Nos anos 30, o jornalista H. L. Mencken declarou que o sequestro do bebê do aviador Charles Lindbergh e o julgamento do suposto sequestrador Bruno Hauptmann foram “a maior história desde a Ressurreição”. Os EUA tinham fome de detalhes e a imprensa estava feliz em fornecê-los. Atualmente, a mídia tem feito algo semelhante com o julgamento de George Zimmerman, que atuava como vigilante comunitário voluntário e matou o adolescente Trayvon Martin, sem motivos aparentes, na Flórida. (É relevante para o caso mencionar que Zimmerman é branco e Martin era negro) O vigia teve sua inocência declarada, na semana passada, por um tribunal americano.
O caso tinha evidências confusas e tensão racial. A CNN acompanhou obsessivamente o julgamento e o NYTimes atualizou os leitores diariamente, incluindo cobertura do julgamento quase em tempo real na web. A decisão sobre o tamanho da cobertura em um julgamento do gênero é sempre subjetiva. Mas é notável, observa a ombudsman do NYTimes, Margaret Sullivan, que esse julgamento trnha recebido mais destaque do que outros casos importantes esse ano: como o do médico Kermit Gosnell, acusado de matar bebês em sua clínica de abortos e declarado culpado, e o do soldado Bradley Manning, que vazou uma quantidade imensa de documentos secretos (e foi tema de coluna anteriorda ombudsman).
A cobertura do julgamento de Zimmerman foi sólida. Na semana passada, conta Margaret, a chefe da sucursal de Miami, Lizette Alvarez, escreveu de maneira habilidosa sobre as questões raciais que surgiram com o caso, e o artigo ganhou destaque na capa. Nas primeiras semanas após o adolescente ser morto, em fevereiro de 2012, o jornal ficou para trás, parecendo não reconhecer as maiores implicações e o modo como a morte de Martin havia capturado a atenção do público. No começo de abril, entretanto, o jornal publicou um relato longo e bem escrito por quatro repórteres que começou na primeira página e seguiu em duas páginas no interior do diário. Logo depois disso, um artigo de capa escrito por Serge Kovaleski abordou os erros da polícia na investigação.
Com a quantidade de informações publicadas em outros meios, o jornal tentou dar a seus leitores algo diferente. Charles Strum, vice-editor nacional, contou que acompanhava com fones de ouvido o julgamento que era transmitido ao vivo do tribunal para editar os artigos escritos por Lizette. “Havia muitas acusações, desinformação e teorias da conspiração”, conta ele.
Apesar do esforço, queixas
Ainda assim, muitos leitores reclamaram da quantidade de descrições da raça de Zimmerman – “meio hispânico”, “meio peruano”, “hispânico branco” e “autodeclarado hispânico”. Segundo Lizette, foi uma luta. “Se ele fosse negro ou seu nome fosse Rodriguez em vez de Zimmerman, seria uma situação completamente diferente”, diz ela. Mas em um país como os EUA, com uma variedade imensa de etnias, o esforço para se chegar a uma definição mostra que Zimmerman está nesse contexto mais do que seu sobrenome indica.
Além das matérias, alguns leitores não gostaram das colunas de opinião de Charles Blow, considerando-as parciais, especialmente a publicada no dia 3/7, que, segundo um leitor, tentava convencer as pessoas de que Zimmerman era culpado. Segundo Blow, ele estava apenas levantando questões sobre inconsistências no relatos de Zimmerman sobre a luta com Martin. Analisando as colunas de Blow sobre o caso desde o ano passado, Margaret concluiu que elas traziam reflexões e eram claramente simpáticas à família de Martin. Na opinião da ombudsman, a coluna em questão continha julgamentos que deveriam ser do júri, mas colunistas podem dar sua opinião e ele estava dentro dos seus direitos. Segundo a ombudsman, oNYTimes foi lento ao noticiar o caso, mas posteriormente fez um bom trabalho, satisfazendo o interesse público sem ser sensacionalista. Para ela, a cobertura do julgamento teve um tom equilibrado, com perspectiva e profundidade.
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