Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O detalhe que faz diferença

A inflação oficial, medida pelo IPCA, chegou a 6,59% nos 12 meses terminados em março e estourou o limite da margem de tolerância (6,5%). Uma alta de juros, a primeira desde julho de 2011, foi a resposta do Comitê de Política Monetária (Copom) na reunião encerrada na quarta-feira (17/4). O aumento, de 7,25% para 7,5% ao ano, foi decidido por seis votos contra dois. Boa parte do mercado financeiro considerou a medida tímida e essa opinião foi reforçada pela divergência entre os votantes. Dois integrantes do comitê haviam sido favoráveis à manutenção da taxa.

Os operadores passaram a agir com base na expectativa de uma ação moderada e lenta das autoridades monetárias nos meses seguintes. O cenário mudou, no entanto, na sexta-feira (19/4) à tarde, quando os juros no mercado voltaram a subir. A Agência Estado havia divulgado uma novidade importante. Falando em Washington, um dos membros do Copom havia explicado por que havia votado contra a elevação da Selic, a taxa básica de juros.

O economista Luiz Awazu Pereira da Silva, diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) e participante do comitê, descreveu a inflação brasileira, em uma palestra para investidores internacionais, como “alta, difusa e persistente”. Se é esse o caso, por que votou contra a elevação da taxa? Por uma questão de timing, isto é, de momento, explicou o diretor. Diante das condições internacionais e das perspectivas de acomodação de alguns preços no Brasil, seria conveniente, segundo ele, esperar um pouco mais antes de mexer nos juros. “É uma questão de quando e não de se”, disse Awazu. Em outras palavras, havia mais que seis diretores do BC favoráveis à alta da Selic. A discordância era em relação à oportunidade. O mercado reagiu com rapidez a essa notícia.

Dados enganadores

Todos os grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro mencionaram a fala de Awazu na edição do dia seguinte, sábado (20), e todos citaram sua referência à inflação alta, espalhada e persistente. Mas só o Estado de S.Paulo registrou a explicação do voto dissidente, isto é, a questão do timing. Além disso, esse foi o ponto principal da matéria, mencionado num subtítulo e destacado num box. Era, de longe, a informação mais importante, mas só apareceu no material assinado pelo correspondente Altamiro Silva, da Agência Estado.

A relevância da notícia depende, com frequência, de pormenores como esse, menosprezados na maior parte das matérias. O detalhe crucial pode ser perdido pelo repórter, já na cobertura, ou cortado na edição apressada. A comunicação entre o repórter, o preparador do texto final e o editor pode ser assustadoramente falha. Isso ocorre, também com frequência, na relação entre o pessoal da sede – pauteiros e editores – e os correspondentes, muitas vezes sobrecarregados de pautas ou simplesmente esquecidos e órfãos de orientação.

De modo geral, os grandes jornais produziram material satisfatório sobre a última decisão do Copom. Além disso, o tratamento da inflação tem mudado, com mais atenção a detalhes como o índice de difusão. Esse item foi pouco destacado na maior parte da cobertura, no ano passado, embora a disseminação dos aumentos de preços tenha ficado com frequência acima de 65%. Neste ano, o próprio BC passou a destacar esse detalhe em suas análises. A imprensa foi atrás.

Mas o noticiário continua destacando, embora com mais cuidado, a figura do “vilão da inflação”, como se o encarecimento de alguns produtos, como o tomate, explicasse a alta geral de preços. O acompanhamento do sobe e desce de alguns valores pode ser interessante, mas também pode ser enganador para o leitor desprevenido. Inflação é um fenômeno bem mais complicado.

Mais relevante

Ciclos de alta podem ser deflagrados por choques de oferta, mas a generalização e a persistência dos aumentos dependem de outros fatores, como as condições do crédito, a capacidade e a disposição de compra dos consumidores, as possibilidades de repasses e, é claro, as expectativas de empresários, investidores e famílias. Com mais atenção a esses pontos, a cobertura tem ficado mais complexa e menos ingênua.

Um bom exemplo de como tratar o ambiente inflacionário foi a matéria publicada na capa do caderno Empresas do jornal Valor na sexta-feira (19/4). A reportagem explora, além de aumentos recentes em segmentos importantes do varejo, os reajustes negociados ou em negociação entre redes do comércio e indústrias de eletroeletrônicos e do setor de alimentos. O avanço de negociações desse tipo é muito mais importante como descrição do processo inflacionário do que todos os detalhes sobre a escassez temporária de tomates ou de feijão.

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Rolf Kuntz é jornalista