Autor, em 1982, do primeiro livro sobre a Agência de Segurança Nacional (NSA), ao qual se seguiram outros três, o jornalista americano James Bamford diz que, em três décadas, as atribuições e a capacidade do maior aparato de espionagem do mundo cresceram tanto que a NSA é capaz hoje de “praticamente entrar na mente de alguém”.
Crítico desses superpoderes, ele aponta riscos no novo foco da agência, as guerras cibernéticas. Bamford não se surpreende com o monitoramento em massa das comunicações na América Latina. Diz que a vigilância começou nos anos 1960, com a interceptação de satélites, e, provavelmente, se ampliou a partir dos anos 1990, quando redes de cabos de fibra óptica passaram a dominar o fluxo global de informação.
NSA coloca um filtro eletrônico nos principais pontos de conexão
O quanto a NSA é maior e mais poderosa 31 anos após seu primeiro livro?
James Bamford– A NSA cresceu enormemente, não só o tamanho físico, mas em particular em seu alcance e habilidade de capturar e vasculhar informação. Em 1982, sua atividade era basicamente escutar telefonemas fora dos EUA. Hoje, não só captura muito mais informação no mundo como o foco também está dentro dos EUA, interceptando, além de chamadas telefônicas, e-mails, dados, de Twitter a fax. E estas comunicações contêm imensa quantidade de informação privada. A NSA, hoje, pode praticamente entrar na mente de alguém monitorando o que você está digitando no Google, saber o que você está pensando.
A NSA pode monitorar, ver e ouvir tudo? Os EUA estão em todos os lugares?
J.B.– A NSA só tem 35 mil funcionários, não pode ouvir tudo do mundo todo ao mesmo tempo. O que a NSA faz é colocar um filtro eletrônico ou computacional nos principais pontos de conexão da comunicação global e deixar os computadores decidirem o que capturar ou não. À medida que a comunicação passa por estes filtros, vai sendo capturada. Eles não ouvem e veem, mas têm capacidade para desviar esses dados. Os filtros são programados para responder a certas palavras, endereços de e-mails, números de telefone que são considerados suspeitos. Eles marcam o que querem, pode haver um nome ou milhões lá, ninguém sabe ao certo o quanto eles retiram deste fluxo global de informação.
“A NSA tem salas dentro das empresas”
O Globorevelou, a partir de material vazado por Edward Snowden, a existência de uma robusta operação de espionagem do Brasil e da América Latina, com reações furiosas dos governos. Estes países deveriam estar tão surpresos?
J.B.– Na verdade, não. Eu não estou. Em 2008, escrevi sobre como a NSA espiona a América do Sul. Muita da comunicação internacional da região para os EUA e para a Europa, e para outros lugares a partir daí, passa por Miami, por um prédio, ao qual a NSA tem acesso, chamado NAP, National Access Point [Ponto de Acesso Nacional]. É operado por uma empresa privada.
Este monitoramento é feito há quanto tempo?
J.B.– O foco doméstico da NSA começou a partir de 2001, após o 11 de setembro. Não tenho certeza sobre o início das atividades na América do Sul, mas com certeza há mais tempo… Provavelmente no fim dos anos 90, quando houve a mudança de comunicação. Porque desde os anos 60 a maior parte das comunicações internacionais era por satélite e a NSA as capturava, há uma imensa base para isso em Virgínia Ocidental. Mas no fim dos 90 os cabos de fibra óptica submarinos começaram a dominar o tráfego de comunicação. Todos os países têm esses cabos em volta e eles desembocam lá em Miami.
A NSA realmente tem acesso direto aos centros operacionais das empresas?
J.B.– Sim. A NSA tem salas dentro das empresas. Lá em Miami tem. Em São Francisco, há um ponto de conexão operado pela AT&T em cujo prédio há uma sala secreta na qual a NSA mantém computadores. Todas as informações que chegam passam por um filtro que tem um software que cria dois “caminhos”: um desce para os computadores na sala da NSA e outro segue adiante.
“O Comando Cibernético pode lançar ciberguerras”
E esse sistema é legal?
J.B.– É legal dentro dos EUA, mas não se aplica de jeito nenhum a ninguém na América do Sul. Com a mudança tecnológica, a NSA teve que arranjar formas de ter acesso aos cabos óticos, e por isso começou a trabalhar em acordos com as empresas de cabo e telefonia.
E, mesmo com todo este aparato, a NSA não detectou os planos de ataque em Boston. Como é possível?
J.B.– Porque a NSA está colhendo informação demais, tanta que é impossível achar a agulha no palheiro. E o que a NSA faz hoje não tem nada a ver com a razão para a qual foi criada, que era antecipar quando a Rússia ia nos atacar. Não para achar terrorista ao redor do mundo. Está fazendo algo para a qual não foi desenhada e na qual não é muito boa. É muito difícil achar terrorista com uma chamada telefônica de alguém que você não sabe quem. Por isso grampeiam tudo. A NSA diz que dezenas de ameaças terroristas nos EUA foram abortadas devido ao seu aparato. Tenho minhas dúvidas. Provavelmente poderiam ter feito de forma mais eficiente do que a atual, bisbilhotando o telefone de todo mundo.
O senhor diz que o general Keith Alexander, diretor da NSA, é o mais poderoso chefe de Inteligência da História. Que perigo isso representa?
J.B.– É muito perigoso. Ele é o chefe mais longevo da NSA, são nove anos, e é invisível para a maioria das pessoas. Agora, além de ele comandar a maior e mais secreta agência de inteligência do mundo, há uma adição à NSA, o Comando Cibernético dos EUA, que é capaz de lançar ciberguerras. Não só pode espionar, mas comanda uma organização que pode atacar e destruir sistemas de computadores e infraestrutura física de outros países. Nenhum outro país fez isso até hoje – só os EUA (interferência nas centrífugas nucleares do Irã). Como general, ele tem um exército próprio sob ele. É uma quantidade enorme de poder, e quase todo em segredo.
Com este escândalo, o senhor acredita em alguma mudança na atividade de monitoramento dos EUA?
J.B.– Não vejo nenhuma indicação disso. As coisas só pioraram depois da revelação dos grampos sem mandado (no governo de George W. Bush). As ações viraram lei.
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Flávia Barbosa, de O Globo