Roberto Civita, dono da maior editora de revistas da América Latina, morreu ontem em São Paulo, aos 76 anos. O controlador do Grupo Abril estava hospitalizado nos últimos três meses no Sírio Libanês, por complicações decorrentes de cirurgia para a colocação de stent abdominal. Seu filho Giancarlo Civita, vice-presidente do conselho de administração do grupo, ocupava interinamente as funções de Roberto, que presidia o conselho.
Criador e editor-chefe de Veja desde o seu lançamento em 1968, Roberto Civita assumiu a presidência da Abril em 1990. Nasceu em Milão, em 1936. É formado em Jornalismo e em Economia pela Wharton School, da Universidade da Pensilvânia e tem pós-graduação em Sociologia pela Universidade de Colúmbia. Sua família controla, por meio de uma holding, a Abrilpar, a Abril S.A. e a Abril Educação S.A, além de uma série de outros empreendimentos. A Abril Educação, no início de 2010, passou a atuar separadamente da Abril S.A. por meio de uma reorganização societária, sendo uma empresa de capital aberto
Roberto Civita deixou a Itália com 2 anos e meio. O pai, Victor Civita, fundador do grupo Abril, nasceu em Nova York e a mãe, Sylvana, em Roma. “Ela era mais forte do que ele. Sotaque italiano muito forte e, quando perguntavam 'a senhora é italiana?', respondia: 'No. Romana'“, contou Roberto ao Valor, em uma entrevista concedida em março do ano passado.
Ele morou em Nova York até os 12 anos, mas passou a adolescência no Brasil, onde se formou na Graded School, na zona sul de São Paulo. O adolescente bom de matemática ganhou uma bolsa para estudar física no Texas. Sua turma era de 400 alunos. Nos primeiros exames, ficou em segundo lugar: “Um cara fantástico, em primeiro lugar; um cara bom, eu; e o resto, que não ia ser físico nunca!”
Projeto problemático
Ele mesmo não ficou muito tempo na física. Olhando para trás, achava que poderia ter sido cientista, mas não seria “muito bom nem feliz”. O jovem Roberto perguntou-se o que sabia fazer bem. “Sei escrever bem. Fui diretor do jornal da Graded, trabalhei no jornal da universidade. Gostava de teatro, lia vorazmente. Pensei: 'Pare de lutar contra, vá a favor'.”
Seu pai, nessa época, já havia fundado a Editora Abril. Publicava revistas da Disney, como O Pato Donald, e fotonovelas.
Roberto Civita foi fazer, então, economia na Wharton Business School e jornalismo – os dois cursos, simultaneamente. Terminadas as duas faculdades, no fim dos anos 1950, foi selecionado, ao lado de cinco jovens em meio a dois mil candidatos, para estagiar na revista Time, então no auge de seu prestígio. Concluído o estágio, passou a ganhar “salário de gente”, três vezes maior do que o de trainee, e foi convidado a ser o número dois da Time na região do Pacífico. Mas o pai tinha outros projetos para ele. Mandou passagem para um encontro em São Paulo.
Victor perguntou o que Roberto queria fazer na vida. “Ah, mudar o mundo, claro, né?”. O pai ponderou: “Você já se deu conta de que aqui teria mais alavancagem? No Hemisfério Norte está cheio de jovens inteligentes, bem preparados. Aqui tem pouca gente inteligente, bem preparada.”
Roberto disse que queria fazer uma revista de informação semanal, como a Time, uma revista de negócios como a Fortune e uma revista como a Playboy. O pai prometeu que prepararia a empresa. Roberto acabou concordando. “Foi o encontro mais importante que tive com meu pai… Eu me lembro dele todos os dias.”
Para Civita, conhecido nos corredores da Abril como Doutor Roberto ou pela sigla RC, o pai, que usava a sigla VC, era um homem carinhoso e exigente. “A expectativa dele era alta. Dele e a da minha mãe. E põe alta nisso.”
O pai o proibiu de dirigir, nos anos 80, quando Roberto já tinha mais de 40. Distraído, conversando ou lendo, ele se perdia na cidade ou batia no carro da frente.
Sob seu comando, a Abril lançou as revistas Quatro Rodas, Claudia, Exame e Realidade. Depois desta, a Veja, que demorou a dar lucro. “Nos primeiros quatro anos, a revista perdia todo o dinheiro que a Abril ganhava. Tudo o que fazíamos de um lado sumia no ralo do outro”, lembrou Roberto. Hoje vende 1,1 milhão de exemplares e responde por cerca de 50% da publicidade vendida pela Editora Abril.
O fracasso inicial de Veja não foi o único projeto problemático da Abril. Civita reconhecia que foi um erro ter investido simultaneamente em TV por cabo (TVA), por satélite (DirecTV) e no sistema MMDS (micro-ondas): “Ninguém conseguiu na história do mundo fazer as três coisas… Alguém tinha que ter chegado e falado: você enlouqueceu? Não pode fazer isso!”
Investimento em educação
Quando não estava trabalhando, gostava de ver filmes em seu sítio, em São Lourenço da Serra, a cerca de 50 km de São Paulo. Mas nada de violência ou correria. “Odeio filme idiota. Se tem alguém com revólver apontando, com carro explodindo ou cara correndo, essa coisa adolescente, eu 'tô' fora. E a vida é muito curta. Prefiro ver filmes bons de 20, 30, 50 anos atrás… a ver filmes ruins de agora”. Seu preferido era Cidadão Kane, clássico de Orson Welles que, nas palavras de Civita, retrata muito bem “a vida, as dúvidas, os obstáculos e desafios de uma das grandes figuras da história da imprensa” – o magnata das comunicações William Randolph Hearst.
Na Abril, o xodó era a Veja, uma revista que provoca reações fortes, positivas e negativas. “Se você não está gerando reações fortes, está fazendo algo errado. Não acredito em imprensa que quer agradar a todo mundo.”
O leitor ideal, dizia, é aquele que toma partido e se indentifica com a publicação. “Eu gosto, é comigo, eu concordo. Esta [revista] aqui fala o que eu penso. Eu não quero um monte de leitores que dizem…. é, por um lado, mas se por um lado, e o outro lado… Não quero […]. Que comprem outra coisa. Não preciso agradar a todo mundo.”
Acreditava na livre-iniciativa. Era contra “a estatização, a socialização, que não funciona”.
A mais recente reorganização do grupo, em setembro de 2011, colocou Fábio Barbosa, ex-presidente do banco Santander no Brasil, no comando da Abril S.A., em substituição a Giancarlo Civita. No ano passado, a companhia, com negócios nas áreas de mídia, gráfica, logística e distribuição, teve receita líquida de R$ 2,98 bilhões.
Na Abril Educação, onde a família Civita controla operação que engloba editoras de livros didáticos, apostilas e escolas de idiomas e cursos técnicos, a previsão é que o faturamento chegue a R$ 1 bilhão em 2013. No ano passado foi de R$ 883 milhões.
Civita deixa a mulher Maria Antônia, três filhos – Giancarlo, Victor e Roberta – e seis netos.
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Cynthia Malta, do Valor Econômico