“É um Alô Presidente com perguntas”, descreveu o jornalista Jorge Rial, em uma conversa com seu colega Luis Majul em La cornisa, um programa de televisão, sobre a entrevista que fez há algumas semanas com a presidente Cristina Kirchner, no marco de uma temporada de entrevistas organizada pela Casa Rosada.
O emblemático programa do falecido presidente venezuelano Hugo Chávez estabeleceu uma forma de comunicação que muitos mandatários na região tentaram replicar à sua maneira: buscar uma via direta com a sociedade, uma ideia que elevou a política ao centro da cena televisiva. A prática também é adotada em outros países, como nos Estados Unidos, onde o presidente Barack Obama tem um programa na rádio no sábado de manhã.
Em seu livro Comunicação Governamental 360, o analista de comunicação política latino-americana Mario Riorda expõe algumas das tendências comuns na região. Entre elas, a busca por novas formas de comunicação direta com o cidadão, sem a mediação da imprensa, o que leva a uma “relação direta, emocional e personalista que pode produzir uma democracia de celebridade”, diz, seguindo o ensaísta colombiano Omar Rincón, que fala de uma “midiatização da política”.
A estratégia populista
Em entrevista, Ricón mantém que os “presidentes estão cada vez mais obcecados em comunicar”. “Não só se fazem de jornalistas, se fazem de celebridades. Atuam como heróis do melodrama; todos quererem deixar o povo apaixonado”, afirma. Para esse crítico de televisão, a política e as novelas parecem escritas sob as mesmas regras, embora devam se adaptar à cultura política e televisiva de cada país “para que tenham sucesso”.
Assim, como em toda saga, um herói é necessário, um que se contraponha ao vilão. “É o caso de Hugo Chávez, o vilão é o império; para Rafael Correa (Equador), os meios de comunicação”, diz.
Para Silvio Waisbord, diretor da Escola de Meios e Assuntos Públicos da universidade de George Washington, há um fator comum entre os governos populistas, como analisou em seu último livro, Vox Populista, onde analisa os governos Cristina Kirchner, Hugo Chávez, Evo Morales (Bolívia), Daniel Ortega (Nicarágua) e Rafael Correa. “Nesses casos, a comunicação está centralizada no Executivo e a comunicação presidencial está centrada na presidência. O problema é que, se não se comunica o presidente, se geram vazios de comunicação. Mas se o presidente é um bom comunicador, são pontos ganhos. O mais irônico do populismo é que uma parte tem uma retórica muito forte de comunicação horizontal, mas tem um modelo que vai contra esses princípios.
A obsessão pelas cadeias nacionais de rádio e televisão é um capítulo-chave dessa novela de Chávez adaptada aos países com governos populistas, uma sobre-exposição que não é recomendada por um manual de bom comunicador. “A lógica das transmissoras é muito diferente da estratégia política contemporânea, para a qual os presidentes tem que falar pouco e em momentos particulares”, explicou o especialista.
O imitador
O Alô Presidente nasceu quase ao mesmo tempo em que o governo de Chávez, em 1999. O ciclo começava aos domingos pouco antes do almoço e se estendia durante horas, tantas como o líder bolivariano achava necessárias, por todos os meios estatais.
Em 29 de janeiro de 2012, quando sua saúde estava debilitada, Chávez protagonizou a última transmissão, de seis horas, depois de uma larga e única temporada de 1.656 horas e 44 minutos, segundo a página oficial do programa.
Para sua segunda temporada, o Alô Presidente mudou de nome e de protagonista. E, assim como ocorre com sucessos televisivos que se estendem mais do que a história permite, dessa vez foi um fracasso. Dias depois da morte de Chávez, quando ainda era presidente interino e candidato à Presidência, Nicolás Maduro debutou com o Diálogo Bolivariano. “Maduro tenta imitar Chávez, mas o faz mal, inclusive com o uso em nome de Deus. Precisa de um personagem crível. Quando os líderes são tão contundentes, somente existe um. É quase impossível substituí-lo”, disse Rincón.
A intimidade da heroína
“Néstor Kirchener como orador foi mais do clássico modelo político argentino: falava sempre da tribuna. O caso de Cristina é diferente. Tem um estilo muito particular de comunicação. Tem momentos de oradora de tribuna, outros com um discurso mais pedagógico, misturado com a advertência ou a crítica à oposição. Nela está muito mais explorado o imaginário evitista ( de Evita Perón), uma coisa mais explícita e deliberada”, diz Waisbord.
O “personagem”, além de ser distinto do de Néstor, sofreu modificações própria ao logo dos capítulos. Sua comunicação foi a base das cadeias nacionais em um momento, de teleconferências em outro e depois chegou a paixão pelo Twitter. Agora, um novo formato: desde outro lugar.
O programa tem como primeira figura a Presidente, embora sempre com um convidado especial: um jornalista escolhido pela Casa Rosada. A duração de cada transmissão (que é um fragmento da entrevista) varia, assim como o dia e o canal de transmissão (embora na TV Pública e na Rádio Nacional sejam fixos), e também sua frequência. “É uma estratégia muito habitual querer controlar a mensagem e criar situações amigáveis, onde não haja jornalista que as tirem de foco. Isso não é único do populismo nem do kirchnerismo. A diferença é que se faz dessa forma enquanto não se fazem outras formas de comunicação com a imprensa”, opina Waisbord a respeito das coletivas presidenciais.
Para Riorda, se trata de um “novo código”. “Um código com relativo controle, mas muito focado na dimensão emotiva, pessoal (sem excluir o posicionamento sobre a política) que mostra o traço mais valorizado pelos eleitores nem-nem (nem kirchnerista, nem antikirchnerista) de Cristina Kirchner, quando fala em um tom oposto ao da tribuna partidária.
Outros casos
Desde 20 de janeiro de 2007, os equatorianos podem sintonizar o Enlace Ciudadano, com Rafael Correa como protagonista, em 54 emissoras equatorianas governistas, além de mais duas estatais, aos sábados às 10h. “Rafael Correa rompe com os moldes de comunicação previstos, incluindo os protocolares, falando de um nacionalismo popular e irreverente sobre os poderes formais, com um tom épico constante”, disse Riorda.
No caso do Brasil, a mudança de comando (“como de um pai para uma mãe”, conforme percebe Rincón) também incluiu um pequeno retoque no programa de rádio presidencial, Café com o presidente, que em janeiro de 2011 começou sua versão feminina depois de mais de sete anos no ar com Lula como primeira voz.
Com seu estilo humilde e atrevido, José “Pepe” Mujica também elegeu uma rádio, um formato com que já estava acostumado. O líder de esquerda encabeçou um programa partidário do Movimento de Participação Popular na estação M24 todos os dias durante uma década, até março de 2010, quando assumiu a Presidência. Desde esse momento, a temporada passou a ter primeiro duas transmissões semanais e logo, uma, sob o nome Habla el presidente. A essa temporada se somou este ano o O presidente fala ao país, que passa às terças-feiras ao meio-dia nas emissoras estatais.
Se bem que todos os protagonistas dessa história pareçam governantes de esquerda, há um político de direita que soube se adaptar ao personagem e mantém uma política de comunicação aberta e exitosa. Se trata do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e seus Conselhos Comunais transmitidos pela televisão. O ex-mandatário viajava aos povos do interior do país, se vestia com a indumentária típica dessa zona e conversava com os povoados sobre a conjuntura local. Sempre com uma câmera ao lado, que gravava as imagens que logo eram transmitidas na televisão nacional.
Entretanto, seu afilhado político e atual rival, Juan Manuel Santos, não soube continuar com esse papel. “Santos não é um herói melodramático. Não pode conquistar o povo. Ele fracassa na fama. Tem um governo mais democrático, mas, por exemplo, na aparece no rádio porque não fala muito bem”, opinou Rincón, e o vinculou com o presidente chileno Sebástian Piñera. “Pensam que estão gerenciando uma empresa, mas não sabem como se encontrar com o povo. A lógica do melodrama é a do reconhecimento, que o público se reconheça neles, e não a do conhecimento. Eles não conseguem”, afirma.
Enquanto os presidentes mediáticos recebem constantes críticas da oposição e organizações públicas por sua superexposição na televisão, os “empresários” não conseguiram sequer passar pela seleção de elenco para ter um espaço próprio.
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Julieta Nassau, do La Nación