É difícil descrever o que era o Luiz Paulo Horta na redação, o colega Luiz Paulo. Ele tinha muitas facetas, fina inteligência, vasta cultura, e um coração generoso, por isso o contato com ele era sempre enriquecedor. Passava-se por ele e, de repente, vinha uma frase inteligente, uma provocação para pensar e, principalmente, um carinho. Quando ele perguntava: “como você está?” realmente queria saber a resposta. Nada nele era superficial.
Gostávamos de conversar sobre a Bíblia e, como eu disse para ele no último e-mail, era gostoso “brincar de divergir dele”. Como filha de pastor presbiteriano, eu aprendi a ler a Bíblia desde cedo e ele tinha uma vasta cultura teológica. Revisitávamos sutilezas das antigas divisões que, em 1517, provocaram a Reforma. No último desses diálogos, o Ancelmo riu muito e disse: “os leitores nem imaginam isso aqui dentro”.
O Luiz Paulo era o nosso professor de muitos outros temas, que entendia profundamente, e que ignorávamos. Era capaz de parar tudo para ouvir um disco que alguém lhe entregava para ouvir. Foi o que fez com Álvaro Gribel, que trabalha comigo na coluna e que é compositor de música popular; e foi o que fez com minha irmã Simone Leitão, pianista clássica. Aos dois ele ofereceu avaliações detalhadas sobre o trabalho, com palavras de incentivo.
Ele andava pela redação espalhando sorrisos e carinhos e, de repente, poderia entrar numa sala só para elogiar um trabalho e dizer uma palavra doce. Encontrá-lo era sempre uma enorme sorte, porque era a chance de receber o sorriso do Luiz Paulo. O sorriso da sinceridade. Na última semana tive o privilégio de vários desses encontros. Na noite de sexta, passando pela sala dele, muito próximo da minha, eu o vi escrevendo e pensei com carinho o quanto gostava dele. Ele trabalhou muito nos últimos dias de vida, com a alegria que lhe deu o sucesso da Jornada Mundial da Juventude e tudo de bom que o Papa Francisco despertou no país. Logo depois, ele foi à minha sala para confirmar comigo meu e-mail pessoal. Dei e logo depois chegou uma mensagem que estava espalhando para os amigos, avisando que faria 70 anos. Aproveitei a resposta para dizer que gostava dele e falar que dava graças a Deus pela vida dele. Uma vida a ser comemorada, a do nosso Luiz Paulo Horta. Penso nessa hora de despedida no mistério de uma pessoa que preserva a capacidade de distribuir afeto e gentilezas no corrido e intenso cotidiano do trabalho.
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Míriam Leitão é colunista do Globo