Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Um ótimo momento para fazer jornalismo?

O primeiro On the Media de 2014, programa de crítica de mídia daNational Public Radio(NPR), trouxe uma inquietante entrevista com Steve Coll, decano do curso de jornalismo da Universidade Columbia, uma dos mais tradicionais dos Estados Unidos (ouça aqui). A cabeça da entrevista questionava a postura de Coll ao assinar uma carta convidando alunos para o curso de Columbia, que começava com a frase “este é um ótimo momento para fazer jornalismo”. Afinal, em um contexto de queda na audiência, diminuição da circulação dos grandes veículos impressos e de ditadura do clique na internet (onde a preocupação com as impressões de banner parece superar a própria preocupação com a apuração jornalística), seria este realmente um bom momento para fazer jornalismo?

Bob Garfield, apresentador do programa, fez críticas contundentes ao fato, problematizando o papel de uma escola de jornalismo em deixar claro para o acadêmico em qual universo ele realmente está prestes a imergir. Coll ensaia uma boa resposta, mas empaca no pior argumento possível: “Penso que jornalismo é um modo de vida. É divertido fazer perguntas impertinentes em uma coletiva de imprensa, (…) ter uma voz, ser capaz de aprender a escrever para as várias audiências, pensar a cada manhã sobre o que é e o que não é importante”, relata ele, que durante mais de 20 anos foi repórter do Washington Post. “É um ótimo momento para ter essa vida, porque a mídia está no centro da nossa sociedade. (…) Nós andamos com ferramentas midiáticas em nossas mãos e consumimos mídia o dia inteiro. Quem não gostaria de estar envolvido nisso?”

Coll apela para o glamour da profissão, em um argumento que certamente levará a imensa dos alunos que se deixarem seduzir por ele à frustração. Quantos jovens não escolheram o curso para se tornarem apresentadores de telejornal ou correspondentes internacionais de grandes redes? E quantos este mercado restrito consegue efetivamente absorver? Da mesma forma, escolher o jornalismo pela vaidade de agendar a sociedade e decidir o que é e o que não é importante é ser levado novamente ao erro. Isto porque, graças a internet, a imprensa tradicional perdeu o papel hegemônico de gatekeeper de informações. As regras do jogo mudaram e há outros inúmeros players na partida.

Riqueza na incerteza

A resposta do decano foi tão insatisfatória que tomei para mim a liberdade de refletir melhor sobre a questão proposta por Garfield. Fosse feita no Brasil, além da perda de poder e influência da imprensa tradicional e da busca crescente pela viralização dos faits divers, fatores como a queda do diploma e o ranço contra as grandes empresas (Globo, Folha etc.) complexificariam ainda mais a pergunta. Desta forma, mesmo com todos os fatores listados, a resposta para mim ainda é positiva. Sim, este é um ótimo momento para fazer jornalismo. Seria esta uma posição contraditória? Como é possível tal afirmação frente ao preocupante panorama levantado anteriormente?

A resposta exige que, primeiramente, se evidencie a diferença entre Jornalismo e as organizações jornalísticas. O Washington Post, o New York Times, a Folha de S.Paulo e até mesmo a soma de todas as empresas jornalísticas ou dos profissionais da imprensa não são o Jornalismo. Da mesma forma o papel, a TV ou a internet são apenas suportes para a sua mensagem. O jornalismo transcende os meios, as linguagens, os indivíduos e as empresas. Todos estes elementos são grandezas variáveis, frutos de seu tempo e reflexo de determinados valores culturais e processos históricos, tecnológicos e sociais. O jornalismo vai continuar existindo, talvez apenas não da forma como o conhecemos hoje. E não tem sido sempre assim?

Cabe aqui mais uma pergunta: existe realmente uma crise no jornalismo? Ou existe uma crise no modelo de negócios do jornalismo? A liberdade de acesso e consumo de informação, a facilidade de produção e a articulação em rede promovida pela internet abriram todo um novo leque de alternativas midiáticas. Um dos grandes exemplos é o caso da agência Pública, cujo modelo de negócios sem fins lucrativos é financiado por fundações de apoio à democracia ou viacrowdfunding. De maneira menos tradicional a própria articulação da Mídia Ninja mostra como é possível criar espaços próprios para a distribuição de produções jornalísticas sem depender do apoio dos canais tradicionais. Vale ressaltar, é claro, que a relevância dos grandes veículos não deve ser ignorada. Afinal, a estrutura que oferecem proporciona coberturas que a mídia alternativa jamais poderia realizar. Da mesma forma, o contrário é igualmente válido.

Este é um momento fantástico para fazer jornalismo. Não porque as grandes empresas estão recuperando os anos dourados do passado; não porque estamos imersos em uma “era da informação” onde tudo é mídia e muito menos porque temos certeza de que chão estamos pisando. Pelo contrário, é justamente nesta incerteza que está a riqueza do momento. O jornalismo vai mudar, isto é natural, mas o que vai surgir de novo ainda está pela frente, em um horizonte de possibilidades. E somos nós que estaremos lá para trilhar este caminho.

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Andriolli Costa é mestre em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e trabalha no Instituto Humanitas Unisinos