Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os perigos da guerra aos vazamentos de Obama

Durante os últimos cinco anos, começando com sua primeira campanha para a presidência, Barack Obama prometeu que seu governo seria o mais aberto e transparente da história dos EUA. Recentemente, ao dizer que não havia “desculpas” para as investigações feitas por seu Departamento da Justiça de possíveis vazamentos de informações confidenciais, o presidente acrescentou que “uma imprensa livre, a liberdade de expressão e o fluxo livre de informação ajudam a tornar-me responsável, ajudam a tornar nosso governo responsável e ajudam nossa democracia a funcionar”. Depois, em seu discurso de quinta-feira (23/5) na Universidade da Defesa Nacional, Obama disse que estava “preocupado com a possibilidade de que as investigações do vazamento possam afetar o jornalismo investigativo que chama o governo à responsabilidade”.

Mas a contínua e crescente guerra aos vazamentos do governo Obama – a mais agressiva que vi desde o governo Nixon – não observou a Primeira Emenda e intimidou um número crescente de fontes de informação do governo – a maioria das quais não seria confidencial – que são vitais para que os jornalistas possam chamar seus líderes à responsabilidade. A Casa Branca aumentou seu controle sobre o contato de autoridades com a imprensa e as agências federais vêm negando, cada vez mais, solicitações de acesso à Lei da Liberdade de Informação sob a alegação de segurança nacional ou proteção de deliberações internas.

A citação secreta, e de grande alcance, assim como a apreensão de dois meses de registros de 20 linhas e mesas telefônicas da Associated Press – usadas por mais de 100 repórteres da AP em três salas de imprensa na Câmara dos Representantes – é particularmente desanimadora para os jornalistas e suas fontes. O esforço foi relatado como sendo parte de uma investigação levada a cabo pelo Departamento da Justiça e por um grande júri federal em relação a uma matéria da AP de 7 de maio de 2012, que revelava o êxito da CIA em penetrar num grupo da al-Qaida com base no Iêmen que havia desenvolvido um tipo de bomba que explodiria em aviões em rota para os Estados Unidos.

Desrespeito à Lei de Espionagem

Por solicitação da Casa Branca e da CIA, a AP segurou a matéria por cinco dias para proteger uma operação secreta em curso. As discussões da AP com autoridades governamentais foram semelhantes àquelas de que participei, em vários governos, durante o tempo em que fui editor-executivo do Washington Post, quando avaliava a maneira de publicar matérias relevantes sobre segurança nacional sem causar prejuízos desnecessários.

Depois que foi divulgada a história da AP, autoridades do governo Obama falaram livremente sobre a operação. Mas quando os republicanos acusaram o governo de vazar informações confidenciais para alavancar o tema do contraterrorismo do presidente num ano eleitoral, o Departamento da Justiça começou sua investigação para encontrar as fontes não citadas da matéria – inclusive, citando secretamente e apreendendo a lista de chamadas telefônicas da AP este ano. Somente este mês, quando o Departamento da Justiça, finalmente, comunicou à agência de notícias a apreensão e a controvérsia explodiu, é que o chefe do Departamento [equivalente a ministro da Justiça] Eric Holder disse que a matéria da AP era consequência de “um vazamento muito, muito sério”, que “pôs em perigo o povo norte-americano”. Mas o governo não explicou como.

Tais investigações não são incomuns, principalmente em casos de segurança nacional, mas elas proliferaram durante o governo Obama. Seis autoridades governamentais foram condenadas desde 2009 por desrespeito à Lei de Espionagem de 1917, que desautoriza a divulgação de informações confidenciais, o dobro do número de condenações em todos os outros governos dos EUA. Um dos casos envolvia um exemplo clássico de denúncia interna de irregularidades: um diretor de primeiro escalão da Agência de Segurança Nacional que revelou ao Baltimore Sun o significativo desperdício de dinheiro realizado pelo governo com tecnologia digital de processamento de dados.

Entrevistas acusatórias e detector de mentiras

Em outro caso, os investigadores apreenderam os registros telefônicos do repórter James Rosen, da Fox News, vasculharam seus e-mail pessoais, vigiaram suas visitas ao Departamento de Estado e acompanharam suas conversas telefônicas com Jin-Woo Kim, consultor de segurança do Departamento de Estado. Em 2010, Kim foi acusado de ser a possível fonte de uma reportagem da Fox News sobre armamento para testes nucleares da Coreia do Norte. E, o que talvez seja o mais inquietante, documentos relacionados à ordem secreta de busca do telefone e dos registros de e-mail de Rosen citavam-no como co-conspirador num caso de espionagem.

Para os jornalistas, isto parecia um perigo sem precedentes para Rosen, por fazer seu trabalho. Embora o presidente tenha dito em seu discurso de quinta-feira que “os jornalistas não deveriam correr riscos legais por fazerem seu trabalho”, no entanto ele foi firme no sentido de coibir autoridades governamentais que, segundo ele, “violam a lei” – presume-se que discutindo questões de segurança nacional e outras informações confidenciais com repórteres.

Além destas investigações e outras que se acredita estarem em curso, inúmeras autoridades governamentais foram sujeitas a entrevistas acusatórias e testes de detector de mentiras para descobrir os autores de vazamentos. Contatos com jornalistas têm sido sistematicamente monitorados. Não surpreende, portanto, que os repórteres digam que, cada vez mais, as autoridades governamentais têm medo de falar com eles.

Uma carta de protesto

As velhíssimas orientações do Departamento da Justiça em relação à citação judicial de repórteres ou seus registros telefônicos dizem que isto só deveria ser usado como último recurso numa investigação. Autoridades do Departamento afirmaram que era este o caso do vazamento da Associated Press. Porém, embora alegando que começou por realizar centenas de entrevistas e revisar dezenas de milhares de documentos, o Departamento da Justiça não explicou por que precisou empreender o que, aparentemente, seria uma expedição de busca ameaçadora e injustificável.

As orientações do Departamento da Justiça exigem que “a citação deveria ser o mais específica possível”, que a organização de mídia visada “deve ser advertida num prazo razoável e oportuno” para negociar um acordo ou levar o caso à justiça e que “em todos os casos, a abordagem deve ser buscar o equilíbrio adequado entre o interesse público na livre disseminação de ideias e informação e o interesse público numa aplicação eficaz e justa da lei e da justiça”.

Apenas meia dúzia de jornalistas da AP foram responsáveis por coletar informações, escrever e editar a matéria do dia 7 de maio de 2012, mas “milhares e milhares de telefonemas sobre a obtenção da notícia”, por mais de uma centena de jornalistas da AP que usaram a redação, telefones residenciais e celulares, estão entre os registros apreendidos pelos investigadores do Departamento da Justiça, disse o presidente da AP, Gary B. Pruitt, numa entrevista à CBS. Numa carta de protesto enviada a Holder, Pruitt dizia que “estes registros revelam potencialmente comunicações com fontes confidenciais entre todas as atividades desenvolvidas pela AP durante um período de dois meses para a obtenção de notícias. Dispõem de mapas sobre as operações da AP para obtenção de notícias e divulgam informações sobre as atividades e operações da AP que o governo não tem direito algum de saber”.

Exigências negociadas

Sem qualquer justificativa oficial, uma intromissão indiscriminada como essa numa das mais importantes organizações de mídia norte-americanas parece ser uma tentativa deliberada de intimidar os jornalistas e suas fontes – ou pelo menos indica uma disposição a tolerar esse tipo de intimidação como efeito colateral de uma investigação. “Realmente, não sei qual é o motivo”, disse Pruitt na entrevista à CBS. Porém, acrescentou: “Sei qual é a mensagem que está por trás: se você falar à imprensa, vamos cercar você.”

Ao distribuir a citação judicial diretamente às empresas telefônicas sem notificar a AP, o Departamento da Justiça evitou negociações com a agência de notícias ou um desafio judicial. De acordo com as orientações do Departamento da Justiça, isso é permitido, como uma exceção, quando uma notificação prévia e as negociações “representarem uma ameaça significativa à integridade da investigação”. Porém não houve qualquer explicação sobre que tipo de ameaça poderia representar este caso, uma vez que a preservação dos registros pelas empresas telefônicas nunca foi questionada e o vazamento da notícia que está sendo investigado ocorreu muito tempo atrás.

Lembro-me de um único incidente semelhante em meus 17 anos como editor-executivo do Post. Em 2008, o diretor do FBI Robert S. Mueller pediu formalmente desculpas a mim e ao editor-executivo do New York Times pela apreensão secreta, quatro anos antes, dos registros telefônicos de nossos correspondentes que trabalhavam em Jacarta, na Indonésia – porque as orientações do Departamento da Justiça haviam sido violadas e não fora emitida qualquer citação judicial. Mas recordo várias ocasiões em que outras exigências federais para investigações foram negociadas com sucesso, de maneiras que protegiam integralmente nossa independência na coleta de informações de acordo com as orientações.

Especulações sobre o que está em jogo

No discurso de quinta-feira, Obama disse que havia falado com Holder sobre o impacto das investigações federais sobre vazamentos no jornalismo de responsabilidade. O presidente disse que o diretor do Departamento “concordou em fazer uma revisão das atuais orientações do Departamento da Justiça que regem investigações que envolvem repórteres e ele irá convocar um grupo de organizações de mídia para ouvir suas preocupações como parte dessa revisão”.

O presidente também solicitou ao Congresso que voltasse a analisar e aprovasse uma “lei de escudo” federal – semelhante àquela que existe em 40 estados e no Distrito de Columbia – que aumentasse as defesas, inclusive por meio de recursos judiciais, para jornalistas que enfrentam tentativas legais de forçá-los a revelar fontes confidenciais e contatos para reportagens. Não ficou claro se tal legislação – que parou na última legislatura após negociações com as organizações de mídia – teria impedido o ataque furtivo do Departamento da Justiça contra a AP. No entanto, sua aprovação proporcionaria uma nova e significativa proteção para o jornalismo de responsabilidade e para denúncias de dentro do governo. Na época, o apoio da Casa Branca à legislação foi morno; portanto, o momento e o entusiasmo desta nova adesão de Obama permanece suspeito, dependendo das futuras ações do governo.

Só posso especular sobre a política que está em jogo. Se 2012 não tivesse sido um ano eleitoral, teriam os republicanos caracterizado as reportagens e os anúncios do governo Obama sobre operações de contra terrorismo bem-sucedidas como “vazamentos” que põem em risco a segurança nacional? Teria o governo decidido que era necessário reagir, investigando agressivamente vazamentos para os quais não existem até agora provas públicas de que a segurança nacional estivesse seriamente comprometida? Caso não houvessem eleições, em 2014, para o Congresso, estariam agora os republicanos condenando hipocritamente o Departamento da Justiça por ter apreendido os registros telefônicos no caso da AP?

Informação é insuficiente

Aparentemente, nada é imune à perigosa politicagem constitucional numa Washington polarizada. Mas isso não é desculpa para brincar com a Primeira Emenda e o direito e responsabilidade da mídia de manter os norte-americanos informados sobre o que faz seu governo em seu nome e para sua proteção. Após os ataques terroristas de 2001, o governo de George W. Bush aumentou o sigilo governamental de várias maneiras que Obama, enquanto candidato e presidente, prometeu reverter. Pouco após serem empossados, Obama e Holder divulgaram notas e orientações instruindo as agências governamentais no sentido de serem mais receptivas às solicitações da Lei da Liberdade de Informação [Freedom of Information Act – FOIA] e aumentarem a divulgação da informação pública governamental através de websites e das redes sociais.

Do lado positivo, agora há mais informação sobre o governo disponível online, em grande parte coletada e divulgada por agências federais. Parte dessa informação é potencialmente útil para consumidores e negócios, como informações sobre empréstimos e bolsas para estudantes, maneiras de negociar com o governo, empregos federais, oportunidades para voluntários, informações sobre alimentação e medicina, assistência à agricultura ou desenvolvimento de energia solar etc. Parte da informação sobre gastos e regulamentos do governo também é útil para a mídia e para o jornalismo de responsabilidade.

Mas não há, nem de perto, o suficiente de que necessitam os jornalistas e os cidadãos para chamar o governo à responsabilidade – seja em termos de informações sobre segurança nacional, sobre vigilância governamental ou políticas de imigração ou coisas específicas, como gastos de autoridades em viagens e outras vantagens.

“A Casa Branca não quer vazamentos”

Após uma melhoria inicial do governo Obama em atender às exigências da Lei da Liberdade de Informação, os atrasos e as recusas vêm crescendo de novo, segundo jornalistas e estudos encomendados por organizações de mídia. Uma análise da AP publicada em março afirma que “mais frequentemente do que nunca [o governo Obama] utilizou citações legais excepcionais para censurar ou reter material” e “frequentemente citou a necessidade de proteger a segurança nacional e as deliberações internas”. Algumas das novas políticas de informação aberta do governo também contêm amplas e vagas exceções que poderiam ser usadas para esconder registros fundamentais ao jornalismo de responsabilidade, com reportagens sobre assuntos como o pagamento de planos de saúde, subsídios do governo, acidentes no local de trabalho ou detenções de suspeitos de terrorismo.

Todos os governos de que me lembro tentaram controlar seus contatos com a mídia. Como editor por mais de um quarto de século, recebi frequentemente queixas de governos de ambos os partidos sobre uma cobertura que consideravam desfavorável, assim como eventuais e quase sempre vazias ameaças de cortar o acesso. Jornalistas que cobriam o governo de George W. Bush disseram que esbarravam em atitudes arrogantes em relação à imprensa, mas normalmente conseguiam um diálogo produtivo com autoridades mais bem-informadas.

Mas os repórteres que cobrem o governo Obama dizem que um número cada vez maior de autoridades deixou de falar, referindo-se a eles como não-comunicativos, ou mesmo hostis e intimidando assessores de imprensa. “A Casa Branca não quer vazamentos”, disse um veterano correspondente de Washington que, como outros, descreveu um círculo estreito, difícil de penetrar, que controla as decisões do governo e manipula sua mensagem. “Existem poucas janelas no que se refere a tomadas de decisão e filosofia de governo. Existe a impressão de que o próprio Obama dá pouca importância ao noticiário.”

Ainda não é tarde

Dando continuidade ao que funcionou tão bem em duas campanhas eleitorais para a presidência, Obama e seu governo envolveram diretamente cidadãos, através de redes sociais, blogueiros amigos, rádio e vídeo. Isso equivale à Casa Branca fazer reportagens sobre si própria, com uma aparência de maior abertura enquanto evita perguntas penetrantes de jornalistas que têm conhecimento e experiência para fazer um jornalismo de responsabilidade significativo. A manipulação da mídia pelo governo vai até a fotografia: repórteres fotográficos profissionais são banidos de muitos eventos na Casa Branca e atividades presidenciais; só são distribuídas à mídia imagens de Obama aprovadas e tiradas por um fotógrafo da Casa Branca.

A maioria dos americanos pode não ligar muito para a abertura do governo Obama para a mídia ou para o prejuízo potencial para a Primeira Emenda e para a responsabilidade do governo decorrente de sua agressiva guerra aos vazamentos. Porém, à medida que o governo enfrenta os desafios de seu segundo mandato, as ameaças concretas à segurança nacional e as nuvens escuras de escândalo, sua credibilidade se tornará cada vez mais importante para o legado do presidente. Ainda não é tarde para que as ações de Obama possam equivaler à sua retórica.

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Leonard Downie Jr. é vice-presidente do Washington Post, do qual foi editor-executivo de 1991 a 2008. É professor de Jornalismo na Faculdade Walter Cronkite, da Universidade Estadual do Arizona, e membro da diretoria da organização sem fins lucrativos Investigative Reporters and Editors