Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Como se mede a homofobia?

Cena 1: No palco do Programa Raul Gil, veiculado pelo SBT, na companhia de dois convidados humoristas da casa, o apresentador principal ri de uma piada improvisada: “A maior desgraça na vida de um jardineiro é ter um filho ‘florzinha’”. E do complemento: “E uma filha ‘trepadeira’”. Todos caem na gargalhada.

Cena 2: Num dos blocos do programa que leva seu nome, Jô Soares entrevista um ator armênio e acha graça quando o convidado cita a possibilidade de haver, em seu país de origem, indivíduos que optem por casar com pessoas do mesmo sexo. Um casal formado por dois armênios? Risada total, inclusive na plateia.

Cena 3: No ímpeto de demonstrar suas melhores características, um dos convidados do programa dominical apresentado por Eliana, no quadro em que o principal objetivo é formar casais, um rapaz define-se às pretendentes como “multiuso”. A apresentadora, querendo saber exatamente o significado da expressão, questiona: “Mas… Você gosta só de meninas, né?” Diante da resposta enfaticamente afirmativa, Eliana solta um: “Ufa, que susto!”

O manifesto dos cartunistas

A pergunta que as três cenas provocam é: qual dos casos, transmitidos em TV aberta nas últimas semanas, despertou a fúria dos ativistas gays por suspeitar o que tem sido chamado de comportamento homofóbico? A resposta pura e simples: Nenhum deles. Não fosse um ouvido mais aguçado do telespectador, na verdade, qualquer dos três teria passado batido. Em contrapartida, desde que foi nomeado presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados, o pastor-político Marco Feliciano (PSC-SP), eleito com mais de 211 mil votos em 2010, vem sofrendo duras críticas da sociedade e da mídia por uma postura supostamente racista e homofóbica.

A acusação de homofobia, que tem sido infinitamente mais explorada pela imprensa, levou cidadãos às ruas e provocou protestos por parte de personalidades, como a cantora Daniela Mercury, que, impulsionada pela polêmica, resolveu assumir seu casamento gay com a jornalista Malu Verçosa. Daí, foi um passo para que colegas de profissão e afins se unissem e a apoiassem, postando fotos nas redes sociais do que se chamou de “beijaço coletivo”.

Embora o assunto pareça ter esfriado um pouco nos últimos dias, em sua edição de 25 de abril, a Folha de S.Paulo exibiu o manifesto de cartunistas apoiadores da causa gay que se retrataram beijando o colega Laerte, talvez o praticante de crossdressing – fenômeno em que o indivíduo agrega peças do vestuário do sexo oposto ao seu figurino sem que isso interfira exatamente no seu comportamento sexual – mais famoso do país.

Live pensar

No mesmo ritmo, a impressão geral que se tem da mídia é a de reprovação às atitudes do deputado, não só nas páginas de jornais e revistas, como nos perfis de redes sociais e nos programas de TV. Seria a famosa cortina de fumaça dando o ar da graça mais uma vez? A exceção mais gritante foi a manifestação da âncora do Jornal do SBT, Rachel Sheherazade, a jornalista que, por vezes – a maioria delas, na verdade –, mescla as funções de informação com opinião e não segura a língua quando quer dar seu pitaco a respeito de assuntos polêmicos. Dia desses, após noticiar mais um capítulo da “novela Feliciano”, Rachel sugeriu que, com o mesmo ímpeto com que foram às ruas protestar, invadiram o plenário para tentar impedir sessões e se beijaram ignorando barreiras sexuais, reles mortais e celebridades se unam para reivindicar a renúncia de políticos ainda em atividade envolvidos no Caso Mensalão. Concordando ou não com as opiniões do pastor ou com a ousadia da repórter, a ideia parece um bom e inteligente negócio, uma vez que o deputado já declarou que se os mensaleiros renunciarem, ele também deixa o cargo.

Alexandre Garcia foi outro dos poucos que teve coragem de se manifestar a favor do deputado quando levantou a questão de que não existe crime de opinião no Brasil. Se Marco Feliciano está sendo punido por ter uma opinião contrária à união de pessoas do mesmo sexo, não há crime. A menos que se passe para o estímulo à violência ou práticas do tipo. Pensar o que se quer e poder expressar isso, por enquanto, ainda é livre em terras verde-amarelas. Caso contrário, os manifestantes, os ativistas, as personalidades e todos mais que quiseram se engajar a defender a causa LGBT podem começar a produzir cartazinhos e ensaiar palavras de ordem solicitando que Eliana, Jô e Raul se despeçam da telinha e saiam do ar. Quem se habilita?

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Taís Brem é jornalista, Pelotas, RS