Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

‘A internet é um meio melhor que a televisão’

Nascida como uma revista alternativa para o público jovem, a VICE tornou-se um dos grandes expoentes da nova mídia digital – com uma rede online presente em mais de 30 países, parceria com a TV, uma gravadora e uma editora. Muito de seu sucesso deve-se à personalidade iconoclasta de seu chefe-executivo, o jornalista canadense-americano Shane Smith. “A voz crua, direta da VICE está repercutindo com uma crescente audiência global de jovens famintos por algo novo”, escreve Miguel Helft, jornalista de tecnologia da revista Fortune, que entrevistou Smith. Na conversa, o CEO falou sobre os motivos para o sucesso de sua empresa, ofereceu conselhos para a mídia tradicional – que mandou “para o inferno”, por sinal – e abordou o caso da controversa viagem do ex-jogador de basquete Dennis Rodman à Coreia do Norte acompanhada por uma equipe da VICE para um programa em parceria com a HBO.

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Você chamou a VICEde “a Time Warner das ruas”. O que quis dizer com isso?

Shane Smith – Quis dizer apenas que a Time Warner é um conglomerado de mídia, com revistas, filmes, livros etc. Assim como nós. Nós temos revistas, CDs, livros, vídeos e um programa de TV voltados para a geração Y, mais novos que os baby boomers.

Então a “rua” se refere à geração mais nova?

S.S. – Exatamente.

A VICEse descreve como uma rede integralmente digital, mas, como você disse, ela possui diversos outros canais e um programa na HBO. Qual a interação entre a VICEda TV e do computador?

S.S. – Nós somos integralmente digitais no sentido de que esse é o nosso foco. Criamos as coisas primeiramente online. Se elas se transformam em programa de TV ou em um filme, ótimo. É só uma nova forma de explorar o conteúdo, mas somos primordialmente digitais.

Muitos canais do Youtube aspiram se graduar na televisão porque lá o dinheiro é maior. Esse não é o caso da VICE?

S.S. – As pessoas querem mudar de plataforma por ser teoricamente mais lucrativo. Eu já disse que quero ser as próximas ESPN, CNN e MTV todas juntas em uma só. Todos dizem: “ele é um megalomaníaco lunático”. Se você olha os números no Youtube ou, por exemplo, na [rede de vídeos sobre games] Machinima, eles possuem 3,5 bilhões de visitas por mês. Com isso, você não seria a próxima CNN. Você seria a CNN vezes 10. Isso é que é excitante para nós. Queremos usar a televisão como marketing para nossa marca. Nós estamos em televisões de 23 países, mas não é o centro do nosso negócio. O centro do nosso negócio é expandir, aumentar nosso alcance e monetizar tudo isso de uma maneira significativa. As oportunidades online são 10 vezes maiores do que as que a TV a cabo oferecia há 20 anos.

No entanto, muitas pessoas que conseguem criar uma sólida audiência online reclamam que a monetização é muito difícil. Machinima, que você mencionou, recentemente demitiu 10% de sua equipe. Isso não acontece para a VICE?

S.S. – Temos sorte de trabalhar com as maiores marcas e nossa capacidade de vender ultrapassa nossa capacidade de medir. Nós fazemos as coisas diferentemente, e a questão da monetização do Youtube não é segredo. Mas o que se pode fazer são acordos inovadores entre marcas. Muitas empresas digitais não vão diretamente para as marcas e não fazem acordos criativos para monetização.

O que é exemplo disso?

S.S. – Olhe para o Creators Project (um canal da VICE focado na interseção entre arte e tecnologia). Fizemos um acordo entre marcas, com a Intel. Nós iremos produzir conteúdo que jovens gostam e isso ajudará nossa marca. Então fazemos o conteúdo e o exploramos. Nós temos canais em 23 países do mundo, isso aumenta o número de seguidores no Youtube. Atingimos então um milhão de visualizações. A Intel fica feliz porque está ganhando mais anúncios em uma escala global. Nós recebemos por conteúdo antes mesmo de colocá-lo no Youtube. Esse é o tipo de acordo que fazemos, as marcas querem escala e engajamento.

E vocês são capazes de manter independência editorial?

S.S. – Absolutamente. Nós não produzimos conteúdo com marcas. Nós produzimos conteúdo patrocinado por marcas. Não e diferente do que a televisão, o rádio e as revistas fazem.

A VICEé lucrativa?

S.S. – Muito. Temos uma regra de que tudo o que fazemos deve render dinheiro.Nós estamos crescendo 100% por ano sem nem contar com os grandes acordos que anunciaremos no fim desse ano ou no ano que vem.

[O conteúdo] no Youtube e na internet em geral costuma ser curto. Vocês tiveram sucesso com conteúdo longo. Por quê?

S.S. – Conteúdos longos são possíveis pela primeira vez por causa da banda larga e porque jovens estão consumindo vídeos longos através de celulares e tablets. Estamos no lugar certo e na hora certa.

Nem todos gostam da abordagem jornalística da VICE. Vocês foram duramente criticados por filmar o jogador de basquete Dennis Rodman na Coreia do Norte. No site da VICE, uma matériaproclamava que “a Coreia do Norte é amiga do Dennis Rodman e da VICE”. Qual sua resposta para essas críticas?

S.S. – Primeiro de tudo, qualquer diálogo com qualquer país é bom, especialmente se houver agressividade. Não posso ir para a Coreia do Norte por ter feito dois documentários no país e um fora dele, sobre campos de trabalho escravo na Sibéria, que eram muito críticos ao regime. Nossas críticas ao regime norte-coreano não são segredo.

Todo veículo tradicional de mídia diz que não estamos fazendo as coisas do jeito correto. Dizemos: “estamos sim, do nosso jeito”. Não estamos falando que somos os melhores do mundo. Nós estamos por aí, produzindo conteúdo, escrevendo histórias com que os jovens se identificam. Se isso não satisfaz a velha guarda, que ela vá para o inferno.

O que vocês farão de continuidade?

S.S. – O que aprendemos com a viagem de Rodman é que o conteúdo deve falar por si mesmo. Temos um grande [projeto]sobre o qual não podemos falar. Veja bem, Kim Jong-un é um personagem absurdista, de um país absurdista e nós fomos lá querendo uma história absurda. Nós sabemos disso. O que vem por aí é similar, mas com uma ressonância política maior.

De forma geral, o que vem por aí para a VICE?

S.S. – Olhe, é um ótimo momento para ser um provedor de conteúdo. Somos extremamente felizes e sortudos por estarmos no ritmo certo no momento certo. O que eu tento pregar é que a internet é um meio melhor que a televisão. Você pode fazer mais com ela. Mas o conteúdo que fazemos, muitas vezes, não se compara. Devemos nos desafiar para fazer melhor. Os criadores de conteúdo do mundo digital devem ser melhores que os da televisão.

Qual o seu conselho para a mídia tradicional que quer migrar para o online?

S.S. – Não é um retrofit. Se existe um grupo de velhos em uma redação que dizem “ok, vamos fazer um vídeo”, o que eles tentarão fazer é contratar pessoas com pedigree. O que eles terão vai ser uma versão piorada da televisão.

Você deve fazer as coisas de um jeito diferente, contratar pessoas que saem diretamente da escola sem nunca ter trabalhado na televisão ou em comerciais. Forme sua própria escola e treine essas crianças.

Estou compartilhando meus segredos porque é quase impossível conseguir fazer isso. Se você pensa que irá conseguir arrecadar 50 milhões ou 100 milhões de dólares e contratar pessoas experientes para fazer TV online, você irá falhar.