Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A vitória do filme dublado

A comodidade venceu a pompa na sala de estar.

O espectador brasileiro hoje prefere ver filmes estrangeiros dublados na TV por assinatura e dispensar o som original –junto com a tarefa de ler legendas.

Esse comportamento está identificado em pesquisas e refletido na distribuição da audiência entre os canais, que têm procurado aumentar a oferta de filmes e séries dublados e adotar como padrão a versão brasileira do áudio.

O original com legendas tende a ficar como opção reservada à minoria de assinantes que prefere esse formato.

São 35% de adeptos do som original contra 56% que preferem a versão dublada, segundo pesquisa do instituto Datafolha realizada para o Sindicato dos Distribuidores Cinematográficos do Rio de Janeiro, no ano passado, com entrevistados que têm o hábito de ver filmes estrangeiros na TV paga.

Com sondagens exclusivas para seus canais, o Telecine foi um dos que perceberam a tendência e se adaptaram.

“Às vezes, o assinante procurava disfarçar que gosta da versão dublada. Mas, à medida em que a pesquisa ia se desenvolvendo, ele assumia essa preferência”, diz Bianca Serra, gerente de programação da Rede Telecine.

A rede adotou a versão dublada como padrão a partir de 2011 em todos os seus canais –exceto o Cult e o Premium, que a tem como segunda opção.

A audiência do Action cresceu 47%, seis meses após o canal aderir à dublagem, segundo Serra.

Entre os dez canais mais vistos na TV paga no primeiro semestre deste ano, três têm a versão dublada de filmes como padrão –Fox, TNT e Megapix.

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TV paga encara dublagem como recurso para cativar a classe C

Pioneira em adotar a versão dublada de séries e filmes estrangeiros como padrão, a Fox lançou mão desse recurso como forma de “cativar o público da classe C”, diz a diretora de programação dos canais Fox, Cláudia Clauhs.

A tendência de crescimento espontâneo da classe C foi percebida pela Fox em 2007, segundo Clauhs. Esse crescimento engrossou a base de assinantes da TV paga.

O número de assinantes dessa modalidade no Brasil saltou de 5,3 milhões em 2007 para 16,2 milhões em 2012.

A estratégia da Fox para mimar o novo público inclui “identificar os programas que têm mais apelo junto à classe C e tornar sua linguagem mais acessível, usando termos mais fáceis, mas sendo fiel ao original”, diz Clauhs.

Na opinião dela, assinantes da classe AB também passaram a optar pela versão dublada porque não querem ficar com a atenção concentrada na tela da TV. Preferem ter os olhos livres para passear ao mesmo tempo pelo tablet.

O Universal aderiu à tendência de dublar conteúdo estrangeiro na TV paga e oferece, desde segunda-feira passada, a versão com aúdio em português para séries estreantes (“Bates Motel”) e para algumas já em curso, como “House”. É o começo de um projeto que prevê dublar toda a grade da programação.

Para Paulo Barata, CEO da NBCUniversal Networks International Brasil, a ascensão da classe C não explica a onda. “O movimento é explicado pela expansão geral da base de assinantes.”

A percepção de que o Universal apostou na dublagem como ferramenta para recuperar posições no ranking de audiência é incorreta, segundo ele. “Na TV, a gente se programa a longo prazo.”

Barata afirma que o plano de dublar a grade do Universal começou a ser traçado em 2009, com o objetivo de “atender ao máximo possível de audiência”. Ou seja, seria uma tática de ampliação, não de recuperação de terreno.

Para o executivo, “na TV por assinatura a audiência é tão diluída e flutuante” que o aumento da base de assinantes não significa uma mudança no perfil de audiência de determinados canais.

Contar com a versão dublada de filmes e séries exige dos canais um investimento “entre três e quatro vezes maior que o da legendagem”, diz Barata, sem revelar números.

Aquecido pelo aumento da demanda, o mercado trabalha com valores fixos para dubladores: R$ 89,35 a hora para elenco de apoio, com acréscimo de 5% nesse valor para um papel coadjuvante, e de 10% para o protagonista.

A dublagem de um episódio de meia hora exige, em média, seis horas de estúdio. Há ainda custos com tradução, direção e laboratório na composição final da conta.

Para exercer a dublagem no Brasil, é preciso ser ator –uma espécie de ator que em geral acha graça de seu próprio anonimato e ri à toa. “Você recebe pelo que faz se divertindo!”, diz Tatiane Keplmair, 32, a Hannah Montana.

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Jack Bauer em português foi ‘dor de cabeça’

“Quando Jack Bauer [o protagonista de “24 Horas”] começou a falar português do dia para a noite foi uma dor de cabeça”, diz Alessandro Maluf, gerente de marketing da Net, operadora líder em assinantes no país (5,57 mi).

A decisão da Fox de dublar sua grade desagradou parte dos clientes, que, naquele momento, dispunham só de uma opção.

“Falamos com a Fox que não estava sendo uma boa estratégia e rapidamente colocamos a opção dos dois áudios [inglês e português]”, afirma Maluf.

O avanço da tecnologia digital facilitou às operadoras a realização dessa tarefa. Desde que os canais enviem ao satélite o sinal contendo as duas versões (dublada e original, com legenda eletrônica), a operadora o capta e distribui até a casa do assinante.

A preocupação em informar o assinante sobre como manejar o controle remoto para que ele não perca tempo ou se irrite quando quiser desativar uma opção (áudio dublado) e ativar outras (áudio original e legendas) virou uma dorzinha de cabeça’ para a Net, admite Maluf.

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Silvana Arantes, da Folha de S.Paulo