Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Ponderando o imponderável

Redes sociais costumam ser um território minado. No entanto, há as honrosas exceções à animosidade reinante. Dia desses, em vez de pisar uma granada, encontrei a escritora Priscila Lopes. Ao envio de uma caricatura da autora, ela respondeu com a remessa do livro Uns traços, todos imponderáveis. Dias após o primeiro contato virtual, recebi o aviso do Correio para que eu buscasse o envelope com a obra. Dois ônibus e dois viadutos depois, cheguei em casa com o volume.

Não conhecia nada do que Priscila Lopes havia escrito até então. As pistas da existência da autora apareceram na biografia, nas páginas finais de Uns traços. Natural de Brasília, moradora de Florianópolis desde a mais tenra idade, idade citada no corpo da obra. Idade em que a convivência com a mãe revelou um desejo de honrar um pai imaginário. E que faria a autora forjar desde então a angústia da espera. A vida profissional de Priscila, como a de tantos escritores “amadores”, não tem parentesco direto com sua literatura. A moça de vindouros trinta anos apresenta-se como uma espécie de dependente das letras, as que espalha por aí: “Quando eu quiser, eu paro.” Embora tenha organizado exposições e uma coletânea de poesia, embora tenha publicado em jornais, revistas, livros e blogs, não parou. Quis um bacharelado em Relações Internacionais, MBA em Comércio Exterior. Não quis deixar as letras de lado.

O livro de bolso da reincidente literária traz observações sobre a vida a dois. Possui frases de efeito que podem soar como frases-defeito. Sobre os defeitos alheios, mas principalmente os defeitos da escriba. Defeitos que causam um efeito ora sereno, ora impactante. O leitor que se iluda com a suposta simplicidade das palavras denunciadoras de sentimentos ambíguos. Numa única frase, há o querer e o não-querer, o posso-mas-não-posso.

Sensibilidade contemporânea

O sumário pode tentar a classificação das frases, ponderações, declarações, narrativas de momentos fugazes. Só que o sumário mais instiga o leitor que explica a ele algo do livro. Mais atiça que ajuda a compreender a obra. O título de um dos “capítulos” finais expõe o espírito do pequeno volume: “Aquilo que não é suficientemente claro para ser percebido ou entendido.”

A frase, escondida entre aspas, que encerra o parágrafo anterior está envolta nos silêncios, nas pausas e nos vazios da alma de Priscila. Mas quem disse que um escritor tem que “explicar” a vida? Também abdico da “obrigação” de desvendar o livro com as minhas palavras.

Que as palavras de Priscila Lopes, a escritora que jura não ser o que é, continuem instigando a captação da sensibilidade contemporânea. Dentro e fora das redes sociais.

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Érico San Juan é cartunista, radialista, designer gráfico e caricaturista