28 de setembro de 2013. Deu na primeira página do jornal uruguaio La República:
Biden le aseguró a Mujica que visitará Uruguay – El vicepresidente norteamericano transmitió a Mujica que propondrá en las esferas diplomáticas un plan de apoyo para que Uruguay pase a ocupar una silla en el ámbito del Consejo de Seguridad de la ONU em el período 2015-2016.
A reação estadunidense ao discurso do presidente uruguaio pronunciado na 68ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas confirma a tese de que o sistema se apropria de tudo, com especial interesse no que o desnuda e sugere outra roupagem. Pois assim foi o pronunciamento de Pepe Mujica. Com o vigor das palavras, evocou a totalidade, conclamou o coletivo e celebrou a vida. (…) “devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização”, diz em um ponto, para ir adiante.
“Estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando. (…) De um lado a outro sobram ativos para vislumbrar essas coisas e para vislumbrar o rumo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais sobre isso porque a cobiça individual triunfou largamente sobre a cobiça superior da espécie (humana).”
Num tempo nascido do efeito de um fracasso histórico e que por conta disso a política foi fragmentada em identidades, não é pouco falar do que não se fala mais. Coisas como capitalismo, imperialismo, ideologia, classe, Estado, modo de produção, distribuição e igualdade, exemplos de totalidade que fazem a diferença na vida prática, mas perdeu-se a significação desse fato porque, como já disse um importante teórico de esquerda inglês, captar a forma da totalidade exige raciocínio rigoroso e cansativo incompatível com a ambiguidade e a indeterminação, ícones do chamado pós-modernismo.
Mujica, em seu aparente coração simples, acusou o dilema observando que a” globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal” e que é preciso pensar “nas causas profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-joga fora que o que joga fora é o tempo da vida humana, mal gasto em questões inúteis”.
Novo tempo
Depois de criticar a política da guerra levada pelas grandes potências, Mujica não poupou a ONU, “a nossa ONU” que, segundo ele, “se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para com o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta”. E pediu aos seus pares que pensassem sobre a grandeza que é viver. (…) “Nada vale mais que a vida”, disse o um dia chefe da guerrilha tupamara que passou 13 anos preso, dez dos quais numa solitária.
O discurso impactou. Tenha sido pela transgressão, pelo realismo, ou pela ousadia do realismo. Mas o fato é que testemunhas contaram não se lembrar de tamanho silêncio no plenário da Assembleia da ONU. Em resposta, o governo dos Estados Unidos, na pessoa de seu vice-presidente Joe Biden, transmitiu ao presidente Mujica que vai propor nas esferas diplomáticas um plano de apoio para que o Uruguai passe a ocupar um assento no Conselho de Segurança da ONU no período de 2015-2016. O chanceler uruguaio Luis Almagro aproveitou para lembrar que há tempos seu país solicita um lugar como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O jornal La República, de apoio à Frente Ampla que forma o governo, comemorou a proposta estadunidense. Daqui, de nossa parte, vale sonhar que a evocação totalizante de Mujica contemple o Mercosul e o bloco tome os assentos do Conselho de Segurança dando início a um novo tempo inspirado no coletivo de homens e mulheres que vêm do Sul.
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Maria Luiza Franco Busse é jornalista e doutora em Semiologia