Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Polícia é chamada para intervir na entidade

Pela primeira vez em 105 anos de existência aconteceu um fato inusitado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a entidade que tem combatido todos os tipos de violações dos direitos humanos e defendido a liberdade de imprensa.

O associado Orpheu Santos Sales, integrante de uma chapa que se intitulou “Vladimir Herzog”, mas que não chegou a ser formada por não cumprir exigências estatutárias, além de entrar na Justiça contra a diretoria encabeçada pelo jornalista Maurício Azêdo, chamou a polícia para ingressar na entidade caso fosse realizada uma reunião mensal de julho do Conselho Deliberativo. Liminar judicial havia suspendido a reunião. [Os integrantes da chapa não formada entraram na Justiça alegando que tiveram cerceados os direitos de concorrerem a eleição da diretoria. Já a Comissão Eleitoral entendeu que a chapa encabeçada por Domingos Meirelles não conseguiu se inscrever por não cumprir exigências estatutárias.]

Antigos diretores se valeram de outra decisão judicial sobre a reintegração da antiga diretoria e alegaram que estavam reassumindo os cargos ocupados na antiga gestão por Domingos Meirelles, Jesus Chediak e Orpheu Santos Sales. Posteriormente, no entanto, outra decisão da Justiça revogou a medida e a diretoria eleita em abril voltou a ser reconhecida.

Em vez da reunião do Conselho Deliberativo da ABI, suspensa por determinação da Justiça, ocorreu um encontro informal tendo os integrantes da chapa não formada ali presentes admitido que chamaram a polícia para garantir a não realização da reunião formal do Conselho. Um integrante da patrulha da PM, o cabo Bezerra, que se encontrava no saguão de entrada da ABI, confirmou que estava cumprindo ordens do comandante, que atendeu um “pedido dos oposicionistas”.

Bate-boca

Durante a reunião informal vários associados demonstraram indignação pelo fato de a ABI estar sendo vigiada pela PM atendendo “pedido dos oposicionistas”, algo inédito desde a fundação da ABI, em 1908.

O associado Domingos Meirelles, cabeça da chapa “Valdimir Herzog” não formada, presente à reunião, tentou de todas as formas demonstrar que a presença da PM não se devia a um pedido dos oposicionistas, mas sim por decisão da Justiça.

Mas o próprio associado Orpheu Santos Sales confirmou que tinha requisitado a polícia para, inclusive, ingressar no 7º andar da ABI caso fosse realizada formalmente a reunião mensal do Conselho Deliberativo.

Vários associados indignados com a presença da PM, naquele momento no saguão da entrada da entidade, na Rua Araújo Porto Alegre 71, no coração do centro do Rio de Janeiro, declararam que associado que pede a presença da polícia na sede de uma entidade que defende a liberdade de imprensa e os direitos humanos não poderia continuar sendo associado.

Orpheu Santos Sales partiu então para ofensas a quem exigia a sua exclusão, destratando quem o fizesse e valendo-se inclusive de mentiras, algo inconcebível para quem é jornalista.

Vítima fatal

Neste momento, até julgamento definitivo da ação judicial imposta por Domingos Meirelles e demais integrantes da chapa “Vladimir Herzog”, a ABI seguirá dirigida pela diretoria eleita na última eleição realizada no fim de abril.

Os acontecimentos da terça-feira (30/7) demonstram concretamente que o nome de Vladimir Herzog, como todos sabem vítima fatal da ditadura civil-militar de 1964, não pode servir de abrigo a uma chapa cujos integrantes chamam a polícia para intervir em assuntos internos da entidade.

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Mário Augusto Jakobskind é jornalista, conselheiro da ABI e presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade