Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma linha tênue

Ao se discutir ética e sua relação com a comunicação, devem-se abordar questões fundamentalmente teóricas e críticas, pois a ética tem um desdobramento prático muito importante naquilo que os filósofos chamam de mundo da vida. O desenvolvimento de demandas éticas contemporâneas é um desafio para toda sociedade diante das características do tempo presente: fim das metafísicas como grandes orientadoras das narrativas do mundo; o individualismo pungente e as tecnologias aliadas ao relativismo cognitivo/moral; o consumismo e o capitalismo apresentando-se como único modo de viver em sociedade; e o niilismo com sua desconstrução de valores, o vazio narcisista apresentado pelos meios de comunicação social e as instituições.

Para pensar e compreender isso, primeiramente, deve-se remeter à classificação que os gregos davam à ética: ramo dos estudos da filosofia e/ou modo de vida (eudaimonia) para assim entender como a ética e a comunicação possuem um papel importantíssimo no que diz respeito à valorização dos sujeitos comunicacionais, bem como à qualidade tão requerida pelos profissionais em seu papel social na contemporaneidade.

No primeiro instante estão Sócrates e Platão, que imprimiram na filosofia o caráter metafísico da ética, que pode ser entendida como um conjunto de “costumes” e “hábitos”, fundamentalmente ligada à teoria do Bem, ou seja, agir bem implica em conhecer intelectualmente o “bem supremo”, por isso ela é primeiramente uma relação intelectual, e não uma ação prática. Tal procedimento está ligado à tradição da busca da verdade, do que é justo e bom, e não em uma prática cotidiana.

A vertente moral da ética

Sem deixar esse caminho teorético, Aristóteles imprime uma forma mais factível para os comuns mortais: a ética como forma de vida virtuosa “caminho do meio”, ligado a uma vontade. Além dele os movimentos estoico e epicurista defendiam a relação da ética com a vida feliz (eudaimonia) e a realização do sujeito ético em comunhão, em comunidade, passando por uma posição de vida. A Ética é uma prática, uma filosofia de vida, um filosofar constante e contínuo.

Após o período da antiguidade, a ética tornou-se ponto de reflexão de inúmeros filósofos, que, de uma forma ampla, faz surgir duas correntes éticas: uma voltada para “vida feliz/boa” e outra “imperativo categórico”, formando daí tradições que se convergem ou se apartam, dependendo da perspectiva da aplicação ética, do contexto social e do interesse dos sujeitos. Assim, a ética aplicada no mundo da vida pode se apresentar como duas frentes distintas: teleológica (finalidade) ou deontológica (ação).

A ética aplicada com o fim teleológico busca uma finalidade para si, ou seja, a felicidade ou ação que leve a realização do bem para a maior parte das pessoas, a justiça e o desenvolvimento humano social em um sentido maior para as questões cotidianas. Já a ética aplicada de fundamento deontológico tem uma vertente moral, pois se relaciona com os costumes e hábitos, pretendendo ser universal, invariável e normatizador. Em outras palavras, é um “imperativo categórico” cujo expoente máximo é Kant em resposta à pergunta filosófica “Como devo agir?”: “Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal”, dizia o pensador.

Ética aplicada à comunicação

A ética aplicada, entendida também como ética profissional está relacionada com o processo da formação da modernidade racional, organizações de profissionais autônomos e seu comprometimento com o Estado moderno. Na configuração social dessas categorias profissionais, o aperfeiçoamento da técnica/teoria dos sujeitos levaram a elaboração de códigos de conduta que sistematizassem padrões de pensamento e ações no núcleo dos grupos, bem como do grupo para com a macro sociedade.

A ética profissional, teria seus valores morais justificados que regulam o trabalho profissional: códigos, crenças e condutas. Assim, as profissões são organizadas de acordo com as competências e organizações, bem como os os monopólios sobre os serviços. Na ética profissional, observa-se a preocupação com os valores específicos e particulares, relacionando-os com valores mais universais como os direitos humanos, por exemplo.

Intrínseco a esse processo, há a invenção do jornalismo moderno, a implantação sistemática dos meios de comunicação social e a formação da sociedade moderna que exigia desses profissionais comprometimento com diversos valores como verdade, justiça e honestidade, muito mais que outras categorias sociais.

Desse modo, o profissional da comunicação é um ser que exige um aperfeiçoamento ético constante, uma clareza de espírito e um domínio teórico fundamentado para escolher que deve seguir, que caminho traçar e que perspectiva agir nas circunstâncias. Tudo isso deve levar a autonomia do campo social e a liberdade entre a prática e o discurso moral do comunicador. Como destaca as reflexões contemporâneas: o certo e o errado, o justo e o injusto, o ético e o não ético estão em uma linha tênue, em um processo paulatino da busca pela excelência que deve levar em conta elementos contextuais, econômicos e políticos, como no caso do jornalismo de uma forma mais específica.

Ética e jornalismo

O jornalismo se tornou uma atividade essencial para formação da sociedade burguesa e capitalista, a ele foi imposto pelo establishment o desafio de promover o capitalismo e ao mesmo tempo agir eticamente o que é quase impossível dado que no mais das vezes ser ético contraria os interesses da lógica capitalista, por exemplo o furo, a competição das empresas e suas ligações viscerais ao sistema capitalista. A busca profissional da objetivismo, além do mais, leva supressão das subjetividades, negando-as nos discursos em nome do profissionalismo, sob uma técnica de escrita que tenta esconder as marcas do eu/nós por meio de subterfúgios linguísticos.

De uma forma contundente, ao profissional da comunicação é pedido a suspensão do caráter emocional, separando sua subjetividade da sua “objetividade”, em nome de um ação capitalista onde o objetivismo é na verdadeira a forma de pensar da empresa sobre a realidade, ou seja, a total filiação à filosofia da patronado, o lucro.

Assim, os códigos éticos profissionais na atualidade se confundem com os manuais de redação em detrimento dos valores estabelecidos pela categoria dos jornalistas. Os valores éticos esquecidos a deriva ficam expostos no mundo das ideias, enquanto que no mundo da vida há sim os códigos das empresas de comunicação, determinando a qualidade profissional, as consciências e os limites e equilíbrio entre Ética e ação profissional.

Os princípios éticos do jornalismo deveria valer também para os donos dos veículos, para os governos e fontes em um movimento ético profissional de reconhecimento social da profissão e seu fortalecimento político.

Mas nessa disputa há duas forças que movimentam o subterrâneo da relação da Ética no jornalismo: o entendimento deste como “serviço público”, social e coletiva, e outra que encerra o jornalismo como “função comercial”, mercadoria e indústria, em que interesses se convergem ao ponto de não se perceber tal paradoxo. Essa tendência se molda em uma amalgama, cuja vítima principal é a Ética, as consciências dos profissionais, suas responsabilidades individuais e o público.

Os meios comunicação por sua vez, lugar de trabalho, produz comunicações de péssima qualidade técnica, assim, configurando-se como verdadeiros pelourinhos onde o pensamento é antítese ao bom senso, à verificação, à independência, à crítica e ao sentido ético do ser jornalista.

Construção dos valores éticos

Por sua vez nos processos de formação do comunicador o que se tem no mais das vezes são elementos superficiais de uma formação sem a devida rigidez teórica, não fundamentada em elementos filosóficos claros e nem intelectualmente fortes, sem um humanismo sensível aos problemas concretos, e à revelia ao senso crítico e responsável. Em lugar disso, tem-se uma fragilidade teórica, profissionais de ensino sem preparo e experiência intelectual que sintetize o ensino de ética à leitura de códigos de ética e em opiniões baseadas em casuísticas dos piores casos dos deslizes do jornalismo.

A academia deve fundir a ética com a técnica, o campo do mundo intelectual com o mundo da vida, pois a apreensão de valores desde o processo de formação é condição fundamental para o exercício da profissão. Desafio é formar bases teórico-prática até um contexto promissor de realização do exercício ético.

O compromisso com a ética passa pelos conceitos de diversidade social, pluralidade de fatos, versões e opiniões, deve-se portanto entender a particularidade das razões e à universalidade aliado a atitude ética de respeito, valores morais, culturais e políticos. A objetividade no processo de significação dos fatos devem constitui-se uma formação contínua e factível desde o bancos universitários até os altos cargos.

Por fim, a ética é uma disciplina filosófica, busca racional do Bem ou modo de vida feliz, desdobra-se em aplicações no mundo da vida, nos processos sociais, nas circunstâncias do cotidiano do ser humano. É o desafio para a contemporaneidade do profissional da comunicação: a realização e reconhecimento do jornalismo, exige posicionamentos firmes, formação sólida, crítica e sensibilidade, elementos distantes de ser alcançados sob a perspectiva atual que se avizinha, desde os universitários até a atual conjuntura comunicacional do Brasil.

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Moisés dos Santos Viana é jornalista e professor universitário