A tristeza em relação ao falecimento de Marcelo Déda é intensa. O povo sergipano o reelegeu pelo mérito da competência administrativa, não há dúvida. Mas há um outro legado importante que Marcelo Déda deixa, mas desta vez para todo o Brasil e o governo do PT: Déda encarou de frente a questão da democratização da comunicação. Desde a sua primeira administração como governante, ele buscou desenvolver um modelo de comunicação capaz de fortalecer a imagem do governo, evitando o quanto pôde se render aos assédios e também às extorsões tácitas que especialistas do setor chamam de “jogo da imprensa”.
Como jornalista e consultor de comunicação de órgãos de cooperação internacional, como o Banco Mundial e o PNUD, no final de 2007 participei de uma seleção pública da Unesco para a realização do documento de projeto (“Prodoc – Project document”) que visava a dar à comunicação pública de Sergipe um planejamento estratégico coerente à proposta do governo de Sergipe em “dialogar com o povo”. O objetivo era construir um modelo pioneiro de comunicação democrática. Eliana Aquino, esposa de Déda, havia narrado ao então representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny, um diagnóstico sombrio em relação às dificuldades de comunicação do governo sergipano com o povo devido aos meios de comunicação estarem em mãos de famílias de políticos locais e regionais ávidos para retomarem o poder. Um diagnóstico que se repete até hoje em todo o Brasil.
Na maioria dos estados, grupos de comunicação concorrem entre si, geralmente sobrevivendo e crescendo conforme conseguem acessar verbas publicitárias governamentais e de anunciantes locais. Essa disputa por verbas já é um reflexo da política que muitas vezes engessa a função social da imprensa no país e compromete a ética no jornalismo. Historicamente, pode-se afirmar que esta questão tem origem no “coronelismo”, que deve ser entendido aqui como o poder ou influência que as oligarquias exercem na vida política e social do Brasil com o intuito de se perpetuarem de geração a geração.
Ética ignorada
Determinadas condições históricas provocaram no Brasil o surgimento de grandes grupos de comunicação, que estão situados principalmente nas capitais dos 27 estados brasileiros. Em vários estados há predomínio de certos grupos sobre outros, mas quase sempre há um equilíbrio na oferta de opções de informação. A esmagadora maioria dos jornais, rádios e televisões é dominada por representantes de oligarquias. As concessões de rádios e televisões têm sido distribuídas segundo critérios que relevam a troca de favores políticos.
Desse modo, perpetua-se um cenário em que a mídia tem atuado principalmente para atender grupos políticos. Enquanto isso, os profissionais de comunicação se veem sem condições de exercer seu ofício desfrutando da liberdade de expressão necessária, embora ela seja prevista na Constituição. Tal circunstância implica o dilema dos profissionais de comunicação: ou aderem ao compromisso do vínculo empregatício-político-empresarial, ou ficam à margem dos meios de comunicação, a ponto de em muitos lugares sofrerem ameaças e violência.
Se for verdade que os meios de comunicação públicos e privados tendem a seguir uma orientação política favorável às elites dominantes, não é menos verdade que o papel social do profissional de comunicação acaba absorvido por essa tendência. Um código de conduta profissional foi sugerido pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) em 2007, mas foi duramente criticado pelos setores patronais e hoje em dia é solenemente ignorado, tanto pelos profissionais da categoria quanto pelos donos das empresas que os empregam.
Diálogo com as comunidades
As épocas em que mais se pode perceber como a comunicação pode ser usada em detrimento do interesse público são aquelas que se aproximam das datas de eleições para cargos públicos. Geralmente, os grupos concorrentes fecham ou reduzem os espaços de suas páginas ou programações à divulgação de informações da candidatura do grupo rival, enquanto o candidato próprio do grupo recebe grande destaque. Os meios de comunicação social se transmutam em verdadeiros aparelhos de marketing eleitoral.
O pior é que essa tendência de fortalecimento da parcialidade jornalística pela adesão a compromissos político-eleitorais também pode ser verificada no dia-a-dia em grandes órgãos de imprensa privados. O lado negativo da notícia é valorizado incessantemente a fim de mascarar a realidade e omitir, de fato, as reais preocupações da imprensa com o sentido republicano que ela evoca para si.
Diante dessa realidade imposta por meios de comunicação treinados muito mais para atacar do que estabelecer o debate democrático, o novo modelo administrativo adotado pelo governo Déda propusera mudanças em diversas áreas, a partir do resgate de uma política de planejamento estratégico. Assim, o setor de Comunicação Social tomou para si o desafio de estabelecer algo diferente no exercício de comunicar. Foi dada prioridade às ações de comunicação de interesse público, seguindo uma proposta de criar condições reais de produção de diálogo com as comunidades. A proposta era a de integrar a Comunicação Social, como ferramenta de gestão, ao planejamento estratégico do governo do Sergipe, criando condições de aperfeiçoar e ampliar o relacionamento com os órgãos de comunicação governamentais e não-governamentais, com destaque para a modernização da TV Pública, a formação de redes de rádios comunitárias e sociais e a criação de centros de mídia nas escolas.
Inclusão social
Com o apoio do governo do estado, a Secretaria de Estado da Comunicação Social de Sergipe (Secom-SE) iniciou o processo de reformulação e de implementação de uma nova ótica organizacional, com o objetivo de democratizar a comunicação social e o acesso à informação. Foram realizados investimentos na adequação do ambiente organizacional, na criação de fluxos administrativos e na implantação de um organograma provisório. O foco das ações estava na integração e na qualificação de servidores, sob o mote “informação como um direito do cidadão”.
Porém, para o novo cenário em que a Secom-SE buscou o apoio da Unesco o objetivo era avançar bem mais. Dizia respeito às ações de inclusão social, educação e cultura, que passavam pela questão da efetiva democratização da informação, observando-se a Comunicação Social no sentido vertical, não só de cima para baixo, mas, especialmente, debaixo para cima, através de mecanismos e canais que permitiriam a participação popular. O desafio que a Secom-SE se propôs foi integrar a informação de domínio público aos meios de comunicação oficiais, garantindo maior capilaridade do fluxo de informações e possibilitando que o público também se tornasse uma fonte importante de informações e notícias.
A cooperação técnica com a Unesco pôde contribuir com a organização de um sistema integrado de comunicação social essencialmente democrático, aberto às organizações da sociedade civil organizada e seus representantes. A diversidade de possibilidades de cooperação com a Unesco também buscou adentrar o campo da educação e das salas de aula, materializando-se em uma fronteira de inclusão social, para unir jovens e adultos em torno de práticas democráticas de comunicação, através da “Educomunicação”.
Em um país de dimensões gigantescas como o Brasil, a democratização da comunicação social precisa ser ainda mais fortalecida, através de projetos que incluam os cidadãos à sociedade da informação, não só como ouvintes ou telespectadores, mas como fonte e produtores de conteúdo social autêntico. Essa foi uma preocupação e um legado que Marcelo Déda escreveu na história de Sergipe, do Brasil e do mundo. Valeu, Déda!
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Fernando Fagundes é jornalista e consultor de comunicação