Como foi divulgado pela imprensa, durante uma sessão do Supremo Tribunal Federal o presidente da mais alta Corte brasileira, ministro Joaquim Barbosa, não tolerando os argumentos jurídicos com que o ministro Ricardo Lewandowski dissentia de suas afirmações, dirigiu-se a este ofensivamente, acusando-o textualmente de estar fazendo chicana – expressão vulgar e grosseira usada para acusar um profissional do direito de estar agindo com má-fé. O ministro Lewandowski, conhecido por seu equilíbrio e sua atitude sempre elegante e respeitosa em relação aos colegas e a todos os que atuam no Tribunal, sentiu-se agredido, como era óbvio, e pediu que o agressor se retratasse, o que não ocorreu.
Esse foi um dos vários episódios lamentáveis em que o mesmo agressor, ministro Joaquim Barbosa, afrontou as regras de bom comportamento, de urbanidade e de respeito recíproco que devem ser a norma no relacionamento entre os membros da mais alta Corte de Justiça do Brasil e nas suas expressões públicas.
Com relação aos motivos que levaram o ministro Joaquim Barbosa ao destempero de linguagem e, coincidentemente, fazendo referência justamente à expressão usada pelo ministro agressor, “chicana”, há uma observação expressa do eminente jurista italiano Piero Calamandrei, em sua obra clássica Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. Eis o que diz Calamandrei: “É preciso não classificar levianamente de chicana o homem de bem que bate à porta do tribunal a pedir ajuda contra a prepotência…”.
No caso aqui referido, quem argumentava juridicamente e em termos respeitosos, em favor do direito e buscando impedir a prepotência, era outro membro do próprio Tribunal, o que torna ainda mais grave e mais suscetível de condenação a reação violenta do ministro Joaquim Barbosa.
Modelo e exemplo
Condenando o destempero de linguagem do presidente da Corte e o péssimo reflexo disso para a imagem do Tribunal, o ministro Celso de Mello criticou o destempero de linguagem do ministro Joaquim Barbosa, assinalando que isso “é ruim em termos de credibilidade da instituição e do entendimento que deve haver no colegiado”. Nessa mesma linha houve uma reação veemente de importantes entidades representativas da magistratura nacional. Em nota conjunta, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) condenaram a atitude do ministro Joaquim Barbosa, assinalando que “a insinuação de que um colega de tribunal estaria a fazer ‘chicanas’ não é tratamento adequado a um membro da Suprema Corte brasileira”.
Nessa mesma linha, houve também reação veemente de entidades representativas de advogados. Assim, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) manifestou-se repudiando a postura do presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmando textualmente que a conduta do ministro Joaquim Barbosa “revela seu desprezo a argumentos diversos e à necessária contraposição de ideias em regime democrático”.
Nessa manifestação de repúdio os advogados, relembrando episódios anteriores, afirmam que a atitude do ministro Joaquim Barbosa revela seu franco desprezo pelos que opinam de modo diverso ao seu.
O exame dos antecedentes e o conhecimento das circunstâncias de atuação do ministro Joaquim Barbosa levam à constatação de que ele não consegue tolerar com serenidade e respeito as opiniões que divergem das suas. A par disso, observe-se que tais características foram evidenciadas e se tornaram mais agudas a partir do momento em que, no curso do julgamento da ação penal que a imprensa transmitiu teatralmente ao grande público com o epíteto de “mensalão”, o ministro Joaquim Barbosa passou a ser apresentado como o “justiceiro”, que enfrentando as mais fortes resistências iria conseguir a condenação daqueles que desde o início a imprensa, direcionada por fatores alheios ao direito, exigia que fossem condenados, antes mesmo de serem julgados.
Não há exagero em dizer que o ministro Joaquim Barbosa ficou tocado com a atribuição de tal papel histórico e a partir daí endureceu suas atitudes e sua linguagem, agredindo colegas divergentes e até mesmo jornalistas que ousaram discordar de algumas de suas colocações.
Espera-se que as veementes condenações dessas grosseiras ofensas a integrantes da Corte Suprema que divergiram respeitosamente de suas posições, assim como a advertência, feita expressamente por um eminente membro do STF, segundo a qual a própria credibilidade da mais alta Corte fica comprometida, despertem a consciência da imprensa quanto à sua responsabilidade política, jurídica e social. É de suma importância que ela transmita com imparcialidade e respeito tudo o que se relaciona com o Supremo Tribunal Federal, que deve ser modelo e exemplo para a magistratura brasileira e ao qual é devido um tratamento digno de sua condição de mais alta Corte Judiciária brasileira.
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Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo