Acostumados a ver, até então, uma relação de amor entre os veículos de comunicação e as empresas de redes sociais, muitos internautas foram pegos de surpresa com a decisão das Organizações Globo de não colocar mais links e diminuir drasticamente o volume de conteúdo que divulga no Facebook. A medida, tomada em abril, atingiu os perfis do jornal O Globo, revista Época e G1, entre outros canais de informação do conglomerado.
Em um primeiro momento, o impacto maior foi deparar com esse modelo de postagem sem link, que geralmente traz apenas uma imagem e uma indicação para que leitor entre no site do veículo e procure a notícia que o interessa – um trabalho braçal que parece fugir da lógica da cultura da internet com a qual estamos (mal-) acostumados. Irritados com a situação, alguns internautas chegam publicar links de reportagens de empresas concorrentes nas fanpages do grupo.
Embora pareça ir contra a maré, a atitude das Organizações Globo sinaliza um conflito comercial que pode se tornar mais evidente daqui em diante: os veículos de comunicação, que têm seu modelo de negócios baseado na produção de conteúdo, acabam abastecendo as empresas de redes sociais com esse mesmo conteúdo, “de graça”. No pacote também estão inclusos os fãs (ou curtidores) que as fanpages das empresas de jornalismo arrebanham, um público que entra na roda das relações comerciais que o Facebook estabelece com seus anunciantes. Quem anuncia na rede criada por Mark Zuckerberg pode filtrar o nicho que quer atingir com ferramentas extremamente refinadas e se utilizar inclusive de um mercado estrategicamente construído pela fanpage de uma marca específica, ou, no caso, de um veículo de comunicação.
Relação em risco?
O fator comercial foi uma das razões que motivou a decisão, de acordo com o CEO da Globo.com, Juarez Queiroz. Em notícia publicada no portal do Meio&Mensagem na quarta-feira (8/5), ele também explicou que o tráfego que vem da rede social não é muito significativo para o conglomerado. A observação de que o Facebook faz uma espécie de edição do que chega ao news feed dos usuários também contribuiu para a atitude de reduzir o conteúdo divulgado no Facebook – segundo Queiroz, o conglomerado chegou à conclusão de que nem todo o material que seus produtos publicam nas fanpages chega a todos os seus fãs.
A decisão das Organizações Globo, que por enquanto atinge apenas o Facebook (no Twitter, Google Plus e Instagram o ritmo de postagem é o mesmo de sempre) pode trazer alguns questionamentos sobre o futuro da relação entre empresas de redes sociais e os veículos tradicionais de comunicação. O primeiro deles, já explicitado acima, é a própria questão comercial, que talvez não tenha sido avaliada quando a imprensa se inseriu em peso nesses softwares sociais, entre 2008 e 2009. Em uma trajetória perfeitamente normal em termos de descobertas, não daria mesmo para filosofar muito sobre o devir e os veículos de imprensa foram descobrindo as possibilidades de interação, proximidade e diálogo que podem ser estabelecidos com o público por meio dessas novas ferramentas.
Enquanto isso, as empresas criadoras dessas redes sociais foram se firmando e estabelecendo mecanismos para monetizar a audiência que conquistavam, criando e adaptando modelos de negócios, como vemos no Facebook e Twitter. O lance é que, em contrapartida, os veículos de imprensa continuam, de certa forma, patinando no terreno ainda nebuloso da internet, buscando formas de se sustentar nesse espaço, testando fórmulas como o paywall etc.
De um lado, há um Facebook e um Google que descobriram como se sustentar nesse “novo mundo”, tendo o conteúdo gerado pela imprensa como uma espécie de “aliado”. Do outro, estão as empresas de comunicação tentando sobreviver. É uma lógica que talvez a decisão das Organizações Globo traga à tona. Como disse um dos meus professores do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp, Rafael Evangelista: “A Globo se ligou que o Facebook é uma empresa de mídia, tanto quanto ela”.
Abandonar as redes?
Fazendo um exercício de desapego e deixando a questão grana um pouco de lado, parece lógico que a inserção da imprensa nessas redes sociais trouxe grandes possibilidades tanto para os veículos de comunicação quanto para o público. Nesses ambientes, a ideia é que empresa e seus leitores interajam mais, criando uma relação de proximidade.
Podemos pensar também em um espaço para mais participação do público no noticiário: as redes sociais podem ser a verdadeira porta de entrada para um jornalismo mais colaborativo e até menos arrogante. Porém, como todos nós podemos notar, isso ainda não aconteceu – há uma interação tímida e, ao que parece, pouco explorada.
Talvez porque as redes sociais, até o momento, estão sendo utilizadas como um grande feed, em que se despeja milhares de links por dia. Quem sabe, deixando um pouco de lado a ânsia por divulgar conteúdo a todo o momento, exista mais espaço para novas formas de interação entre jornalistas, jornalismo, veículos de comunicação e seu público? Isso, claro, se a gente considerar que a imprensa continuará inserida nessas empresas de redes sociais por muito tempo.
Cada um na sua
Diante do cenário que emerge, é impossível não pensar na possibilidade de que cada veículo crie sua própria rede social. Por que não? Tudo bem, sabemos que o jornalismo não costuma carregar em seu DNA uma cultura empreendedora forte, mas o exercício de imaginação vale a pena. As pessoas que se identificam com a linha editorial de determinado veículo poderiam se cadastrar em sua rede, que teria espaço para debates e uma interação forte com determinado nicho de público.
Já quem gosta mais da revista Y poderia se cadastrar na rede social que ela ofereceria, com possibilidade de conhecer novas pessoas que têm interesses semelhantes e assim por diante. Uma pessoa também poderia se cadastrar em mais de uma dessas plataformas “jornalístico-sociais”. Nesses ambientes virtuais poderia até haver mecanismos mais eficientes de participação na produção e construção de notícias, espaços para divulgar para o público documentos que foram utilizados em grandes reportagens (como o WikiLeaks faz) etc. Enfim, as possibilidades são inúmeras quando se pensa em um jornalismo que crie novas tecnologias e ferramentas e que não seja apenas usuário delas.
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Sarah Costa Schmidt é jornalista e mestranda em Divulgação Científica e Cultural no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp