A imprensa, de modo geral, foi pega de surpresa diante das manifestações iniciadas no final do primeiro semestre de 2013 em São Paulo, Rio de Janeiro e outras centenas de cidades brasileiras. Jornais, revistas, TVs e rádios não foram capazes de perceber com antecedência a agitação diante dos dramas de suas cidades e do país.
Essas foram algumas das importantes conclusões do debate “Ruas em Movimento”, realizado em 3/11 em São Paulo, com a presença de jornalistas de O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Carta Capital e Rádio Cultura. O “Ruas em Movimento” é um projeto de iniciativa conjunta do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (Ippri) da Unesp, Observatório da Imprensa e Instituto CPFL | Cultura. Tem como objetivo debater os protestos de rua com interlocutores de vários segmentos da sociedade.
Dezenas de análises já foram publicadas sobre a origem dos protestos, suas causas imediatas, sobre os movimentos e seus personagens, a violência, as ações da polícia e o vaivém das decisões políticas. E outras análises virão sobre esse período de desobediência civil como nova estratégia de ação de uma sociedade em profunda transformação.
As causas do “susto” da imprensa podem ser encontradas dentro das próprias redações, que operam com quadros cada vez mais enxutos para enfrentar a queda de receitas nessa fase tumultuada de busca de um novo modo de fazer jornalismo para uma sociedade conectada 24 horas aos fatos. A abrangência da cobertura diária leva a canalizar boa parte da energia para os recorrentes assuntos de política e economia, para atos e declarações oficiais, para denúncias, casos de corrupção, acidentes.
Acesso à informação
Nossas redações estão, em geral, elitizadas. Perdeu-se o elo com o dia a dia do cidadão, com seus anseios e angústias. Isso se reflete na desumanização de grande parte das pautas. Estão desaparecendo das redações os conhecedores da cidade. Pouco se circula pelas periferias, onde vive a maioria dos excluídos e onde estão os maiores problemas relacionados ao transporte, à saúde e à educação. Há pouco domínio sobre os fatos, sobre a história recente, sobre a vida das comunidades periféricas. Natural, pois, o “susto” da mídia diante de protestos que deslegitimaram o status quo.E natural, ainda, que no primeiro momento a mídia tenha corrido atrás de respostas oficiais para a agitação nas ruas, liderada por grupos e personagens até então desconhecidos.
A mídia, em geral, mostrou, no início de sua cobertura, não ter consciência da realidade. Vivemos em um país desigual e em profunda ebulição. Não houve, antes da eclosão dos protestos, a percepção de que a “paz social” mascarava sentimentos de raiva e revolta. A sociedade deu um aviso de que muita coisa vai mal e de que estamos em processo de conscientização sobre um novo país.
É imperiosa a necessidade de alargar o debate sobre os grandes e graves assuntos sociais que nos desafiam, em especial nos grandes jornais e na TV aberta. E, com muita humildade, de nós, jornalistas, nos conscientizarmos de que temos de abrir os olhos para o novo mundo que nos cerca, para a nossa cidade, para as nossas comunidades. O acesso à informação por meio de aparelhos móveis e aos bens de consumo através da melhoria da renda multiplica expectativas e anseios. Conhecê-los, analisá-los e, se possível, vivê-los é receita para evitar “sustos”. Como disse o papa Francisco na recente exortação apostólica Evangelii Gaudium, “a realidade é superior à ideia”.
>> [A maioria das ponderações aqui colocadas são dos jornalistas Mauro Malin, Alexandre Machado, Bruno Paes Manso, Laura Capriglione, Mateus Pichonelli, da fotógrafa Marlene Bergamo, de Cláudio França e Genira Chagas, da Unesp, e de Sandra Muraki, do Projor, que participaram do debate “Ruas em Movimento”.]
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A matéria de que são feitos os relatos – Mauro Malin
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Celestino Vivian é jornalista e filósofo, coordenador no projeto Grande Pequena Imprensa (GPI), implementado pelo Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo