Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Coletivos travam em SP guerra virtual

No domingo passado [11/8], moradores da Casa das Redes, em Brasília, do coletivo Fora do Eixo (FdE), receberam pela internet cumprimentos pelo Dia dos Pais. Mesmo não tendo vivido a experiência da paternidade, eles se consideram pais coletivos de Benjamin Juvêncio Nanni, de 9 meses, o “bebê copyleft” (sem direito autoral). A criação de Benjamin Guarani Kayowá, nome dele no Facebook, é compartilhada por todos moradores da casa, que se revezam em tarefas como trocar fraldas, dar papinhas, tirar fotos da criança e postar na rede.

O que parecia apenas uma das muitas discussões telúricas do grupo, começou a esquentar depois que um jornalista cobrou em seu blog a ação de promotores da Vara da Infância contra a família alternativa. Assustados, pais e avós biológicos se manifestaram contra a criminalização da experiência. “Ter mais pessoas influenciando no seu dia a dia fez com que ele avançasse no desenvolvimento”, escreveu Isis Maria, mãe biológica de Benjamin. O pai é Marco Nanni. Ambos moram na Casa das Redes.

Era só o começo de uma série de petardos lançados ao longo da semana contra a filosofia hippie 2.0 do Fora do Eixo, coletivo cultural que atua na produção artística e que prega o coletivismo. Segundo os críticos, as supostas propostas libertárias do grupo estão repletas de contradições. Nas redes sociais, integrantes foram acusados de desvios morais (assédio e mentiras), políticos (indicações em conselhos e administração pública para obtenção de verbas públicas e patrocínios em editais para bancar projetos) e de práticas de crimes – como exploração de trabalho escravo e roubo.

A barra pesou na sexta-feira, depois que uma matéria da Carta Capital descreveu as casas coletivas como ambiente opressivo. Depois das manifestações de junho, mais uma vez, a nova geração mostrava como os debates políticos na atualidade haviam mudado. “A rede de desafetos do Fora do Eixo ficou maior do que a rede de colaboradores”, diz o ex-secretário de Cultura de Cuiabá, Mario Olímpio, que em 2002 deu espaço a Pablo Capilé, do grupo, na administração tucana da cidade.

Criado em 2005 a partir de Cuiabá, em Mato Grosso, o coletivo ganhou espaço na cena cultural independente do Brasil se associando a grupos de outros Estados. Cresceram apostando na arrecadação de dinheiro em editais públicos e também recursos privados para organizar manifestações culturais.

Liderança

Capilé, de 34 anos, o principal cacique da tribo, ex-estudante de Marketing em Mato Grosso, conseguiu conquistar adeptos na base do discurso solidário, repleto de simbologia. Apesar de financiamento com dinheiro público para muitos projetos, uma moeda (CuboCard) foi criada para mediar o escambo e a troca de serviços entre integrantes, antes feitos à base da brodagem (amizade).

Na prática, contudo, segundo os acusadores, o que se via era uma espécie de Oficina-de-Costura-do-Brás 2.0, com jovens trabalhando ininterruptamente 15 horas por dia. Nada que não pudesse ser justificado com filosofia: quando o trabalho traz realização, não é preciso ser separado do prazer. Confunde-se com a própria vida e se justifica por aumentar o nível de Felicidade Interna Bruta individual, em nome do grupo.

“Não partimos de nenhum autor para bolar essas ideias. Elas foram elaboradas na prática. Tínhamos pouco dinheiro e queríamos fazer muita coisa. Depois, tentávamos pensar e explicar o que estávamos fazendo”, explica Capilé.

A ações intuitivas e práticas do grupo e suas técnicas de comunicação em rede começaram a ficar mais sérias depois que o grupo chegou a São Paulo, em 2011, onde construíram a casa Fora do Eixo, no politizado ambiente dos coletivos cujas ações e ideais desembocariam nas manifestações de junho. As contradições entre prática e discurso passaram a ser atacadas.

A primeira rusga ocorreu durante a organização da Marcha da Maconha, em maio de 2011. Houve forte repressão policial. Na semana seguinte, os jovens se organizaram para articular a Marcha da Liberdade. “Foi quando o Fora do Eixo apareceu. Não conhecia o grupo. Eles ofereceram gente para ajudar a divulgar o evento pelas redes. A comunicação funcionou, mas não conseguimos pautar o debate político. O resultado foi uma marcha despolitizada, com gente defendendo o amor e a liberdade”, lembra o cientista social Marco Magri, do Desentorpecendo a Razão.

A presença do grupo cresceu ainda mais no ano seguinte, na eleição de 2012, quando eles ajudaram a promover o “Existe Amor em SP”. Apesar de se definir como apartidário, atraiu simpatizantes de Fernando Haddad (PT) e ajudou na eleição do prefeito. Capilé foi chamado para o Conselho da Cidade e Rodrigo Savazoni, ligado ao grupo, tornou-se secretário executivo do titular da Cultura, Juca Ferreira.

Quando as manifestações de rua de junho começaram, o debate a respeito da incoerência do FdE já havia avançado a ponto de o coletivo quase ficar de fora dos protestos. Eles eram a atual esquerda festiva, figuras opostas aos integrantes do Movimento Passe Livre, que veio com pauta bem definida e concreta (redução de R$ 0,20 na passagem de ônibus), agindo a partir de táticas ousadas como desobediência civil.

Até que a Mídia Ninja surgiu na cobertura dos protestos e passou a ser apontado como “revolução” do jornalismo. Parceiro do grupo que cobriu as manifestações de junho, oferecendo suporte tecnológico, o FdE voltava às cabeças e à visibilidade na opinião pública. Com isso, a avalanche de trolls (ataques) teve início, num violento debate político e virtual sobre sua filosofia, ética e conduta.

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Mídia Ninja agora vive impasse

Bruno Paes Manso # reproduzido do Estado de S.Paulo, 18/8/2013

A Mídia Ninja, que ganhou visibilidade nas manifestações de junho, passa atualmente por um impasse. Precisa decidir o nível de ligação que pretende manter com o Fora do Eixo (FdE)- que oferece a mão de obra e a tecnologia para a atividade dos jornalistas.

Na avaliação do grupo, a estratégia de captar dinheiro público, que acaba dependendo de ligações e diálogos políticos, pode comprometer a independência que eles gostariam de criar. Ao mesmo tempo, a estrutura e a mão de obra dos integrantes do FdE viabilizam as transmissões.

Na semana passada, os Ninjas pediram a ajuda de outros jornalistas para debater o tema e discutiram alternativas de financiamento. Assustado com o volume de críticas recebidas, Bruno Torturra, principal articulador do coletivo de repórteres, disse que havia desistido de tentar arrecadar dinheiro via crowdfunding (financiamento coletivo). O potencial de alavancagem de recursos era alto, mas ele preferiu abrir mão da iniciativa temendo ataques.

Ressentimentos

A guerra de trolls (ataques virtuais) começou a ocorrer depois da entrevista em que Pablo Capilé, do Fora do Eixo, e Bruno Torturra concederam ao Roda Viva, da TV Cultura. Os dias seguintes foram de glória. Os confetes, contudo, abriram a tampa da caixa de críticas e de ressentimentos contra as práticas do coletivo.

O fotógrafo Rafael Vilela, dos Ninjas, além de acompanhar os protestos, viajou para cobrir as manifestações no Egito. Ele abandonou o curso de Jornalismo em Florianópolis para morar na Casa Fora do Eixo, em São Paulo. Assim como os demais integrantes, não recebe salário e veste roupas de um armário coletivo. As fotos não têm seus créditos. “Foi uma excelente opção de vida e não me arrependo. Nossas fotos estão disponíveis e isso permitiu que fossem reproduzidas em vários lugares. É uma experiência que só pude ter por estar aqui.”

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O elo perdido entre os hippies e os coletivistas

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 18/8/2013

Um personagem liga a filosofia hippie dos anos 60 e 70 com as ideias coletivistas do Fora do Eixo nos dias atuais. Seu nome é Claudio Prado, de 70 anos, que foi produtor dos Novos Baianos no período da gravação do clássico Acabou Chorare, época em que o grupo viveu em uma chácara em Jacarepaguá, no Rio.

A reportagem pergunta para Prado se ele não acha que jovens que vivem a experiência de vida coletiva podem virar coroas mais conservadores. Baby Consuelo, uma das entusiastas do grupo, por exemplo, se tornou evangélica. Prado garante que não. Ele cita o nome de uma das críticas às práticas coletivistas, que atacou o grupo ferozmente na internet, como a principal candidata a virar “crente”. “Ela não entendeu nada do que o Fora do Eixo está propondo.”

Prado atuou com Gilberto Gil no Ministério da Cultura. No exílio do ex-ministro e de Caetano Veloso, em Londres, em 1968, serviu de guia dos baianos na capital. Foi também cofundador da Casa da Cultura Digital. Ele definiu os integrantes do Fora do Eixo como geração pós-rancor, festivos como eram os tropicalistas nos anos 1970. (B.P.M.)

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Bruno Paes Manso e Flávia Guerra, do Estado de S.Paulo