Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O gol mais importante está prestes a sair

Nas última semanas, o que mais chama a atenção no futebol brasileiro – além da ótima campanha do Cruzeiro – é o movimento, encabeçado por 20 jogadores de grandes times do país, denominado Bom Senso Futebol Clube. O grupo de atletas rebelados tem como principal meta a crítica que já se faz há um bom tempo sobre um dos principais males desse esporte: a questão do calendário.

Já é senso comum entre treinadores, jogadores e torcedores que a quantidade de partidas durante o ano, feita por cada clube, é algo desmedido. Os jogos são vários, a banalização toma conta e o interesse da audiência, além, é claro, do nível das disputas, com isso tende a cair. Já era tempo de chacoalhar a ordem estabelecida, para que os próximos torneios não passem pela situação do atual e dos anteriores: jogos feios e nivelamento por baixo.

Comparando ao calendário europeu, se um clube de lá disputar todas as partidas do campeonato nacional e chegar às finais das copas, irá atuar, ao longo do ano todo (metade de 2013 até o meio de 2014), quando muito, 70 vezes. No Brasil, esse número pode beirar os 90 confrontos, caso o time chegue às finais do estadual e copas, além das 38 rodadas do campeonato nacional.

Globo escolhe a dedo

Uma das causas é a desorganização que toma conta, não de hoje, da entidade responsável por comandar o nosso futebol. A CBF lucra com a seleção brasileira, mas parece se importar menos com os clubes e, em especial, com os jogadores. Os clubes, por sua vez, em troca de interesses políticos, também não reagem. Foi preciso, então, que os atletas fizessem aquilo que era obrigação dos dirigentes. Por isso, também, a criação de uma Liga se faz urgente. A CBF continuaria a cuidar da seleção (e a ganhar com ela), enquanto a Liga se incumbiria de organizar os torneios em território nacional. É assim que ocorre em boa parte do mundo, especialmente na parte mais organizada.

A outra causa, evidentemente, é a TV. A Globo detém a exclusividade dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro, o mais rentável para clubes e para a própria emissora, além dos estaduais. Como sabe que a qualidade das suas transmissões fideliza uma porção muito extensa do público, o canal da família Marinho se dá ao luxo de revender os jogos para Band e Fox Sports. Ainda assim, mantém quase que o monopólio da audiência, logicamente não cabendo à Globo o ônus da culpa por isso.

Nesse sentido, nota-se que a mudança, que deveria envolver clubes e federações (que, em tese, montam a tabela), precisa da autorização da Globo. Na prática, ela escolhe a dedo quando os times jogam, justamente para encaixar as partidas de seus interesses na grade. Incluem-se aí, além da quarta à noite e do domingo à tarde da própria TV Globo, os jogos que passarão no SporTV (às quartas, quintas, sábados e domingos à noite), e as disputas que serão exclusividades do pay per view (pacote chamado Premiere FC,que engloba todas as partidas da Série A do Brasileirão e do Estadual da escolha do assinante).

Falta de criatividade

É certo que a emissora já pagou pelos campeonatos do ano seguinte e isso pressupõe acordos dela com patrocinadores. Mas o fato desta ou daquela TV adquirir os direitos de transmissão das partidas não a faz dona do produto. De qualquer forma, se para 2014 já ficou difícil mudar (o calendário do ano que vem prevê 30 dias de férias e só quatro de pré-temporada), que a emissora carioca tenha a bondade de “aceitar” alterações para 2015.

Em suma, um calendário repleto de jogos satisfaz a emissora, já que o que seriam das quartas e dos domingos sem futebol na TV aberta? E, dessa forma, o hiato no país sem transmissões de partidas nacionais é muito pequeno, chegando a pouco mais de um mês. O que significa dizer que, normalmente, os atletas até têm os seus 30 dias de férias previstos em lei, mas o período de pré-temporada se resume a pouco mais de dez dias. Para citar o exemplo ideal, na Europa todos os torneios terminam na segunda quinzena de maio e os times só voltam a atuar oficialmente em fins de agosto. Além das férias, os clubes fazem uma pré-temporada adequada e excursionam, arrecadando um bom dinheiro.

Com esse cenário, o que seria da Globo sem dois ou três meses de futebol? Outro problema, então, é descortinado: a falta de criatividade da nossa TV. Porque é quase inacreditável que, em um meio onde o dinheiro rola à vontade, não haja uma cabeça minimamente pensante capaz de criar uma alternativa, apta a idealizar algo que possa substituir o campo e bola durante, no máximo, três meses. Poderíamos até considerar a metade, já que durante um mês e meio é praxe não ter futebol (entre o final da primeira semana de dezembro e a segunda quinzena de janeiro).

Para profissionalizar o futebol

A proposta do Bom Senso F. C.é simples: que se diminuam os campeonatos menos importantes, ou seja, os estaduais. Reduzindo-os, pois estão repletos de péssimos times, abre-se a possibilidade de o ano letivo do futebol começar mais tarde. O problema é que os estaduais movem muito dinheiro, a ponto do campeão paulista, por exemplo, receber uma premiação maior que a do campeão da Libertadores.

Se o estadual fica mais curto, ele vale menos, o que desagrada dirigentes de clubes e federações. É importante lembrarmos: são os clubes que elegem presidentes de federações e estes, além dos mandatários dos 20 times da primeira divisão, escolhem o presidente da CBF. É um emaranhado de interesses tão forte quanto antigo. Eis aí um sistema duro de arrebatar.

A rigor da lógica, embora a diminuição de jogos prejudique, a curto prazo, as emissoras de TV (especialmente a TV Globo), federações e clubes do ponto de vista financeiro, ao mesmo tempo dá a chance de se aumentar o nível dos jogos. Nessa fase do ano, seriam menos jogadores contundidos, o nível de esgotamento seria menor, a emoção tenderia a aumentar e a qualidade final cresceria. Haveria mais tempo para preparação e treino, podendo fazer dos jogos menos contato e correria, mais capacidade técnica e tática. É preciso ter visão limitada para não perceber que, no fim das contas, a redução do calendário beneficia a todos: atletas, times, federações e emissoras.

Nove ou dez meses de futebol estaria de bom tamanho. Nos dois ou três meses de intervalo, a TV inova para tentar sair da dependência telejornal-novela-futebol. No viés esportivo, o Bom Senso Futebol Clubeabre um precedente para se profissionalizar o futebol em todos os âmbitos, inclusive no político. Essa coisa antiquada, que faz do futebol um instrumento, precisa dar lugar a jogos melhores e estádios cheios. Não são as relações de bastidores os protagonistas. Quem defende e faz o gol é o jogador. E a torcida vibra.

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Thiago Cury Luiz é professor e jornalista