Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um passarinho comanda o jogo do poder

O Vale do Silício, na Califórnia, é pródigo em mentes brilhantes e histórias de jovens que lá desembarcaram sem dinheiro e em curto espaço de tempo fizeram fortunas. Várias dessas histórias, porém, têm um ponto em comum, longe de ser edificante. Começam com um grupo de amigos unidos em torno de ideias criativas e inovadoras. À medida que os projetos evoluem e revelam seu potencial de sucesso, acontece um racha entre seus criadores que, de uma hora para outra, tornam-se inimigos ferrenhos. Foi assim com o Facebook, cuja trama foi parar nas telas de cinema; foi assim com o Twitter, cuja história, permeada de conflitos e intrigas, é descrita em livro publicado no mês passado, nos Estados Unidos e no Brasil, aqui traduzido sob o título A Eclosão do Twitter – Uma Aventura de Dinheiro, Poder, Amizade e Traição.

Escrito por Nick Bilton, jornalista do New York Times, o livro narra os primeiros sete anos de existência do microblog Twitter e põe a nu as várias batalhas travadas por Evan Williams, Jack Dorsey, Noah Glass e Christopher Stone. Nos Estados Unidos, a publicação do livro causou alvoroço, por ter chegado às livrarias poucos dias antes da entrada da empresa na Bolsa de Nova York, em oferta de US$ 26 por ação, o que elevou o valor da companhia para algo em torno de US$ 14 bilhões. A foto registrada no momento de formalização da oferta pública de ações da empresa na Bolsa, que correu o mundo como um acontecimento extraordinário em 7 de novembro, é reveladora: além do CEO, Dick Costolo, aparecem apenas três dos quatro fundadores. O ausente, Noah Glass, foi defenestrado na formação da empresa e permanece fora da sociedade desde então.

A história do Twitter começa quando Evan Williams, aos 25 anos de idade, com pouco dinheiro no bolso e muitas ideias na cabeça, deixa a fazenda no meio-oeste americano onde morava com a família e ruma para Palo Alto, na Califórnia. Com suas parcas reservas, compra um computador e se instala em uma quitinete, mobiliada com um colchão e um fogão. Ali aprendeu sozinho a linguagem de programação, que mais tarde lhe abriria as portas para trabalhar como criador de softwares na Intel e na Hewlett-Packard, onde ficou pouquíssimo tempo. Corria o ano de 1997.

Uma tribo de nerds e hackers anarquistas

Com a namorada Meg Hourihan e alguns amigos, Williams funda a Pyra Labs, com sede em seu minúsculo apartamento, cujo primeiro produto foi um gerenciador de projetos, que recebeu o mesmo nome da empresa. Logo depois, utilizando a base do Pyra, Williams lança uma espécie de diário online, que batizou de blogger, palavra que até então não existia, com o objetivo de ensinar as pessoas que não sabiam nada de programação de computadores a criar um web log ou blog. Como o produto era oferecido gratuitamente e eles não tinham nenhuma outra fonte de receita, não tardou para que todos abandonassem o barco, exceto Williams, que continuou trabalhando sozinho.

Sua determinação foi recompensada. Em 2002, o Blogger, aberto ao público três anos antes, já hospedava quase um milhão de pessoas de todo o mundo, com cerca de 90 milhões de posts. O sucesso foi tamanho que, em fevereiro de 2003, Williams vendeu o Pyra para o Google. O valor do negócio não foi revelado, mas, de todo modo, Williams passou a ser reconhecido e admirado pelos jovens que circulavam no Vale do Silício, vivendo suas próprias experiências e sonhos no mundo digital.

Foi essa fama de Williams que levou Noah Glass a aproximar-se dele e apresentar-lhe o projeto de um áudio-blog que permitiria a qualquer pessoa postar mensagens de voz a partir de um telefone. A princípio, Williams esquivou-se, mas acabou levado pela ideia e concordou em associar-se a Glass. Foi então criada a Odeo, em setembro de 2005. Williams investiu US$ 200 mil e exigiu ser o CEO. Com o nome de Williams à frente da empresa, a Odeo chamou a atenção da imprensa e de investidores. “Mesmo sem um plano de negócios, a empresa recebeu investimentos de US$ 5 milhões”, diz Bilton no livro. A fase seguinte seria formar uma equipe para levar o projeto adiante. Não demorou muito, juntou-se em torno de Williams e Glass uma tribo de nerds e hackers anarquistas, entre eles Jack Dorsey, à época com 29 anos de idade, piercing no nariz e cabelos com dreadlocks azuis.

“Amigos que seguiriam uns aos outros”

Quando a Odeo estava prestes a lançar seu produto, foi atropelada pelo anúncio de que a Apple incluíra no iTunes uma ferramenta semelhante à que o grupo de Williams e Glass vinha desenvolvendo. Estava claro para eles que não poderiam competir com um gigante como a empresa de Steve Jobs. Williams confidenciou a Glass que pensava em fechar tudo e abandonar o barco da Odeo. Paralelamente, inquietos investidores pressionavam a equipe, que se desdobrava para descobrir outra solução inovadora para substituir aquela que haviam sido obrigados a abandonar de repente.

Foi quando, no final de fevereiro de 2006, conta Bilton, depois de uma noitada de música, bebida e Red Bulls, Jack Dorsey estacionou seu carro e confidenciou a Glass, sentado a seu lado, que ele também pensava em sair da Odeo. Em dado momento, Dorsey contou que, tempos atrás, pensara no conceito de um site em que as pessoas entrariam para compartilhar seu status; coisas do tipo “estou ouvindo tal música” ou “cheguei ao escritório”. Glass respondeu ao amigo que lhe agradava a ideia de criação do site, mas observou que deveria ter uma tecnologia voltada para a conexão das pessoas, de modo que elas “se sentissem menos sozinhas” e não algo para falar apenas de si próprias.

Entusiasmado com a ideia, Glass levou-a no dia seguinte a Williams e Christopher Stone, que se deixaram contagiar por sua empolgação. O desenvolvimento daquele embrião de projeto ficou a cargo de Dorsey e de um outro programador, Florian Weber. A nova plataforma de mensagens, limitadas a 140 caracteres, foi desenhada no conceito de “amigos que seguiriam uns aos outros”.

Personagens fundamentais

A sugestão para o nome Twitter veio de Glass. Inspirado pelo modo “vibrar” de seu celular, divagou sobre os impulsos do cérebro que fazem os músculos contraírem e relaxar; fez uma busca no dicionário e encontrou a palavra twitch. Entendendo que estava no caminho certo, procurou palavras que começassem por “tw”: twister, twist, twich, twichy, twittwite. Fixou-se nesse som e encontrou um verbo: twitter, que exprime o gorjeio dos passarinhos. A partir daí, o que se seguiu foi a expansão da empresa. Os desentendimentos entre egos inflados não tardariam. Seis meses após ter dado nome à empresa, Glass foi demitido por Williams, que em seguida também descartaria Dorsey, que depois retornaria à companhia com plenos poderes e demitiria Williams. O último a deixar a empresa foi Stone, porque, segundo Bilton, “não havia mais função para ele no dia-a-dia”.

O perfil de Dorsey traçado por Bilton é o de um narcisista com ambição desenfreada. Segundo Bilton, desde que Dorsey assumiu a presidência do conselho de administração, em 2010, monopolizou os holofotes da mídia e chamou para si a paternidade da empresa. Durante o tempo em que ficou à margem do Twitter, criou a Square, especializada em pagamentos por celular, hoje uma bem-sucedida empresa, da qual é o CEO. Ao longo de sua existência, Twitter sofreu vários assédios de aquisição. Facebook, Yahoo! e Microsoft foram alguns dos que tentaram comprar a companhia. Até mesmo o ex-vice-presidente americano Al Gore fez uma oferta, em 2009, a Williams e Stone, em um encontro regado a muito vinho e tequila, conforme descrição de Bilton.

O autor reconhece que os dois principais personagens do livro, Evan Williams e Jack Dorsey, foram fundamentais para que o Twitter se transformasse em uma ferramenta usada por “titãs da indústria e também por adolescentes, celebridades e pessoas comuns, funcionários de governo e revolucionários”.

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Marinete Veloso, para o Valor Econômico