Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os limites ainda tênues do papel da mídia

O recheio de preconceitos, ressentimentos, rastros de neurastenias, psicopatias e psicoses frequentes na mídia brasileira de junho do ano passado para cá, especialmente a grande imprensa, daria para preencher alguns volumes de análises psicanalíticas, sociológicas e antropológicas sobre o Brasil mais recente capazes de contribuir para uma compreensão mais profunda sobre a sociedade brasileira.

Um desafio desses naturalmente só poderia ser obra de uma numerosa equipe multidisciplinar. Enquanto isso não é possível, embora vez por outra seja objeto neste Observatório de interessantes reflexões de articulistas como Alberto Dines e Luciano Martins Costa, não deixa de ser oportuna uma abordagem mesmo superficial sobre os limites do papel da mídia brasileira nessa trégua conquistada de convivência com a democracia.

Paradoxalmente, todas pressões exercidas sobre a mídia nos ciclos de autoritarismo da política brasileira, de 1930 para cá, não parecem ter sido suficientes para acordar seus líderes e militantes para a necessidade imperiosa do cooperativismo, por exemplo. Dessa conduta se originou até uma frase emblemática usual, segundo a qual “nem na cadeia a esquerda brasileira se entende”. Pois seria lá que o amadurecimento político se expressaria e consolidaria.

Um oceano de suspeição

A mídia nunca foi nem será o espaço onde essa compreensão se consolidará. Mas não pode continuar servindo, como já serviu, para a confluência de desentendimentos nem arregimentação de forças contrárias ao entendimento nacional. É o espaço para o debate de ideias contrárias, sim, mas onde o passionalismo seja diluído pela diversidade e o pluralismo. Por definição, espelho de todas as expressões da sociedade, a mídia exerce o papel fundamental para mostrar a vitalidade do organismo social, suas energias, suas atrofias, seus traumas e suas obstruções. As nuances através das quais as exprimem devem ser observadas com olhares límpidos, não contagiados pela arrogância nem o preconceito.

O ambiente sócio-político brasileiro foi sedimentado tão profusamente por essa camada de psiquismo doentio da última metade do século 20 para cá a ponto de a mídia mal conseguir se acomodar nos seus espaços manifestações populares simples como as junho do ano passado e as mais recentes, os chamados rolezinhos.

A ostentação das expressões democráticas legítimas pela mídia não apenas a enriquece como lhe permite autonomias de voo no seio da sociedade. Por que ainda são tão estreitos e restritos os canais de comunicação gratuito dos veículos virtuais com o público a que se destinam seus conteúdos? O argumento utilizado como resposta não pode ser mais a baixa escolaridade e a escassa acessibilidade dos destinatários. Outra vez aqui se impõe a necessidade de uma regulação dos veículos para que o opinismo não acabe se sobrepondo as realidades demandantes. De que o estado tem medo quando se fala em regulação? De um confronto com o sistema de comunicação dominante?

Já se viu que, pela sua composição, o Congresso Nacional não fará a regulação. Enquanto essa obstrução política não for desfeita, a descontaminação sócio-ideológica do ambiente comunicacional não ocorrerá. E a nossa mídia navegará sempre sob a turbulência de um oceano de suspeição.