Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Noticiário internacional e manipulação midiática

Nos últimos anos, a grande imprensa brasileira, apesar do seu enorme poder de persuasão, tem perdido paulatinamente o monopólio de moldar a opinião pública nacional. O advento das redes sociais e a “mídia independente” têm proporcionado visões alternativas de determinados acontecimentos, o que vem a contribuir como contraponto ao status quo. Nesse sentido, o exemplo da chamada “Mídia Ninja”, que transmitiu ao vivo pela internet alguns flagrantes de abusos policiais nas recentes manifestações populares (contrariando a “versão oficial” dos fatos), é emblemático.

Entretanto, em relação às questões internacionais, em que o ponto de vista alternativo ao pensamento hegemônico é menos eficaz e abrangente, ainda é a grande imprensa (principalmente a maior emissora de TV do país) que determina o pensamento de grande parte dos brasileiros. Sendo assim, a ideologia imperialista da mídia estadunidense, fielmente difundida pelos seus congêneres tupiniquins, é praticamente a única fonte de informações que chega à esmagadora maioria da população. Desse modo, estereótipos como o “muçulmano terrorista e fanático religioso”, o “ditador cubano” e o “caudilho sul-americano”, exaustivamente repetidos como mantras pelos meios de comunicação, são aceitos sem maiores questionamentos.

Todavia, as atrocidades cometidas pelo Estado de Israel contra o povo palestino, a espionagem realizada pelo governo de Washington e a violação dos direitos humanos na Colômbia são estrategicamente negligenciados, ou, na melhor das hipóteses, abordados superficialmente.

Dois pesos, duas medidas

Vejamos alguns exemplos recentes. Neste ano faleceram dois influentes nomes do xadrez geopolítico global, Hugo Chávez e Margaret Thatcher, respectivamente nos meses de março e abril. Porém, as coberturas midiáticas de ambos os acontecimentos foram altamente tendenciosas. Chávez, articulador de políticas sociais que melhoraram as condições de vida dos venezuelanos mais pobres e responsável por aumentar os laços de solidariedade entre os povos do Sul, sempre foi tachado de “caudilho” e apontado como líder que ameaçava a estabilidade política mundial.

Já a “dama de ferro”, que executou inúmeras políticas neoliberais maléficas às classes trabalhadoras, é retratada pela imprensa hegemônica como exemplo de sobriedade e aclamada como grande personalidade do século passado.

Não obstante, a mesma mídia que faz questão de enfatizar uma suposta retaliação realizada pelo governo cubano à blogueira Yoani Sánchez, se cala em relação às perseguições de Wasingthon a Bradley Manning, Julian Assange e Edward Snowden. A propósito, enquanto Yoani saiu livremente de Cuba e viajou pelo mundo, Manning está preso nos Estados Unidos, Assange cumpre prisão domiciliar na embaixada do Equador em Londres e Snowden não pode deixar a Rússia, onde está exilado, sob o risco de ser morto pelo governo estadunidense. Em outros termos, de acordo com o pensamento dominante, apontar violações de direitos humanos realizadas pelo regime castrista é um ato de heroísmo. Em contrapartida, denunciar as políticas de espionagem dos Estados Unidos é caracterizado como ação criminosa. Dois pesos, duas medidas.

Democratização dos meios de comunicação

Para a grande imprensa brasileira, governos eleitos pelo voto popular, mas contrários aos interesses estadunidenses, são qualificados como antidemocráticos; já ditaduras e monarquias apoiadas pelas grandes potências não são questionadas. Assim, as deposições de Manuel Zelaya e Fernando Lugo foram consideradas constitucionais e o golpe militar que ocorreu em julho no Egito (tacitamente apoiado pela Casa Branca) é justificado sob o pretexto de combater o “radicalismo islâmico” da Irmandade Muçulmana.

Aliás, compactuar com ações contrárias a governos democraticamente eleitos não é novidade para a mídia hegemônica brasileira. Um dia após o fatídico golpe militar de 1964, o jornal O Globo apresentava um editorial que exaltava os bravos militares que “salvaram a democracia, a lei e a ordem no Brasil”. Desse modo, não é por acaso que o acrônimo PIG – partido da imprensa golpista – é bastante utilizado pelas forças progressistas de nosso país. Em suma, não se trata de pleitear uma imprensa que tenha essa ou aquela tendência ideológica, mas questionar o fato de a grande mídia brasileira apresentar quase sempre uma visão unidimensional da realidade. Salvo raríssimas exceções, somente determinado ponto de vista tem espaço nas maiores emissoras de televisão e nos principais jornais e revistas do país. Opiniões divergentes ao status quosão peremptoriamente ignoradas.

Diante dessa realidade, é preciso que os diferentes setores sociais possam ter a oportunidade de defender os seus valores políticos em igualdade de condições. Portanto, uma sociedade realmente livre passa, inexoravelmente, pela completa democratização dos meios de comunicação de massa.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG