Wednesday, 11 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

A desconstrução das Casas Fora do Eixo

O Brasilianas.org de segunda-feira [19/8] – na TV Brasil – irá discutir a experiência da Casa Fora do Eixo e da Midia Ninja.

É um feito: ser alvo simultaneamente do macartismo da direita, do acerto de contas da esquerda e da escandalização da velha mídia. É desafio para gente grande, o que está acontecendo agora com ambos.

Ontem [sexta, 16/8] palestrei em um evento do Encontro Nacional dos Estudantes do Campo Público, 1.500 rapazes e moças de todo o país.

Uma das palestrantes foi uma mocinha de 21 anos, quase uma patricinha, representante da Mídia Ninja. Falou ao lado de representantes da Casa Civil, da prefeitura do Rio, de professores renomados e de um jornalista veterano. E deu o recado.

Explicou como é a estrutura, seu trabalho de receber as imagens em casa e editar. Contou que o grande veículo de disseminação da produção é uma página no Facebook. Mostrou como a Midia Ninja cobriu julgamentos no Acre, as manifestações em São Paulo, Belo Horizonte, Rio e Brasilia.

Aí me volto para os ataques recebidos nos últimos dias.

O responsável pela área digital de O Globo, por exemplo, escreve um artigo dizendo que, com todo apuro e senso de responsabilidade que caracterizam o jornal profissional, O Globo foi conferir as imagens do PM que supostamente agitava nas manifestações. E concluiu que eram duas pessoas diferentes nas duas cenas relatadas.

Não lembrou o episódio da bolinha de pepal em José Serra, no qual a maior, mais técnica e mais profissional emissora de TV do Brasil, uma das mais conceituadas do mundo, foi desmascarada por um professor gaúcho, feito só possível devido à Internet e à propagação de seu estudo por blogs e redes sociais.

Houve uma única diferença nos dois episódios. Os leitores de O Globo só souberam de relance, pelo artigo citado, que o agitador poderia não ser o PM. Não saiu sequer o desmentido para não conferir status ao oponente – a mídia alternativa. Já os internautas souberam com abundância de detalhes a manipulação das imagens pelo Jornal Nacional.

Quem é mais informado? O leitor que só lê O Globo ou aquele que lê o Globo, assisti o Jornal Nacional e vai conferir na blogosfera?

A criação do contraponto

Este é o ponto central, o fato novo desconsiderado por todos esses ataques à Mídia Ninja e à Casa Fora do Eixo. Quanto mais balbúrdia, isto é, quanto maior a possibilidade de mais agentes públicos se fazerem ouvir, mais aprimorada será a democracia.

O amaldiçoado Capilé deu uma aula no Roda Viva: vocês têm a sua parcialidade, nós temos a nossa; e a busca da verdade se dá na soma de todas as parcialidades. É nessa balbúrdia que tanto a bolinha de papel quanto o suposto erro de identiticação do PM agitador podem ser desmascarados.

A velha mídia levou aos leitores a percepção de que toda política é corrupta; as redes sociais levaram à classe mídia a constatação de que nem toda notícia é isenta e, nos últimos anos, quase toda notícia é parcial. A velha mídia atuou como contrapeso ao poder político; e a mídia alternativa como contrapeso à velha mídia. Ë assim que se constroem democracias.

Como melhorar a mídia

Dia desses, pelo Twitter discuti amigavelmente com um grande jornalista sobre essa falsa dicotomia entre o não-jornalismo dos Ninja (e da blogosfera em geral) e o suposto jornalismo técnico da velha mídia. Concordou que existem abusos na velha mídia mas garantiu que o caminho é batalhar pelo aprimoramento do jornalismo.

Como sonhar em se ter jornalismo técnico em uma mídia que, nos últimos anos, produziu o “consultor” Ruben Quícoli, a ficha falsa de Dilma, o dossiê falso da Agência Nacional de Petróleo, os dólares cubanos em garrafas de rum, o financiamento das FARCs aos partidos políticos brasileiros, o “caraca! 200 mil dólares”? E que nos anos 90 produziu a Escola Base, o Bar Bodega? E, depois disso, a riqueza de Lula, o apartamento de FHC em Paris, o escândalo da tapioca e deu guarida a todos os dossiês de Serra? Pó para, colega (lembram)!

O ponto central não é supor meramente que houve um afrouxamento nos filtros jornalísticos. É entender a razão disso ter ocorrido.

Em qualquer mercado: excesso de poder conduz a abusos; competição leva ao equilíbrio. É esse o ponto central.

A lógica da empresa jornalística é empresarial. Nos anos 30, Ortega y Gasset já definia a lógica do setor: o primeiro passo é se viabilizar economicamente; depois, fazer jornalismo.

Nos países com maior competição de mídia, abusos de um veículo são denunciados por outros. É negócio puro! O controle é feito via competição, sim, porque jornais necessitam de credibilidade e a difusão de seus erros compromete a principal característica de seu negócio. Quando um jornal denuncia a matéria falsa do outro usa o mesmo procedimento da empresa automobilística que aponta falhas de segurança nos carros do concorrente.

Onde não existe competição e ocorre a cartelização, não há freios. E aí os abusos se sucedem. Mesmo nos Estados Unidos, com seu mercado competitivo, a campanha de Obama só conseguiu vencer o jornalismo de esgoto de Ruperto Murdoch – que se tornou o padrão imitado pela velha mídida brasileira – com o concurso das redes sociais. Ou seja, até na economia mais aberta do mundo o conceito de redes de emissoras produziu uma ameaçadora concentração de poder.

O homem de mídia de O Globo parece aceitar a inevitabilidade das redes sociais, mas proclama: mesmo nesse novo ambiente, quem faz jornalismo é a empresa jornalística.

É uma visão reducionista e compartimentalizada do conceito de notícia e informação. A ex-aluna da Mônica Serra que informou sobre seu aborto – no momento em que acusava Dilma Rousseff de ser “assassina de crianças” – fez jornalismo sim. A informação foi dada pelo Facebook antes de chegar aos jornais.

O professor gaúcho que analisou as imagens da “bolinha de papel” fez jornalismo sim, e com seu conhecimento, derrubou os peritos de araque da Globo.

A Mídia Ninja, quando expõe a violência da PM ou dá a palavra aos tais Blocs, faz jornalismo, sim.

A arte comum de desconstruir personagens

Não sei de Capilé, pouco me importa o que faz ou deixa de fazer.

Mas os ataques que têm sofrido à esquerda e à direita mostram que há muitos pontos em comum na técnica de desconstruir reputações.

Duas comparações apenas para confirmar o que digo:

1. A velha mídia abriu espaço para que Cesar Benjamin relatasse conversas informais com Lula, espaço aberto a piadas toscas, para sustentar que Lula havia currado um companheiro de cela. Conversas informais de Capilé são relatadas para acusá-lo dee se valer do sex appeal de correligionários para cooptar mocinhas.

2. No primeiro acidente da TAM, o Jornal Nacional colocou um piloto demitido (e, portanto, magoado) de costas, e abriu microfone para falar o que quisesse sobre a companhia, sem nenhum contraponto. Com exceção das cineastas que deram a cara para bater, abriram-se os microfones da midia de esquerda para que pessoas que saíram do Fora do Eixo falassem o que quisessem do projeto. E não se deu o contraponto e nem se ouviu os que ficaram.

Não sei se Capilé é um gênio ou um oportunista, nem me importa. Importa saber que em ambos os casos – Casa Fora do Eixo e Mídia Ninja – mostrou-se que o uso das novas tecnologias permitiu o afloramento de novas vozes. E que o sucesso do modelo abre espaço, inclusive, para novas Casas do Eixo sem os vícios apontados na pioneira.

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Luis Nassif é jornalista