Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Partidos representam grupos de interesse no poder

“A ocasião faz o ladrão” (Machado de Assis, em Esaú e Jacó, que se passa na época da Proclamação da República – 1889)

A maior discussão na imprensa brasileira hoje é libertar o país da corrupção, para o que se deveria, no momento, condenar os réus do Mensalão e, por extensão, alijar do poder o Partido dos Trabalhadores – PT – já nas próximas eleições para governador e presidente. “É preciso passar o Brasil a limpo”, subentende-se das manifestações de rua que ecoam o bordão lançado pelo jornalista Boris Casoy desde o governo Collor – mas que assumiu como alvo inegável as atuais administrações públicas: especialmente as do PT no governo federal; e as do PMDB e PSDB, nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

O movimento anti-PT dos indignados espalhado por todas as classes, menos nos setores ligados à esquerda, se cristalizou nas manifestações de junho com o apoio e incentivo dos grandes meios de comunicação e da oposição PSDB-DEM, pretendendo-se bastião de uma utópica democracia limpa. Uma Canaã bíblica dos rios de leite e mel.

Caberia, porém, aos nossos inúmeros cientistas políticos e doutos articulistas/editorialistas da imprensa escrita e televisada advertir que não existe democracia dentro do sistema capitalista sem que os partidos representem necessariamente grupos de interesse no poder. Ou seja, todo partido e político disputa eleições visando a fazer prevalecer quem o financia, quem o patrocina – e isto não deixará de acontecer com financiamento público exclusivo, mesmo porque este apenas anteciparia recursos públicos aos novos e mais provavelmente aos atuais detentores do aparelho burocrático governamental. Sendo assim, todos candidatos e partidos cobrem interesses apenas parcialmente nacionais no que propalam como populares; enquanto encobrem seus reais interesses empresariais e pessoais. É da natureza humana e isto é tanto verdade que as promessas e plataformas, seja à direita, seja à esquerda, de situação ou oposição, nunca conseguem ser bem distinguidas pelo eleitor.

Uma nação sem vontade política

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) costuma ser atacado pela esquerda uspiana, entre outras, com a pecha de weberiano neoliberal. O equívoco da aleivosia é duplo, na medida em que Max Weber foi, junto com Marx, um dos primeiros críticos, e mais consistente, da ineficácia do atual modelo de democracia burguesa dos países ricos/ocidentais. A execração do neoliberalismo é mais míope ainda porque a suposta doutrina não passa de uma nova etapa do capitalismo internacional. No aspecto político – nossos literati (como ironizava Weber os publicistas ideológicos da sua época) deveriam estudar Maquiavel e ler o próprio Weber quando ele heroicamente atacou o legado de Bismarck. Ataque desferido na imprensa que anteviu a metamorfose deste legado no regime nazista, ao custo e culpa da incipiente democracia liberal da República de Weimar.

Em plano semelhante é mais do que hora de refletir e defender uma reforma política coordenada com o Congresso, ao invés de simplesmente tachá-lo como antro de mensaleiros foragidos. E aqui lembremos mais uma vez Weber. “Para o político moderno”, diz ele em um dos artigos de parlamentarismo e governo, “a escola de lutas apropriada é o parlamento e as disputas dos partidos perante o público geral; nem a concorrência pelo avanço burocrático nem qualquer outra coisa se constituirá num substituto adequado. Evidentemente, isto só é verdadeiro com relação a um parlamento cujo líder pode assumir o governo”.

No caso brasileiro, sem parlamentarismo, a sentença poderia parecer vazia, mas não o raciocínio weberiano sobre partidos fortes – o que significa reais defensores de suas classes – como única defesa contra o cesarismo ou bonapartismo em repúblicas federativas. Só estes devem definir inclusive a forma de governo “adequada em qualquer época” – as aspas são de Weber, “uma questão técnica que depende das tarefas políticas da nação”. Enquanto isto, porém, nossos pensadores e ideólogos continuam acostumados à ideia de que um grande estadista ao leme toma as decisões políticas necessárias, quando isto é tão só sinônimo de uma nação “sem qualquer vontade política própria”, Weber again.

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Zulcy Borges de Souza é jornalista, Itajubá, MG