Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Apple supera PCs em lucros com computadores

Um artifício fiscal colocou a Apple à frente dos cinco maiores fabricantes de computadores pessoais em lucros com vendas de PCs no quarto trimestre de 2012, informou a revista Forbes (18/4). Tim Worstall, o autor da matéria, pareceu um tanto indignado ao comentar o fato: “Este é um daqueles números terrivelmente reveladores sobre negócios”, afirmou o autor. O Channel Register (17/04) publicou a matéria completa:

“Coletivamente, HP, Lenovo, Dell, Acer e Asus venderam 52,8 milhões de caixas, equivalendo a 58,6% por unidade em todo o mundo, lançando uma sombra nos 4,6 milhões dos Macs da Apple – que constituem uns meros 7% de participação por unidade vendida.”

Paul Kunert, autor do artigo, explicou que “na métrica da contabilidade, o Mac engoliu 45% dos lucros operacionais do mercado”. A Dell fica com 13%, a HP com 7%, a Lenovo e a Asus com apenas 6% e a Acer, na lanterna, com 1% apenas.

O romeno especialista em análises sobre o desempenho da Apple, Horace Dediu, que já foi coroado pela CNN Money como o “novo rei das análises da Apple”, revelou que os analistas de sua empresa chegaram a este número “derivando a margem bruta de 26% e adicionando despesas com vendas, despesas gerais, administrativas e pesquisa e desenvolvimento de 7,1% das vendas”:

“Isso levanta uma margem operacional de 18,9%. Se esta estimativa for considerada, então os lucros operacionais de operações de PCs sugerem que a Apple gera mais lucro que todas as cinco maiores vendedoras de PCs combinadas.”

Manipulação de relatórios financeiros

O que Dediu fez, para conseguir esse magnífico resultado para a Apple, foi usar um procedimento contábil: capitalizar despesas (que usualmente entram na conta como custos de produção). Ele capitalizou dispêndios em pesquisa e desenvolvimento e as despesas gerais e administrativas (como folhas de pagamento a funcionários, propaganda, viagens e entretenimento). E isso só pode ser feito sob condições específicas.

Aswath Damodaram, professor de finanças na Escola Stern de Negócios na Universidade de Nova York, explica que é necessário cuidado com a capitalização destas despesas: “Para uma despesa operacional ser capitalizada, deve haver substancial evidência que os benefícios da despesa aumentem em múltiplos períodos” (Investment Valuation, Tools and Techniques for Determining the Value of Any Asset, University Edition, 2001). É bom lembrar também que o órgão regulador da contabilidade americana proíbe a capitalização de pesquisa e desenvolvimento “graças à dificuldade em quantificar lucros futuros.”

No caso da Apple, as vendas caíram no início de 2013, informou a rede de tecnologia e notícias The Verge (24/01). Mas os lucros aumentaram, segundo o analista da Apple. Terá Horace Dediu acertado em sua operação contábil? Vamos ter que esperar algum tempo para saber. Não há como prever se os lucros da Apple vão continuar a aumentar, se vão diminuir ou o quê. Não podemos esquecer que muitas vezes as firmas capitalizam essas despesas para efeitos de manipulação de relatórios financeiros. Mas desde já podemos tirar algumas conclusões.

Supremacia absoluta da Apple

A Apple foi a única fabricante de computadores a firmar-se como tal. Todas as outras marcas nunca tiveram como competir com as vendas de PCs clonados sem marca. Que sempre foram mais baratos e formavam a maioria do mercado até agora. A Apple aumentou a sua participação nos lucros do negócio porque manteve um perfil conservador como fabricante ao longo do tempo. Perdeu a “guerra dos PCs” nos anos de 1990 e quase faliu no final dessa década. Mas voltou em glória nos braços da tecnologia móvel e do design que ela tanto valoriza e cuida.

Organizada verticalmente, e já tendo terceirizado a maior parte de suas linhas de produção, a empresa trata o produto digital como um produto ordinário da indústria: patentes secretas e tecnologia proprietária, envoltas na tradicional embalagem da Apple. Mas o PC não é um produto como os outros. A conta do analista deixou de fora a enorme parcela do mercado ocupada pelos PCs genéricos, os computadores sem marca montados em lojas de informática (ou por técnicos) de acordo com as preferências e configurações do comprador. Não são computadores de marca, que sempre foram minoria no mercado graças a seus custos mais elevados.

Se não levarmos em conta as vendas de PCs genéricos, a conta de Dediu demonstrará sempre o que já demonstrou: a supremacia absoluta da Apple. O analista romeno é acionista da Apple. Esta pode dar-se ao luxo de vender menos e lucrar mais. Com ou sem operações duvidosas de contabilidade, a Apple, com sua filosofia empresarial conservadora de autarquia high-tech dificilmente vai ser superada por algum outro fabricante.

Entretenimento e trabalho

Os lucros impressionantes da Apple nas vendas de PCs acontecem no exato momento em que muitos pregam o fim definitivo do computador de mesa. Mas poucos lembram que, sem os PCs, o setor de produção de conteúdos ficará tremendamente enfraquecido. Com essas máquinas grandes (que o modismo desenfreado da mobilidade condenou a extinção), podemos editar e criar filmes, trabalhar com áudio e imagens de forma profissional e realizar outras tarefas impossíveis de serem feitas num tablet ou qualquer outro gadget móvel. O PC é uma máquina de trabalho, que ainda pode servir como entretenimento. Quem precisa de produtividade vai sempre escolher o PC.

O consumidor parece ter escolhido o entretenimento em detrimento do trabalho. O que faz sentido, visto que muito poucos usuários da web produzem conteúdos. Mas acreditar que chegou a hora final do PC é adiantar-se à História. Ainda há muito para essas máquinas fazerem. E a demanda institucional por estações de trabalho (workstations) não vai acabar agora. A preferência institucional sempre será pressionada na direção do menor custo. E é difícil acreditar que a Apple tenha interesse neste nicho de mercado.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor