CSZ fica aberta ao público de sexta a domingo, das 11h às 17h. Está em cartaz até julho a exposição sobre o livro Brasil, um País do Futuro, além da exibição de filmes como “Os Últimos Dias”, que reconstitui os meses que Stefan Zweig e Lotte passaram na casa, e “Xadrez”, sobre novela homônima.
“A casa funciona três dias na semana, mas talvez passe a funcionar só dois por falta de recursos. Precisamos pagar os funcionários por cada dia em que ela fica aberta, se não tivermos condições, vamos ter que fechar as portas em um desses dias”, conta Dines. “Só ajuda financeira de pessoas físicas, que contribuem de forma extraordinária.”
Michahelles diz que a ideia é que a CSZ tenha pelo menos uma exposição nova por ano.
“Temos planejadas mostras sobre o expressionista judeu alemão Wilhelm Wöller (1907-1954), exilado no Brasil, cuja arte foi considerada degenerada' na Alemanha, e outra sobre Giuseppe Mario Germani (1896-1978), italiano que Zweig salvou de ser morto pelo fascismo de Mussolini”, diz ela.
Edição de livros
Além das obras que estão sendo lançadas por editoras comerciais, a Casa Stefan Zweig planeja editar algumas obras escolhidas do escritor.
Entre elas estão Xadrez, novela escrita por Zweig em Petrópolis, a autobiografia O Mundo que Eu Vi, a biografia Joseph Fouché – Retrato de um Homem Político e “Coleção Invisível”, conto do austríaco foi adaptado para o cinema pelo diretor francês radicado na Bahia Bernard Attal – último trabalho do ator Walmor Chagas (1930-2013).
A CSZ pretende ainda lançar uma conferência inédita de Zweig feita no Rio em 1936, e uma edição fac-símile da agenda do escritor austríaco encontrada na casa em Petrópolis, com a qual serão editados comentários de Dines sobre a relação de Zweig com os nomes citados pelo escritor em sua caderneta.
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Guilherme Brendler, da Folha de S.Paulo