Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Coisa de imprensa sensacionalista e burra

Boa parte da imprensa está botando fogo num debate perigoso para o Brasil e injusto para as suas crianças: o de que é preciso reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos como forma de se combater o elevado índice de criminalidade urbana no país. O pavio foi aceso pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que desembarcou em Brasília com a receita da pólvora na mão para implodir o “dragão do crime” que assola a capital paulista e o resto do Brasil. Ele tem menos de 18 anos e precisa de ter a sua idade penal reduzida em pelo menos dois anos para ser banido da sociedade.

Inverteram a ordem dos fatores. Agora são os menores que usam os adultos, ao contrário do que dizem os boletins de ocorrência da polícia, onde o que mais se vê é bandido barbado usando crianças como escudos para ficarem na impunidade ou políticos com cara de vô desviando merenda das escolas para o enriquecimento ilícito em cima das crianças.

Ou seja, para os defensores dessa bandeira de Alckmin (e da imprensa maldosa), os meninos do Brasil é que são os culpados das mazelas e da violência no país. Seriam eles os responsáveis, por exemplo, pelos estouros dos caixas eletrônicos, tráfico de armas, de drogas, sequestros, rombos nos cofres públicos, fraudes eleitorais e “compra de deputados”. Não vai demorar muito e os mensaleiros vão falar que foram os nossos filhos é que compraram os deputados, e não eles, que são grandes demais para cometerem tamanho absurdo.

Pensando com os cotovelos

Ah, me ajude aí, governador, e Datenas da vida. Querer fazer a cabeça da opinião pública com esses absurdos sem qualquer sustentação jurídica e números é querer transferir os problemas do Brasil para quem não tem nem direito de defesa.

Se reduzirem a maioridade para 16 anos, como querem muitos, o Brasil fará parte de uma minoria insignificante de países que adotam tal medida sem nenhum sucesso. Pelo contrário, são modelos de nações atrasadas (Afeganistão, Coreia do Norte, Nepal e mais uma meia dúzia de países pequenos, violentos e quebrados). Pejorativos que, no Brasil de Alckmin e dos apresentadores sensacionalistas, se aplicam aos jovens. A questão é que, com a opinião pública formada a ferro e fogo, grande parte dos políticos, mesmo sabendo que o buraco é mais embaixo, acaba concordando com essa mentira para falar a mesma língua do povo.

Em Minas, a Rádio Itatiaia, campeã de audiência no estado, fez uma pesquisa com os parlamentares da bancada mineira para saber quem era contra ou a favor da redução da maioridade penal no país. Claro que a maioria foi favorável a essa redução. Metade por incompetência e a outra metade por temer o eleitorado que já está de “cabeça feita” pelos formadores de opinião que pensam com os cotovelos. É fácil colocar a culpa em quem não tem emprego, família, oportunidade, principalmente quando gente de sua idade faz coisa errada e não tem correção da família ou do governo que simplesmente o omitem.

Ratos de esgoto

Aliás, é o mesmo discurso dos que são contra os defensores dos direitos humanos, por entenderem, equivocadamente, que defender direitos fundamentais é defender bandidos. A pecha chegou a tal ponto que alguns professores aboliram a expressão “direitos humanos” nas faculdades por “direitos fundamentais positivados”, que vem a ser a mesma coisa, porém sem o composto popularizado pela parte ruim da imprensa.

Os números provam que não são as crianças e os adolescentes que mais matam, mais roubam, mais corrompem e mais praticam crimes no país. Pelo contrário. Os dados provam que eles são vítimas de um governo que nunca investiu em educação como deveria, dificulta o primeiro emprego, não se preocupa com as crianças e nem com o seu futuro.

Já os adultos roubam, matam, sequestram, estupram, traficam drogas, armas e corrompem as autoridades para desviar o dinheiro público e ficam impunes. Mentem para a população, abusam da autoridade e manipulam a opinião pública, como agora com essa discussão fora de foco. Tenho cinco filhos, mais de 40 anos de jornalismo a céu aberto e, portanto, autoridade para falar sobre esse assunto com conhecimento de causa. Criaram o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas não arrumaram meios para tratamento do menor infrator, com internações dignas. O menor que pratica crimes é jogado na rua, como rato de esgoto. Proibiram os nossos filhos de trabalhar, mas não arrumaram meios para proporcionar-lhes estudos e qualificação profissional ao alcance de todos.

A burrice e a insensatez

Em resumo, deram às crianças e adolescentes do Brasil o direito de apodrecerem na rua, em total estado de abandono e desdém, como se não fossem gente. Todo dia tropeço em crianças drogadas debaixo de viadutos em Belo Horizonte.

Já os marmanjos, pelo contrário, podem tudo. Podem roubar, estuprar e matar e, quando muito, pagar apenas 1/3 da pena, quando pagam. Podem traficar drogas, armas e até usar as crianças e adolescentes como escudos. Porque esses parlamentares que são a favor da redução da maior idade no Brasil não votam leis obrigando o governo a investir mais na educação dos jovens? Porque não votam leis obrigando os bandidos a pagarem a pena total pelo crime cometido? Porque não votam leis obrigando os presídios a produzirem para o auto-sustento de seus internos? Porque não votam leis permitindo ao menor trabalhar, conforme o seu desejo, desde que estudem? Porque não votam leis mais duras para os adultos que roubam o dinheiro público?

Nunca vi, em todos esses anos de jornalismo, menor buscando armas e drogas no exterior, ou roubando o dinheiro público. Muito menos mentindo para a opinião pública. Podem pesquisar na internet que verão que 99,9% dos bandidos brasileiros têm mais de 18 anos. Então, o foco da discussão sobre a criminalidade urbana no Brasil tem que ser outro, não este. Pelo visto, o discurso populista de Alckmin sairá pela culatra, a menos que prevaleça a burrice e a insensatez.

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José Cleves é jornalista