Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quem critica a violência

Nos últimos meses, a grande imprensa brasileira, amparada em sua já conhecida, velha e carcomida ideologia conservadora, desencadeou uma agressiva campanha visando a domesticar a onda de protestos sociais que eclodem de norte a sul do país. A tática utilizada é tão antiga quanto seu conservadorismo: dividir para conquistar. Em sua linha discursiva, o oligopólio midiático busca separar os manifestantes em “pacíficos” e “violentos”, “maioria” e “minoria”, apresentando a si mesma como uma defensora dos “direitos”, desde que reivindicados nos limites da ordem institucional.

Nada de novo e surpreendente se levarmos em consideração que o maior veículo de comunicação do país tratava como terroristas perigosos os grupos e pessoas procurados pelos aparatos repressivos da ditadura militar. O fato que pode surpreender alguns é a ácida crítica desferida por setores da chamada esquerda política diante de um dito comportamento violento existente em inúmeras manifestações em centenas de cidades. Destacam-se os depoimentos da reconhecida professora Marilena Chauí que, em sua cega e dogmática adesão ao Partido dos Trabalhadores, aponta uma inspiração de caráter fascista na ação dos Black Blocs. Também relevantes são as declarações do deputado estadual fluminense Marcelo Freixo (PSOL), entusiasticamente defendo a ação policial contra o que considera depredação do patrimônio.

Esses dois simbólicos personagens da política nacional expressam e revelam os limites de seus pontos de vista, restringindo a possibilidade da ação política unicamente circunscrita nas balizas da lei e da ordem.

Estado policial vigilante

Invocar a “lei e ordem”, além de desnudar uma concepção naturalista dos elementos que compõem o sistema jurídico, torna manifesto uma leitura completamente afastada da realidade dos conflitos sociais. Tal reinvindicação normativa implicaria, minimamente, levantar o questionamento sobre a existência de um “Estado de direito” no Brasil. Recorrendo a Thomas Hobbes e seu Leviatã, os homens renunciariam à sua liberdade (no contexto hobbesoniano, visto como a ausência de restrição à ação individual) em benefício de um poder soberano garantidor da paz e da salvação do homem em sociedade. Nesta perspectiva, podemos interrogar se o Estado brasileiro se apresenta como garantidor da paz social. Particularmente vislumbro a negatividade da resposta como algo certo. Neste caso podemos adotar o conceito de “resistência”, visto pelo próprio Hobbes como forma de controle do poder absoluto do Estado.

Aceitando e devolvendo a provocação elaborada por Marilena Chauí, poderíamos afirmar que, no caso da realidade brasileira, a inclinação ao fascismo está próximo da máquina estatal, sendo que o fenômeno das ruas se enquadraria na categoria “resistência”. O fascismo como expressão política surge na Europa das primeiras décadas do século 20 e, se seguirmos as pistas dadas pelo filósofo italiano Umberto Eco, podemos apontar como características desse regime a intransigente defesa da disciplina e da ordem hierarquizada. Nesse aspecto, por mais que se possam realizar acrobacias e malabarismos teóricos-conceituais, não consigo vislumbrar a possibilidade de aproximação da tática quase improvisada dos Black Blocs e sua aversão às verticalidades disciplinadoras com o fascismo. O mesmo já não se pode dizer do Estado nacional brasileiro, altamente hierarquizado e disciplinador.

Outra característica proveniente dessa vertente autoritária de matriz europeia é a exacerbada moralidade receitada como qualidade fundamental para a restauração da ordem. Nem a leitura mais apressada e superficial do comportamento dos jovens de máscaras e roupas negras poderia vinculá-los a essas particularidades. Já da imprensa brasileira, não teríamos tanta segurança em negar tais vínculos.

O culto à tradição é outro imperativo da política fascista. No caso dos Black Blocs, não se percebe nenhum apego a tradição alguma, sendo os símbolos nacionais, tais como a bandeira do Brasil, comumente alvo de severas repreensões por parte dos ativistas. Sabendo do espírito crítico que permeia a maior parte da trajetória e do trabalho intelectual de Marilena Chauí, podemos considerar que as ilações feitas por nossa importante filósofa podem ter como fonte de inspiração a Academia de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, local no qual a professora da USP proferiu palestra a cadetes e oficiais. Chauí fez a infeliz opção de não destacar a farda preta e a faca na caveira do Bope, com seu caveirão e a cotidiana ação criminosa da PMERJ, provocando uma inversão de valores na qual a vítima se transforma em agressor. Outra característica do fascismo é a construção de um vigilante Estado policial violador dos direitos individuais. Mas quanto a isso, nossa importante intelectual preferiu não falar.

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Robson de Sousa Moraes é professor de Geopolítica, Goiânia, GO