Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

As narrativas do pós-jornalismo

Nas muitas fases do jornalismo talvez se possa dizer que se chega, na contemporaneidade, na análise de suas narrativas, do contar suas histórias, com atenção aos sentidos para a audiência. Caso não seja observado o universo do leitor, inexoravelmente a informação perde de fato o seu valor, diante de sua falta de implicações práticas – o jornal apenas como mosaico dos fatos sociais, mas que não condiz com a realidade pragmática, um mero mapa do qual não se faz uso.

Para o pensador associado à Escola de Frankfurt, de visão crítica, as narrativas devem se relacionar com o mundo prático do narrador, que como resultado das viagens e das muitas relações com pessoas pelo caminho, passa a ter condições de elaborar seus relatos das experiências em seu texto. Uma segunda possibilidade para o genuíno narrador, avalia o autor alemão, está naquele que não se faz um cosmopolita, mas mantém relações com pessoas do lugar, obtendo experiência o suficiente para dar conselhos nas suas narrativas.

Diferentemente, a informação jornalística estaria mais próxima do romance – dos sonhos de elitismo de uma época –, cuja dramaticidade não provém desta experiência cotidiana de uma sociedade pobre e simples, produzida por autores isolados da realidade cotidiana, exercendo uma atividade numa torre de marfim. Mesmo nesta condição de isolamento de idealidade tem como propósito de informar explicando e ao mesmo tempo educando o seu leitor para o mundo. Diferente dos relatos narrativos do viajante em condições de aconselhar diante da experiência adquirida sobre os acontecimentos acompanhados. Os jornalistas das redações, que constroem a visão de mundo do público leitor estão mais para o contador de estórias – e na condição de distantes de qualquer realidade cotidiana, sobressai a ideologia e desejo pelo poder de ordenar os acontecimentos. Em essência, são relatos descritos em conformidade com a experiência do jornalista imerso na cultura em que se insere (geralmente elitista), mesmo que numa relação com várias fontes, que se transformam no final em seus personagens para a trama.

Entre o céu e o inferno

Certamente a análise do pensador alemão esteja atual para entender a dificuldade vivida pelo jornalismo, depois de séculos relatando suas estórias. O céu e o inferno na contemporaneidade, e, por mais paradoxal que se apresente, sumariamente indispensável para a formação do conhecimento do público, separado no espaço e provocado pelo caos momentâneo dos fatos.

Com as novas formas de comunicação, no entanto, do outro lado haverá sempre um leitor com sua realidade ficada na sua existência prática, tornando-se um narrador por excelência e confiável, por estar em tese diante dos acontecimentos – diferentemente dos vários relatos organizados à distância deles.

As novas mídias cabem nesta discussão, quando se descobre que os vários leitores, com a única posição de passivo diante do texto jornalístico, passa agora a ter condições de tornar-se emissor em tempo integral, e mais confiável pela sua presença física nos eventos, como ocorre com os movimentos sociais com suas câmaras e gravadores. Portanto, uma realidade cada vez menos mediada, e mais próxima da verdade das ruas, palco do cotidiano, que se descortina diante das lentes, reduzindo irremediavelmente a película da mediação.

Como este ponto já daria uma ampla discussão voltamos ao tempo das mídias tradicionais na tentativa de compreender o trabalho dos meios de comunicação tradicionais, os quais tem grandes desafios pela frente no sentido de encontrar dispositivos para a credibilidade de suas estórias. No Isolamento narrativo o Jornalismo forma a experiência do público, porém, seu distanciamento do cotidiano vai construindo sua ineficiência e proposta de verdade pela onipresença, ao longo do tempo questionada pelo público leitor. A experiência que exige conhecimento não é apenas tarefa de um único agente, a mídia – através de seu editor/administrador na sua relação com as fontes exclusivas -, mas seus relatos são comparados e repercutidos em diferentes suportes de comunicação locais e globais. Reconfiguração das produções tradicionais vai se tornando necessária e indispensável.

O campo do jornalista

Desta maneira, o jornalista no campo das reportagens se revela cada vez mais indispensável – a quase semelhança do narrador de Benjamim -, nesta lógica de pensamento. O repórter é quem está mais próximo dos fatos em formação, sobretudo, no campo da política e considerando as comunidades regionais, à margem dos grandes centros culturais – onde há atuação de agentes políticos. O isolamento da redação para definição das articulações, cujas estórias servem aos propósitos mercantis, mas com importância na formação da experiência do leitor, não satisfaz inteiramente. Portanto, a credibilidade está além do reconhecimento do jornalista de renome e passa a ser verificado nas ruas, no limite das narrativas. Portanto, ser jornalista está cada vez mais difícil, no mundo contemporâneo de mais comunicação e informação – um alerta para os cursos de jornalismo para a profundidade de conhecimento crítico.

Em essência, não seria sem razão a preocupação dos movimentos sociais com as mídias tradicionais, que ao mostrarem credibilidade, montam suas estórias em salas fechadas, construindo o mundo. Assim, as narrativas se constituem distantes do desenrolar dos fatos e suas variáveis, e se aproxima da trama do romance, com diferentes estratégias de dramaticidade, com objetivo de assegurar a audiência para formação de experiência coletiva, cuja ideologia estaria concernente com uma matriz cultural, discursiva e econômica.

Talvez seja possível, neste contexto, acreditar que as críticas à grande imprensa aumente na pós-modernidade – a visibilidade daquilo que torna visíveis as coisas: o espelho do espelho; em questão a ordem do narratário (ou enunciatário) e a indicialidade do jornalismo que leva ao simbólico na semiose –, com revoluções que se anunciam, muito revelam e não se resumem apenas ao grito das ruas, mas em novos sentidos que surgem das casas onde há trocas de experiência entre leitores/emissores.

Ser jornalista, em contato com o mundo das oralidades em rede, se faz cada vez mais importante para a formação do conhecimento e credibilidade do jornalismo. Imaterialidade da comunicação que ganha corpo no cotidiano.

Referências

BENJAMIN, Walter. “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.

MARTÍN-BARBERO. Dos meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.

MOTT, Luiz Gonzaga. Narratologia: teoria e análise da narrativa jornalística. Brasília: Casa das Musas, 1995.

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Antonio S. Silva é jornalista, mestre pela PUC/SP, doutorando pela UnB e professor da UFMT, Campos Araguaia