Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Aviltamento da democracia

Em A República, um de seus diálogos mais famosos, Platão narra uma acalorada discussão entre Sócrates e Trasímaco a respeito da justiça. Contrariando a visão socrática, o sofista afirma ser esta [a justiça] nada mais que simplesmente a representação do interesse do mais forte, ou seja, do governante, ou do governo. “E, como devemos supor que o governo é quem tem o poder, a única conclusão razoável é que em toda parte só existe um princípio de justiça: o interesse do mais forte.”

Deste prisma, Trasímaco discorre sobre as vantagens do injusto, ou da injustiça, sobre o justo (ou a justiça). Segundo ele, os injustos levam vantagens em detrimento dos justos. Os injustos são inteligentes e bons, enquanto os justos o contrário. Enfim, Trasímaco acredita piamente que a injustiça é mais vantajosa que a própria justiça.

Alguém por acaso reconhece alguma semelhança entre esta visão grega e a nossa sociedade atual? Pois é, as palavras ditas pelo personagem do diálogo platônico escrito cerca de 300 anos antes de Cristo são tão reais que tenho a impressão que estas ideias foram formuladas no presente século. Uma sociedade na qual os “fracos”, honestos e justos são suplantados pelos interesses dos poderosos; onde os abutres são exaltados, enquanto os justos são massacrados e postos perante a opinião pública como algozes; onde nossa jovem e imatura democracia, reconquistada por meio da Constituição, nossa Carta Magna, é rebaixada, apequenada e, muitas vezes, jogada no lixo a fim de que prevaleçam os interesses dos poderosos.

Grupo fragmentado

A resposta negativa à validação da Rede Sustentabilidade – partido pelo qual a ex-ministra e ex-senadora da República Marina Silva concorreria à Presidência da República no próximo ano, dada pelo Tribunal Superior Eleitoral – representou um claro aviltamento da democracia. Uma preponderância dos interesses dos mais fortes (leia-se, “do governo”).

E o que me deixou mais intrigado foi ver praticamente toda a imprensa voltar-se contra Marina, noticiando que a causa da negativa do TSE dava-se devido ao fato do partido não ter alcançado o número mínimo de assinaturas exigido legalmente para a fundação de uma nova agremiação partidária. No entanto, isso não representa a realidade dos fatos. O que houve, na verdade, foi uma campanha e uma ação estratégica (vitoriosa, diga-se de passagem) para tentar desarticular a candidatura da Marina. Ação essa que começou com a rejeição de milhares de assinaturas pelos cartórios eleitorais sem nenhuma explicação plausível, e que culminou no julgamento da última sexta.

Depois do resultado, o grupo da ex-senadora se desentendeu, fragmentou-se e, como em um formigueiro que tem sua “rainha” atingida, e ficou meio desorientado. E, ainda que se queira, não é possível dizer que a força continua a mesma.

Tudo como dantes

A surpreendente e inesperada aliança com o PSB de Eduardo Campos não agradou, principalmente porque Marina não deixou claro como será sua participação na chapa. Caso a ex-senadora saia como vice do socialista, ela perderá e muito o apoio dos mais de 20 milhões de eleitores que confiaram em sua proposta para o Brasil na eleição de 2010. Ao contrário do que afirmam alguns, na política não existe essa história de que a Marina é “dona” de 20 milhões de votos. Não é assim que funciona. Pois, mesmo que ela esteja na chapa, os marinheiros estarão cientes de que não é ela a candidata, não são suas propostas que estão em apreciação. Enfim, não é a Marina, e sim, o Campos.

E nesta briga toda, quem pode levar a melhor é a presidente Dilma Rousseff, que disputará sem a pedra no sapato que atende pelo mesmo nome (Silva) de seu padrinho, Lula (da Silva). No jogo político, por enquanto está 1 a 0 para Dilma. E se o cenário ora apresentado se confirmar, a tendência é que a política, a justiça, o Brasil, enfim… tudo, continuem do jeitinho que está. Tudo como dantes, no quartel de Abrantes.

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Genisson Santos é jornalista