A partir de 1932, o Estado getulista tornou obrigatória a exibição de curtas nacionais antes de longa-metragens estrangeiros nas salas de cinema de todo o país. Já em 1936, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince) foi criado para produzir filmes destinados às salas de aula, mas também às salas comerciais de cinema.
Os órgãos oficiais passavam, assim, a exercer maior controle sobre a produção cinematográfica, em especial aquela com caráter de propaganda, alinhada à política nacionalista, de educação para a vida cívica, de culto a heróis e de engrandecimento da Nação. Foi nesse contexto que o governo encomendou a Humberto Mauro (1897-1983), um dos grandes cineastas da época, a realização dos filmes Descobrimento do Brasil (1937) e Os Bandeirantes (1940).
Pouco explorada, essa fase oficial de Mauro agora recebe uma análise política, histórica e cultural em livro de Eduardo Morettin, professor de História do Audiovisual e coordenador do programa de pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), publicado com auxílio da Fapesp.
Documentos históricos
Humberto Mauro, Cinema, História relata o diálogo que o cineasta estabeleceu com a historiografia, a música, a pintura e o próprio cinema para reconstruir episódios do bandeirantismo e da “descoberta” do Brasil sob a influência política e ideológica do Estado Novo.
Um dos requisitos do Ince para produções do gênero era a orientação de intelectuais. Os dois filmes de Mauro contaram com a participação direta do antropólogo Edgar Roquette-Pinto (1884-1954), então diretor-presidente do Ince, e principalmente do romancista Affonso de Taunay (1876-1958), que era diretor do Museu Paulista e foi responsável pelo uso de quadros e estátuas do acervo nas filmagens de Os Bandeirantes – com músicas de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), artista também vinculado ao regime político vigente.
Na análise de Morettin, promover uma reconstituição sob tais circunstâncias “não se trata tão somente de captar as efemérides do momento, mas de celebrar por meio de filmes de ‘ficção’ aquelas comemorações que fazem parte do imaginário de uma determinada sociedade, como é o caso da ‘descoberta do Brasil pelos portugueses’, visto como ato fundador da Nação, ou da ‘expansão territorial do Brasil’, dado que consolida a ação inaugural do descobrimento”.
Contudo, as conclusões do pesquisador apontam para o fato de que o objetivo dos filmes não se concretizou junto ao púbico – muito por conta de um tom melancólico característico de Humberto Mauro (também presente em Ganga Bruta, de 1933), que impediu que as narrativas assumissem um caráter épico, de exortação. Também houve quem criticasse a falta de melodrama e de elementos que sensibilizassem o espectador.
A análise interna dos filmes e do contexto no qual eles se inserem é fruto dos projetos de mestrado e doutorado de Morettin e requisitou o estudo de documentos históricos em universidades, museus, bibliotecas e arquivos oficiais de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Lisboa, complementado por pesquisas específicas em cinematecas do Brasil e de Portugal.
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Noêmia Lopes, para a Agência Fapesp